Reportagem Especial: Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
[Reportagem de Cristiano Morsolin, para o EcoDebate] Um ato público na quinta-feira, 27, marcou o encerramento do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, realizado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) junto com a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).
Foto de José Cruz/ABr
Os participantes fincaram 159 cruzes no gramado em frente ao Congresso Nacional, em Brasília. Cada uma trazia o nome de cada empresário que consta na lista suja do trabalho escravo divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Além dos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), representantes de várias entidades que compõem a Conatrae também compareceram.
“O objetivo do ato foi pedir a imediata aprovação da PEC 438/01, um apelo da sociedade brasileira que está cansada de saber que em pleno século 21 ainda convivemos com uma mazela social como esta”, afirmou o senador José Nery, presidente da Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil. A PEC 438/01 pede o confisco de áreas urbanas ou rurais onde a prática do trabalho análogo à escravidão seja comprovada. O Encontro, realizado de 25 a 27 de maio, abordou temas como a persistência do trabalho escravo no Brasil e a responsabilidade empresarial.
Em meio a discursos, poesia e música, os manifestantes fincaram cruzes no gramado com o nome dos 161 escravagistas do Brasil, que tem seus nomes na lista suja do Ministério do Trabalho.
Nos discursos, a tônica era a exigência para que a Câmara dos Deputados aprove a chamada PEC do Trabalho Escravo. A Proposta de Emenda Constitucional 438, de 2001, prevê o confisco das terras onde for flagrada a prática de trabalho escravo e a distribuição delas com os trabalhadores vítimas dessa prática.
O ato foi aberto com apresentação do resumo das resoluções aprovadas no encontro. O ator global, Leonardo Vieira, que representava o Movimento Humanos Direitos (MHuD), fez a leitura do documento.
As falas foram intercaladas pela leitura do nome dos escravagistas. Os mestres de cerimônia destacaram que “é com tristeza e insatisfação que se vive em um país onde ainda existe trabalho escravo.” E citou o nome de alguns deles:
Carlos Gualberto de Sales, do Maranhão
Carlos Luiz dos Santos, do Pará
Vasconcelos Bonfim, do Mato Grosso
Cia Melhoramentos do Oeste da Bahia
João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Via Campesina, em sua fala, destacou que “essa prática não é de fazendeiros atrasados, de botas sujas de bosta de vaca, a prática do trabalho escravo é de grandes usinas de cana de açúcar, como a usina de Campos denunciada recentemente pelo Ministério Público, que fica a menos de 300 Km do Rio de Janeiro.”
Ele disse ainda que a manifestação era para chamar atenção da opinião pública para o problema e os meios de comunicação que, ao esconderem o trabalho escravo, contribuem para que ele continue. “A TV Globo deve criar vergonha na cara e por na ‘telinha’ quem são os fazendeiros que praticam trabalho escravo no Brasil.”
Roseli de Souza, do Movimento de Pequenos Agricultores, deixou o repúdio contra os que ainda escravizam trabalhadores nesse país, enfatizando a palavra que fez parte de todas as falas: vergonha.
“É uma vergonha para um país como o nosso acontecer esse tipo de coisa”, E conclamando os manifestantes, pediu ‘vivas’ para os trabalhadores e ‘vaias’ para os escravagistas. E encerrou dizendo que a luta é em defesa de um país que todos e todas terão direito a um trabalho digno.
Os mestres de cerimônia continuaram a leitura do nome dos escravagistas para que a sociedade brasileira saibam que são e a quem devem combater:
Marcos Antônio Eleutério Neto, da Fazenda Garupa do Pará
Maria Castro de Sousa, da Fazenda Pantanal do Tocantins
Frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), disse que esse dia, da entrega do abaixo-assinado, ocorrido nesta quarta-feira (26) (Ministros cobram aprovação da PEC do Trabalho Escravo), e da manifestação foi muito esperado:
“É o dia para conclamar o Congresso a ter vergonha na cara e amor no coração, que são os princípios que devem nortear a nossa luta e da nossa Constituição. Exigimos do Congresso que cumpra a Constituição do Brasil”, disse o religioso, lembrando que “o trabalho escravo não se resume a algumas irregulares trabalhistas, é crime vil, de lesa-humanidade, contra a dignidade e a liberdade da pessoa.
São 161 os latinfundiários e empresas na lista do Ministério do Trabalho que exploram trabalho, não apenas dos camponeses. Existem também empresas multinacionais com ação na Bolsa de Valores escravizando, disseram os mestres de cerimônia, prosseguindo com a leitura dos nomes:
Fazenda São Jorge e Nossa Senhora das Graças, de Santa Catarina
Energética do Cerrado Açúcar e ÁlcooL Ltda, de Goiás
A sociedade tem que conhecer a ‘lista suja’ desse país, que estão com os nome nas cruzes fincadas no gramado do Congresso Nacional, continuaram os mestres de cerimônia:
Max Neves Cangussu, da Fazenda Cangusso do Maranhão
Mayto Baptista de Rezende, da Fazenda Mimosa do Mato Grosso do Sul
Móveis Rueckl Ltda., da Fazenda Campo Grande de Santa Catarina
Para frei Sérgio Görgen, “o mais importante para ser dito aqui é o fato de nós, no ano de 2010, estarmos denunciando e mostrando o trabalho escravo no Brasil e pedindo que seja promulgada uma segunda lei de abolição da escravatura”, acrescentando que “isso é uma vergonha para todos nós e vergonha maior para nossas casas legislativas, de serem mais atrasadas que a princesa Isabel e o imperador Dom Pedro II.”
O senador José Nery (PSOL-PA), da Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo, disse que a manifestação representa “o desejo e a força de milhares de brasileiros que estão engajados nessa batalha pelo fim do trabalho escravo no Brasil”.
Ele disse ainda que o encontro não deve ser uma série histórica de muitos encontros, “porque o nosso sonho e a nossa luta é que daqui a pouco tempo nós tenhamos condições de anunciar a cada brasileiro e a cada brasileira e ao mundo que nós somos território livre do trabalho degradante e do trabalho escravo.”
Leonardo Sakamoto, da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, da Frente Parlamentar e da ONG Repórter Brasil, em meio aos manifestantes, anunciavam as medidas que serão adotadas a partir do encerramento do encontro para que a PEC seja aprovada.
A partir da entrega do abaixo-assinado, será intensificada a pressão sobre os parlamentares, principalmente os líderes partidários, para que aprovem na reunião do Colégio de Líderes, como propôs o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), a votação da matéria.
Ele acredita que sendo colocada em votação, a matéria, já aprovada no Senado, será também aprovada na Câmara. “É difícil um deputado que quer se reeleger se posicionar contra uma medida como essa, até para os ruralistas, que não são eleitos só com votos deles”, avalia.
As entidades e movimentos sociais envolvidos na luta pela erradicação do trabalho escravo vão também elaborar uma carta que será destinadas aos candidatos nessas eleições, para que se comprometam com o combate ao problema. “Vamos pedir assinatura deles para que não só se comprometam com a política existente, mas também a ampliação desses mecanismos, porque ainda temos dificuldades de aprovar medidas como essa, por isso é necessário o empenho de todos”, finalizou (www.josenery.com.br ).
MAIS DE 280 MIL ASSINATURAS CONTRA O TRABALHO ESCRAVO SÃO ENTREGUES NA CÂMARA
Mais de 280 mil assinaturas em favor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 438/01), que pede o confisco de áreas urbanas e rurais onde seja comprovada a prática de trabalho análogo à escravidão, foram entregues, nesta quarta-feira, 26, ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer. A matéria espera votação em segundo turno na Câmara há sete anos. Temer se mostrou sensibilizado com a entrega do abaixo assinado, que reuniu adesões de todo o País, e afirmou que vai levar o assunto ao colégio de líderes para tentar garantir um acordo para votar a PEC 438/01 o mais rápido possível.
O ato simbólico fez parte da programação do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo realizado Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) que começou no dia 25 e termina amanhã. Representantes da Frente Nacional Contra o Trabalho Escravo, Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil, movimentos sociais, entidades da sociedade civil, Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério da Cultura também acompanharam a entrega das assinaturas. Segundo o senador José Nery (PSOL/PA), presidente da Frente Parlamentar Mista pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil e um dos articuladores do abaixo assinado, a PEC 438/01 está engavetada durante todo esse tempo por tratar de um tema polêmico que não possui apoio unânime no Poder Legislativo. “Ainda existem parlamentares que não acreditam na existência do trabalho escravo no Brasil. Alguns dizem que há confusão entre condições degradantes e irregularidades trabalhistas”.
Para o senador, Michel Temer teve papel decisivo na aprovação do projeto Ficha Limpa e pode fazer a mesma coisa pela PEC do Trabalho Escravo. “Com a entrega das assinaturas, pedimos para o presidente da Câmara comandar o processo de apreciação da matéria. Caso seja aprovada, isso vai representar a realização do sonho de milhares de pessoas que lutam pelo fim desse crime no Brasil. É um compromisso com a ética, com o nosso país, uma decisão muito esperada, necessária e urgente”. Temer ressaltou também que o trabalho escravo é inconstitucional e só isso já é um motivo para aprovar a PEC 438/01.
De acordo com ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vanucci, presente no ato, dentro do universo de 17 milhões de trabalhadores brasileiros da agricultura, só 1% representa a parcela que vive em condições análogas a de escravos. “Esse é número que expõe o Brasil a possíveis concessões da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou a desvantagens em relações a país concorrentes na nossa pauta de exportação”, exemplificou.
O ator Wagner Moura, que faz parte do Movimento Humanos Direitos (MUDH) e também compareceu ao ato, disse considerar estranho uma parcela do Poder Legislativo se opor a uma matéria que pode contribuir para a eliminação do trabalho escravo no Brasil. “Não há justificativa para alguém não querer a aprovação da PEC 438/01. Essas forças ocultas deveriam se envergonhar disso ou então assumirem que são contra ao grande público”, finalizou (http://www.josenery.com.br/CN02/noticias/nots_det.asp?id=1060 ).
Cristiano Morsolin, jornalista italiano, membro do Observatorio sobre Latinoamerica SELVAS, é correspondente internacional do EcoDebate.
EcoDebate, 04/06/2010
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta utilizar o formulário abaixo. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Participe do grupo Boletim diário EcoDebate |
Visitar este grupo |
Fechado para comentários.