Tailândia e ideais nobres, artigo de Bruno Peron Loureiro
[Ecodebate] O conflito na Tailândia acende o candelabro da esperança de distribuição da riqueza no país, ainda que se faça uso do recurso derradeiro da força física. O mérito desta nação é o de deixá-lo aceso entre tantas adversidades.
Desde meados de março de 2010, os confrontos entre “camisas vermelhas” e soldados do governo renderam mais de 80 mortos e 1.800 feridos, embora a insatisfação daquele grupo com a gestão pública atual venha de 2008.
Os “camisas vermelhas” protestam em Bangcoc, capital da Tailândia, contra a intervenção militar e monárquica na política e reivindicam eleições diretas. Em vários sítios, usaram-se barricadas.
Como é de se esperar na política, dão-se-lhe limites à oposição para se expressar. Uma vez superadas as restrições execradas pela verdadeira democracia, as forças do Estado assumem posição de confronto. Em países de governos golpistas, como Honduras e Tailândia, os instrumentos de coerção política voltam-se contra os detentores legítimos do poder, o povo.
Houve um golpe militar em 2006 que derrubou o primeiro-ministro Thaksin Chinnawat, que governava desde 2001 e tinha apoio da parcela mais pobre do país. Este governo, como em poucos outros momentos na história política contemporânea tailandesa, deu enorme atenção às classes populares, por exemplo na universalização do acesso à saúde.
O conflito reflete as desigualdades entre os pobres do campo e os ricos da capital. História social lutuosa que se repete em vários rincões do mundo. Infelizmente a Tailândia se irmana com a América Latina e outras regiões onde o fator desenvolvimento humano não é prioridade.
É tão grande o desnível de representatividade no governo tailandês que o atual primeiro-ministro Abhisit Vejjajiva, que estabeleceu toque de recolher das 21h às 5h, provoca a insatisfação dos partidários de Thaksin.
Tailândia, único país do sudeste asiático que não teve metrópole europeia, é palco de um confronto clássico de representação dos interesses desarmônicos de uma sociedade e de uma organização política avessa à participação popular.
Os protestos, porém, têm sido tão impactantes que levaram ao cancelamento da última reunião da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, em inglês), mecanismo asiático de integração do qual a Tailândia faz parte.
Por que um conflito na Tailândia, cujo país é parcamente mencionado na pauta de notícias, tem recebido tanta atenção mundial? Tara pelo conflito e a guerra onde quer que o espetáculo se manifeste?
Alguns países asiáticos conquistam taxas consideráveis de crescimento econômico, como China e Índia, o Japão é uma potência mundial, e os EUAnos(1) sofreram uma derrota histórica na Guerra do Vietnã.
O fortalecimento de blocos de integração na Ásia, sobretudo a ASEAN, e a inserção de alguns de seus países em rodadas internacionais de negociação econômica e política conferem importância à região.
Com receio de dizer pouco, é necessário reabastecer o fôlego que resta a propósito de promover modelos que nos ensinem algo às sociedades ocidentais sem qualquer indício de superioridade ou inferioridade.
Em qualquer hemisfério do orbe, temos razões para lutar por mudanças sociais antes do estouro de uma situação de que já se desconfiava como insustentável.
A humanidade nunca alcança um estado ideal porque cada mente é produtora de desejos próprios e por vezes conflitivos.
Na Tailândia, a luta denuncia os abusos do poder por um governo ilegítimo e a concentração da riqueza em detrimento de cidadãos do campo.
A virtude está na legitimidade da reivindicação.
É de ideais nobres que a humanidade precisa.
(1) Como brasileiro, também me considero “americano”, digno de pertencer ao “Novo Mundo”. O mesmo serve para qualquer outro nativo/ naturalizado deste continente amplo e diverso.
* Colaboração de Bruno Peron, mestre em Estudos Latino-americanos, para o EcoDebate, 01/06/2010
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