Laboratório de ‘vida artificial’, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] Anunciada em manchetes de páginas de jornais, esse mês, a criação da “célula sintética” (produzida em laboratório) mexe com sonhos antigos da ficção científica, de que se possa criar uma “vida artificial”. Olhando mais de perto a notícia, vemos a declaração do próprio autor da façanha, o cientista Craig Venter, da Califórnia, de que “não criamos vida do nada”, explicando que o termo “sintético” se refere ao fato do genoma (a combinação sequencial dos genes) ter sido montado em laboratório, “mas todos os ingredientes são naturais”.
Sim, os genes transmitem características de comportamento, mas interferir na genética é uma forma de criação de vida ? Fazendo uma comparação grosseira, se você favorecesse o “cruzamento” de duas espécies de cachorros que ainda não haviam sido cruzadas, você estaria criando uma nova forma de vida ? Ao longo de milhares de anos, a natureza se encarregou de gerar uma biodiversidade fantástica em nosso planeta. Há algumas décadas, a espécie humana através de seus laboratórios passou a interferir mais intensamente nas combinações genéticas que até então só ocorriam espontaneamente.
Há uma diferença importante, ainda (e pouco divulgada), sobre o comportamento de seres vivos “in vitro” (quer dizer, nas condições artificiais de dentro do laboratório) e “in vivo” (quer dizer, no ambiente natural). Um organismo criado com a expectativa de cumprir determinadas funções (no caso da pesquisa de Craig, alegadamente produzir microorganismos, no futuro, para sequestrar carbono), pode sofrer alterações a partir de seu contato com o ambiente, que criem variedades com funções muito diferentes, fugindo ao controle do laboratório.
Os tumores – para usar um exemplo dramático – são exatamente isso, células produzidas pelo próprio organismo, que se desviam de sua função. Quer dizer, mutações genéticas espontâneas, que ocorrem todos os dias com cada um de nós (todos temos células assim, o nosso sistema imunológico é que as destrói). Essas células que se tornam tumores não são “malignas” em si mesmas, elas se tornam assim por sua competição com as células “normais” porque se reproduzem mais rápido e lhes “roubam” nutrientes. Em outras palavras, nada garante que células modificadas geneticamente para funções socialmente desejáveis (como sequestrar carbono, efeito “despoluidor”), em laboratório, não adquiram comportamento diferente “in vivo”, em interação com o ambiente. Qual alteração ? Não se sabe, só se saberá caso (e quando) acontecer.
Enfim, são fascinantes as possibilidades da ciência, o que não é realista, no entanto, é a promessa de controle absoluto de seus efeitos “in vivo” sobre os lindos planos traçados “in vitro”. A propósito, em nenhum dos casos é verídico se falar em “vida artificial”, que só ocorreria se uma combinação de substâncias químicas fosse capaz de adquirir “vida”. O que a ciência descobriu é mais uma forma de interferir nas vidas que já existem e modificá-las. “Artificial”, por enquanto, é só nosso estilo de vida em que passamos a maior parte do tempo em ambientes urbanos estressantes e congestionados (principalmente nos grandes centros), de onde planejamos “fugir para a natureza” quando tivermos férias.
Montserrat Martins, Psiquiatra, é articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 31/05/2010
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