Seca na Austrália ameaça costumes aborígenes
Foto: AFP/WILLIAM WEST/LE MONDE
A seca que castigou durante vários anos a bacia de Murray Darling, no sudeste da Austrália, não teve efeitos nefastos somente sobre a agricultura. As comunidades autóctones puderam observar, no dia-a-dia, transformações do meio ambiente que podem pôr em risco seus costumes ancestrais. E apesar de a chuva ter voltado, o medo do futuro já se instalou.
Em um documentário filmado por jovens aborígenes, treinados pelo cineasta Carl Kudell, os mais velhos da comunidade autóctone de Ngarrindjeri explicam seus temores pela sobrevivência de suas tradições, profundamente ligadas à terra e aos rios. O filme, rodado em 2009 e intitulado “Nukkan, Kungun, Yunnan”, foi selecionado para o Festival de Cinema dos Direitos Humanos de Nova York, onde será apresentado em junho. Reportagem de Marie-Morgane Le Moël, Le Monde.
Para esta comunidade que se define como “um povo de água doce” e vive à beira do lago Alexandrina, o documentário é uma forma de se fazer ouvir. “Um povo de água doce, isso quer dizer que por tradição tiramos nossa alimentação dos lagos. Isso sempre fez parte de nossa cultura. Mas, aos poucos, esses hábitos vêm sendo mudados pela falta de água”, explica Edie Carter, educadora para jovens em Meningie, que participou do documentário.
Os anciões da comunidade nunca haviam visto nada assim. “Quando criança, fui criado em um modo de vida semi-tradicional. Sempre se podia buscar comida, pois o rio era vivo. Nunca vi uma seca como essa”, explica no filme o velho Tom Trevorrow.
Em 2006, a pouca quantidade de chuvas reduziu a vazão dos rios e causou a salinização da boca do rio Murray. As árvores de frutinhas são cada vez mais raras. “Antes, colhíamos as frutinhas, mas está cada vez mais difícil”, comenta Edie Carter. As práticas culturais, como a tecelagem de cestos, estão sendo afetadas. “A tecelagem depende da colheita do junco. Até há pouco tempo, bastava sair de Meningie para encontrá-lo, e agora isso leva de duas a três horas”, se queixa Carter.
Para os anciões, a visão dos rios secos é uma fonte de angústia. “Que vamos deixar para nossos filhos? As terras e as águas são um corpo vivo. Nós acreditamos que tudo está ligado. Se a terra e o rio morrerem, morreremos junto com eles”, explica Tom Trevorrow.
Para os Ngarrindjeri, a terra e os rios foram criados no tempo do “Dreaming”. O nascimento de cada montanha, de cada curso d’água, é explicado por um mito, uma história particular. Rios ou animais que se extinguem, e a memória do tempo também vai embora.
Tradução: Lana Lim
Reportagem [La sécheresse en Australie menace les coutumes aborigènes] do Le Monde, no UOL Notícias.
EcoDebate, 27/05/2010
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