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6ª Cúpula de Chefes de Estado da UE e AL: Uma cúpula em meio ao turbilhão, artigo de Josep Maria Antentas e Esther Vivas

[EcoDebate] A 6ª Cúpula dos Chefes de Estado da União Europeia (UE) e da América Latina e Caribe (ALC) chega justo depois do anúncio do drástico pacote de recortes sociais por parte de Zapatero. As turbulências da zona euro e o estouro da crise na Grécia parecem anunciar uma fase mais difícil das medidas anticrise e o previsível aumento das tensões sociais na EU.

Os Chefes de Estado da UE chegam à Cúpula com o objetivo de fortalecer a “associação estratégica” com a ALC, iniciada na metade dos anos 90 após o Conselho Europeu, de 1995. No centro de sua política está a assinatura de acordos bilaterais de livre comércio entre a UE e determinados países latinoamericanos, tais como a Colômbia e o Peru, a serviço dos interesses das grandes multinacionais europeias, que buscam acesso aos mercados e aos recursos naturais latinoamericanos.

Apesar da retórica sobre a luta contra a pobreza e a defesa da coesão social que adorna a política da EU em relação à ALC, a realidade é bem distinta. Como denuncia a rede birregional ‘Enlaçando Alternativas’, impulsionadora da Cúpula dos Povos, paralela à oficial, os acordos de livre comércio contribuem para um modelo de globalização econômica que tem favorecido a desigualdade e a polarização social, o afundamento do mundo rural frente à agroindústria; a erosão das bases produtivas nacionais; a destruição do meio ambiente e a degradação dos serviço públicos na ALC. A assinatura de um acordo com a Colômbia, cujo triste recorde em matéria de direitos humanos é conhecido, é o maior exemplo do caráter vazio da retórica social da política da UE.

A Cúpula chega ao término de uma primeira década de século marcada pela crise profunda do modelo neoliberal e dos mecanismos de dominação de classe na ALC. Desde a “guerra da água”, em Cochabamba (Bolívia), em abril de 2000 um longo processo de lutas sociais tem percorrido o continente, protagonizadas por uma ampla variedade de atores onde se destacam os indígenas e os camponeses (sobretudo na região andina) e também os “pobres” urbanos (desempregados, trabalhadores informais, habitantes das periferias urbanas…).

No entanto, a situação política do continente permanece incerta sem ter sido decantada definitivamente e coexistem projetos estratégicos diferenciados. Governos como os do Brasil e da Argentina têm como objetivo buscar uma inserção mais vantajosa na economia global, atuando como no caso do Brasil, como potência subimperialista regional, com certa autonomia em relação ao Norte. Os processos de mudança em países como a Venezuela, a Bolívia e o Equador, apesar de que são reais, parecem mais bem estancados e estão cheios de contradições crescentes derivadas da falta de uma perspectiva anticapitalista clara, além da retórica e de sua ancoragem em um modelo extrativista. Por outro lado, a direita dura está à ofensiva em muitos pontos do continente e detém o poder em vários países, como na Colômbia, no México, no Chile ou no Peru, com governos vassalos ao capital transnacional.

Diante desse cenário incerto, o pulso que se livra em Honduras tem dimensão continental. Em um momento onde somente dois governos da União de Nações Sulamericanas (Unasul), o colombiano e peruano, reconheceram ao executivo ilegítimo de Porfírio Lobo e no qual a resistência hondurenha se encontra em plena campanha para obter um milhão de assinaturas em favor de um referendo sobre uma nova Constituinte, a renúncia de Lobo a ir a Madri é uma importante vitória.

A Cúpula chega também em um momento onde um velho conhecido dos povos latinoamericanos, o FMI (Fundo Monetário Internacional), entra de cheio na cena europeia, com a aplicação de um plano de ajuste na Grécia, simultaneamente banco de provas e castigo exemplar, que em quase nada se diferencia das receitas que o Fundo, outrora, ditou a muitos países latinoamericanos, provocando verdadeiros levantes sociais, as chamadas “revoltas anti FMI”. Entre elas está o ‘Caracazo’, de 1989, que marcaria o começo do fim da IV República venezuelana. Depois de um declive não detido desde a segunda metade dos anos 90, no auge do movimento altermundista e da crise asiática de 1997-98, o Fundo está de volta. Em 2009, a Cúpula do G20 em Londres já havia tentado dar-lhe um renovado protagonismo, com a injeção de 500.000 milhões de dólares, na gestão da crise.

Ante uma UE cujas políticas buscam transferir o custo da crise aos trabalhadores europeus e que promove uma política imperialista em relação a ALC, os movimentos sociais de ambos lados do Atlântico sentem-se desafiados a articular-se regionalmente, a fortalecer laços e convergências entre ambos continentes e impulsionar campanhas internacionais contra as multinacionais, a dívida ou a privatização dos serviços públicos. A cúpula alternativa realizada durante este fim de semana tem sido um passo nessa direção, com a celebração, entre outras atividades, de uma nova sessão do Tribunal Permanente dos Povos para julgar os crimes econômicos, sociais e ambientais das multinacionais europeias e a cumplicidade da EU com estas.

Nessa Cúpula dos Povos, realizada em Madri, encontramos uma expressão simbólica do fio de resistências ao neoliberalismo que, de forma desigual e ainda sem vitórias claras, percorre ambos continentes com uma aspiração comum: mudar radicalmente de modelo.

* Josep Maria Antentas e Esther Vivas são autores de ‘Resistencias Globales. De Seattle a la crisis de Wall Street’ (Editorial Popular, 2009). Artigo publicado no jornal Público, 17/05/2010.

** Tradução: ADITAL

*** Esther Vivas, articulista internacional do EcoDebate, é co-autora dos livros Del campo al plato (Icaria editorial, 2009) e Supermercados, no gracias (Icaria editorial, 2007), militante da Esquerda Anticapitalista e membro da redação da revista VIENTO SUR.

EcoDebate, 19/05/2010

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