Exposição à queima de canaviais afeta a superfície ocular
Cortadores de cana expõem a superfície ocular nas queimadas
A queima de plantações de cana-de-açúcar prejudica a superfície dos olhos de cortadores, conforme constata a pesquisadora Monique Matsuda. “Nesse período, estas pessoas têm a superfície ocular menos protegida contra agentes externos. Elas apresentam mais sintomas de irritação ocular e podem estar mais propensas a infecções. ”
A constatação partiu dos resultados da tese de doutorado de Monique, apresentada na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A pesquisadora explica que a queimada emite material particulado que interfere no filme lacrimal e no tecido epitelial que recobre a superfície ocular. O primeiro é a camada de lágrima que cobre o olho e o protege de objetos estranhos e de trauma; já o tecido epitelial consiste numa camada de células que recobre a parte externa do olho e sobre o qual “descansa” o filme lacrimal.
O material emitido também afeta as células produtoras de muco, que estão presentes na conjuntiva, membrana mucosa do olho. “As células produtoras de muco são importantes porque promovem a limpeza e participam da lubrificação ocular, por reter a água para que o olho não fique ressecado”, comenta Monique
No estudo, se observou diminuição do muco ocular nos cortadores durante a queima de canaviais, que dura de maio a novembro. A diminuição do muco, por sua vez, interfere na estabilidade do filme lacrimal, importante por promover a nutrição, oxigenação, proteção e a lubrificação dos olhos. Com menos muco e o filme lacrimal instável, os olhos dos trabalhadores estão mais expostos aos efeitos dos agentes externos, como poluentes atmosféricos.
Além dos riscos a que eles estão propensos a curto prazo, a pesquisadora destaca os possíveis efeitos depois de muitas exposições a queimadas: “Existe a possibilidade de que a exposição seja um fator agravante para o surgimento de doenças oculares no futuro. Alguns estudos realizados em outros países associam a exposição à queima da biomassa ao aumento na prevalência de cataratas e tumores oculares.”
Além da plantação
O estudo avaliou 22 cortadores de cana que moram em Tatuí (SP) e trabalham em canavial do noroeste paulista próximo ao município e 19 voluntários da cidade. Monique ressalta que a população que mora próxima das plantações também pode ser afetada.
“Todo material particulado proveniente da queima continua por dias, semanas e meses no local, e podem ser transportados por quilômetros de distância, chegando até as cidades vizinhas”, diz a pesquisadora. E acrescenta: “O intenso tráfego de veículos que transportam cana e seus derivados também são agentes poluidores e afetam a qualidade do ar dessas regiões.”
Segundo a pesquisadora, já havia evidências anteriores a seu trabalho: “Durante as queimadas, há registros que apontam um aumento do número de pessoas que moram perto das plantações que procuram atendimento ambulatorial por causa de complicações respiratórias.”
Avaliação e exames
O trabalho foi baseado em questionários, exames clínicos e uma avaliação histológica. Os testes foram feitos no período de safra (quando são feito as queimadas) e entressafra.
Um dos exames se chama citologia de impressão, em que se coletaram as células produtoras de muco
A pesquisa de Monique foi feita em conjunto com o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP, sob a orientação do professor Paulo Hilário Nascimento Saldiva, e foi parte de um projeto central coordenado pelo professor Ubiratan de Paula Santos, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP.
A pesquisadora comenta que seus estudos continuarão e que o próximo passo com o seu grupo de pesquisa será analisar os mecanismos oculares das alterações encontradas nos cortadores de cana. Isso possibilitará a sugestão de medidas de proteção e segurança aos trabalhadores.
Reportagem de Felipe Maeda Camargo, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 18/05/2010
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