A revolução Slowfood contra as multinacionais
Com um “partido” assim, a esquerda (e não só) pode apenas sonhar. A 24 anos da primeira reunião em Serralunga d’Alba – quando foi fundada a Arcigola – o Slow Food conta com suas próprias forças, ressalta que são robustas e anuncia seu próprio programa.
“A partir de hoje a 2014 – diz o presidente nacional Roberto Burdese no VII Congresso –, o nosso primeiro objetivo deve ser um forte compromisso político”. As “seções” já existem, e se chamam Convivium. São 300, presentes em quase todo o território italiano e “localmente devem ter um peso importante”.
“Devemos aumentar também os inscritos, porque se um Convivium vai ao encontro de um prefeito ou de um ministro representando 100 inscritos, ele tem uma resposta. Se tiver mil, as coisas mudam”. “Não devemos nos tornar um partido”, diz o presidente, “porém, o papel político que o Slow Food conseguiu conquistar na sua história é bem conhecido”.
A reportagem é de Jenner Meletti, publicada no jornal La Repubblica, 15-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os números da associação já são importantes: 40.000 sócios nas 300 condutas, 4.000 voluntários, 296 “hortas no convivium” nas escolas, 177 postos de produtos tutelados… Mas o que causa inveja aos partidos históricos é um outro aspecto do ex-Arcigola: a capacidade de discutir os objetivos, de renovar a classe dirigente sem rupturas com os “pais fundadores”. É a capacidade de partir dos problemas concretos para propor uma estratégia que parta do campo dos fundos de casa e chega ao outro lado do mundo.
“Sempre fizemos política – diz Carlo Petrini, o fundador e agora presidente internacional –, mas hoje somos capazes de mobilizar a poderosa estrutura italiana. Pedimos aos nossos comitês, aos nossos convivium uma capacidade de confronto e de dialética, e também de choque, com as instituições de todos os níveis. Durante muitos anos, fomos uma outra coisa: um serviço para os nossos associados. Agora, crescemos. Hoje, o Slow Food está na primeira fila para defender o agroalimentar do ataque das multinacionais, realiza o Terra Madre, combate os transgênicos, quer uma nova linha de alimento que dê aos agricultores o retorno justo… É um sujeito político que faz política, porque entendeu que é a economia local que irá mudar a realidade dessa crise entrópica. Nós não disputamos papéis institucionais, estruturas políticas ou lobbies de poder. Queremos reforçar a política local e entendemos que só consideremos isso fazendo comunidade”.
O congresso recém iniciou, mas o compromisso é específico: “Faremos ouvir a nossa voz – diz o presidente Roberto Burdese – todas as vezes que sejam tocados os valores dos quais somos portadores”.
O passado não é renegado. “Continuamos sendo um movimento pela proteção e pelo direito do prazer, mesmo que tenhamos sido indicados como os ‘bon vivant’, os ricos, aqueles que podem se permitir produtos de luxo. A ideia de prazer está mais articulada do que há 20 anos. Cultivar uma horta é um prazer, fazer compras é um prazer, trabalhar pela própria soberania alimentar é um prazer”. Estar juntos para criar comunidade.
“Mas para conseguir isso é preciso cortar o cordão umbilical com o mundo falso da TV, levar os nossos amigos, os nossos vizinhos para fora das casas”. Falar com eles, recuperar a memória dos saberes e dos fazeres. “Melhor tornarmo-nos sócios de um agricultor do que investir na Bolsa. Segundo a Eurostat, na Itália, nos últimos 10 anos, os lucros da agricultura caíram 36%, e o emprego, 16%. Sem reagir, comeremos só o que for produzido e vendido pelas multinacionais”.
Tantas comunidades locais, em todo o mundo, que devem – anuncia Carlo Petrini – “encher os celeiros da memória e dos saberes, contra a grande carestia que está chegando: a das ideias”.
(Ecodebate, 18/05/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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