Limoeiro do Norte, CE: Audiência debate agrotóxico e Caderno Conflitos no Campo 2009
Tanque que abastece famílias de comunidades na Chapada do Apodi, em Limoeiro, prejudicado pelo veneno. Foto de MELQUÍADES JÚNIOR
Antes da audiência, no auditório da Fafidam, será lançado o Caderno Conflitos no Campo 2009
Uma grande movimentação acontece hoje, neste município, para acompanhar a audiência pública que discutirá a pulverização aérea nas lavouras de fruticultura da Chapada do Apodi, logo mais às 15 horas, mas “um grito por justiça social e ambiental” dá o tema de manifestação que começa logo no início da manhã, com caravana de militantes sociais e trabalhadores rurais em caminhada na comunidade de Tomé, onde morava o líder comunitário José Maria Filho.
Após um café da manhã coletivo, será realizado o ato “Não estamos sós”, com monumento de celebração ao Zé Maria e à luta contra os agrotóxicos, com plantio de árvores e caminhada até o local onde o líder foi assassinado. A caravana se dirigirá até o Centro de Limoeiro do Norte e, antes da audiência realizada pela Câmara Municipal no auditório da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam), será lançado o Caderno Conflitos no Campo 2009, pela Comissão Pastoral da Terra. Reportagem no Diário do Nordeste.
Ênfase
Os movimentos sociais e os pesquisadores das universidades vão dar foco aos agrotóxicos, não somente à pulverização aérea. A intenção é dar ênfase às “contradições” do modelo de desenvolvimento do agrotóxico e seus impactos sociais, ambientais e na saúde da população. Serão relacionados aspectos críticos da pulverização e o assassinato do líder José Maria como consequências das denúncias que ele vinha fazendo.
Resumidamente, o grande “grito de justiça”, de acordo com fontes dos movimentos, é para três aspectos da sua luta do líder assassinado: a questão fundiária: luta pela terra; agrotóxicos: pulverização aérea; água: envenenamento por agrotóxicos do lençol freático.
A reportagem apurou que militantes sociais pretendem pressionar para que a proibição da pulverização aérea, conforme lei municipal, estenda-se para todo o Estado. A reclamação dos moradores do Tomé, hoje com medo e silenciosos desde a morte do líder José Maria, era sobre a contaminação supostamente gerada pelos aviões que jogam veneno na lavoura das empresas fruticultoras, e os dejetos estariam contaminando tanto diretamente áreas povoadas como o canal que leva água diretamente para algumas comunidades da região.
Entre os anos de 2008 e 2009, com a morte de trabalhadores rurais com suspeita de contaminação, muitos outros trabalhadores passaram a denunciar as condições de trabalho, relatos de tontura e desmaio, em quem trabalhava diretamente ou próximo da aplicação de veneno.
Na tentativa de garantirem alguma segurança própria, muitos trabalhadores rurais fizeram imagens “do que não pode ser visto pela fiscalização”, segundo um trabalhador ouvido pela reportagem. Em uma delas a máquina que aplica veneno está despejando o resto diretamente e sem cuidados no solo.
A audiência que acontece hoje já estava marcada semanas antes da morte de José Maria. Os vereadores da Câmara Municipal acharam necessária diante das pressões envolvendo, de um lado, os movimentos sociais e comunidades e, de outro, as empresas que aplicam o veneno. Produtores reclamam da forma com que as questões estão sendo tratadas, em que os agrotóxicos seriam, “exageradamente”, apontados como vilões.
“O que deve existir é um controle, uma responsabilidade”, pontuou um produtor, que pediu para não ser identificado. As fazendas fruticultoras da Chapada do Apodi empregam milhares de pessoas da região jaguaribana. Mas os pesquisadores do Núcleo Tramas alertam para o perigo do que chamam de “mito do desenvolvimento”, em que a geração de empregos seria apontada como elemento mais importante, em contraponto a problemas sociais, de saúde e ambientais de toda sorte. Em contraponto à legislação federal, que regulamenta a pulverização aérea, a Rede Nacional de Advogados Populares (Renap) quer chamar atenção ao artigo 30 da Constituição Federal, que dá aos municípios a legitimidade para legislar sobre “assuntos de interesse local”.
COMUNIDADE X PRODUTORES
Chapada do Apodi é vista como uma terra de conflitos
Limoeiro do Norte. A Chapada do Apodi é uma terra de conflitos. Por trás dos embates entre pesquisadores e comunidades, de um lado, e empresários e produtores, de outro, a insolvência diante de um modelo agroeconômico que os primeiros tentam mostrar seus problemas e os últimos suas qualidades. A morte do líder José Maria ainda não teve suas causas esclarecidas, mas deu forças para que a igreja e os movimentos sociais encampassem a luta do líder comunitário contra a contaminação por agrotóxicos.
Agricultura
A agricultura irrigada gerou mais de 10 mil empregos diretos e, também, indiretos, aqueceu a economia local, elevou o nome de Limoeiro e de Quixeré a municípios exportadores e deu destaque à Chapada do Apodi, na divisa entre os estados do Ceará e Rio Grande do Norte, 20 anos atrás vista apenas como “pedra no sapato” dos gestores municipais.
As discussões sobre concentração fundiária e utilização de agrotóxicos, intensificadas desde 2006, levou as empresas a se pronunciarem diante das denúncias. A adoção do Uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e criação de depósito de embalagens de agrotóxicos estão entre as ações das empresas fruticultoras.
Renda
O agronegócio é uma das principais fontes de renda do Ceará e responde por mais de R$ 1 bilhão no faturamento das riquezas do Estado, que assumiu o posto de 2º maior exportador de frutas do País e que, ao longo de 2009, atraiu 24 grandes empresas. O “medo” dos empresários é que os que não utilizam adequadamente os agrotóxicos prejudiquem aqueles que regulam os níveis de aplicação e asseguram a proteção do trabalhador.
Censo Agropecuário
De acordo com o Censo Agropecuário Brasileiro de 2006, pelo menos 16 milhões de pessoas trabalhavam em 5,2 milhões de estabelecimentos agrícolas do País. Desses, 1,4 milhão utilizaram agrotóxicos naquele ano, com 54% em unidades menores que 20 hectares, o que sobe para 81% quando somados os estabelecimentos de até 100 hectares. Somente nos Estados Unidos, menor consumidor de agrotóxico que o Brasil, os custos sociais e ambientais do uso de agrotóxicos chega a US$ 10 bilhões ao ano.
EcoDebate, 13/05/2010
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