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Artigo

Mitos e verdades sobre as doenças crônicas, artigo de Jarbas Barbosa da Silva Jr.

Ações de promoção da saúde e de redução dos fatores de risco são capazes de prevenir a ocorrência e a mortalidade por várias doenças crônicas

[Folha de S.Paulo] No próximo mês de dezembro, as Américas contabilizarão a ocorrência de 21 milhões de mortes na primeira década do século 21 por doenças crônicas.

No mundo inteiro, a hipertensão, diabetes, acidente vascular cerebral (AVC), doenças cardíacas e cânceres já são responsáveis por dois terços de todas as mortes que ocorrem, com alto impacto sobre os sistemas de saúde e sobre as sociedades.

Alguns mitos sobre as doenças crônicas distorcem a percepção social da sua gravidade e retardam o fortalecimento de programas abrangentes, integrados por medidas preventivas e de ampliação do acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento oportuno.

Esses mitos não resistem à análise dos dados e das evidências científicas disponíveis, como mostramos abaixo.

O primeiro mito é o de que as doenças crônicas matam pessoas que já são muito idosas. É falsa a ideia de que as mortes por doenças crônicas são sempre o desfecho natural de uma longa vida, especialmente nos países em desenvolvimento.

Na Bolívia, quase 40% das mortes por AVC acontecem em pessoas com menos de 65 anos, enquanto no Canadá esse percentual é de apenas 8,6%. No Brasil, são 28,7%.

Esses altos percentuais de mortes precoces revelam que portadores de hipertensão arterial não têm acesso ao diagnóstico e a tratamento, e que há problemas na qualidade do atendimento dessas emergências. Ambas as condições podem ser superadas com a adoção de estratégias adequadas.

Outro mito sobre essas doenças é o de que não temos como preveni-las, já que não existem vacinas. Ao contrário, ações de promoção da saúde, de redução dos fatores de risco e de aumento da cobertura do diagnóstico precoce são capazes de prevenir a ocorrência e a mortalidade por várias doenças crônicas.

Estima-se, por exemplo, que a combinação de medidas regulatórias com campanhas educativas para reduzir a ingestão de sal -na mesa e nos alimentos industrializados-, evitaria 8,5 milhões de mortes no mundo durante a próxima década.

Muito antes de surgirem vacinas contra o vírus do papiloma humano (HPV), vários países já haviam reduzido drasticamente a mortalidade por câncer cérvico-uterino utilizando a estratégia de universalização do exame preventivo e o tratamento em estágio inicial. Nos EUA e no Canadá, esse tipo de câncer é responsável por 2,5 mortes por grupo de 100 mil mulheres, enquanto nos países da América do Sul essa taxa é cerca de cinco vezes maior.

A redução da mortalidade por doenças cardiovasculares, verificada nas últimas décadas em quase todos os países do mundo, é outro exemplo do êxito de medidas para prevenir fatores de risco, como o tabagismo, combinadas com a melhora na atenção médica.

O terceiro mito é o de que as doenças crônicas são doenças de ricos, e que os países em desenvolvimento e os pobres ainda não precisam se preocupar com elas. Os fatos apontam para outra direção.

Os países de média e baixa renda respondem por 80% de todas as mortes registradas no mundo por doenças crônicas, e apresentam tendência crescente. A explicação não é difícil.

Os principais fatores de risco para doenças crônicas, como o tabagismo, a obesidade, o consumo deficiente de frutas e verduras e o sedentarismo, mostram tendência de crescimento nos mais pobres e menos educados.

Dados da recente Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) revelam que, entre os que têm menos de um ano de instrução, apenas 9,5% praticam esportes ou exercícios físicos, e 25,7% fumam.

Para comparar, entre as pessoas com 11 ou mais anos de estudo, 37% são ativos fisicamente, e o tabagismo reduz-se para 11,9%.

O diagnóstico precoce também é menos frequente entre os mais pobres, que têm mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Na Pnad encontrou-se que 25,3% das mulheres com mais de 40 anos, nunca fizeram uma mamografia. Essa média nacional, entretanto, esconde desigualdades importantes.

Entre as mulheres com renda maior que cinco salários mínimos, 18,9% nunca fizeram esse exame. Porém, entre as de renda inferior a um quarto do salário mínimo, o percentual é de 71,2%. Esse mesmo padrão iníquo repete-se em todos os exames preventivos para doenças crônicas na maioria dos países da América Latina.

Urge romper esse círculo vicioso, que faz os mais pobres adoecerem mais por doenças crônicas, terem sua produtividade reduzida e seu gasto com medicamentos aumentado, o que contribui para aprofundar sua própria pobreza.

Os avanços já obtidos e o conhecimento atual exigem o fortalecimento das ações e a adoção de novas e mais efetivas estratégias para responder ao enorme desafio das doenças crônicas.

Jarbas Barbosa da Silva Jr, 52, médico epidemiologista, mestre e doutor em saúde coletiva pela Unicamp, é gerente de Vigilância em Saúde, Prevenção e Controle de Doenças da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde em Washington, DC (EUA). E-mail: barbosja{at}paho.org .

Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo.

EcoDebate, 26/04/2010

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