25/04: Dia Mundial de Combate à Malária chama atenção para os obstáculos em série colocados pela doença
A cada 30 segundos, uma criança africana morre de malária. O número triste e impressionante evidencia a forma inclemente como a África é atingida pela doença, que também permanece endêmica em países da Ásia e da América Latina, inclusive o Brasil. Apenas em 2009, 306 mil casos foram registrados no país, quase a totalidade na Região Amazônica. No Dia Mundial de Combate à Malária, 25 de abril, especialistas chamam atenção para os obstáculos em série colocados pela doença.
“A malária coloca desafios globais, como a resistência a medicamentos, e no Brasil apresenta desafios locais para o controle, associados às condições da área amazônica, endêmica para a doença”, afirma o chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, destacando que apenas 20 dos 807 municípios amazônicos concentram nada menos que 50% dos casos do país. Além de desenvolver pesquisas em diversas abordagens – sobretudo aspectos imunológicos da doença –, o laboratório é referência junto ao Ministério da Saúde para a extra-Amazônia, atuando no diagnóstico de casos.
Em artigo que será publicado no Malaria Journal, o especialista destaca que, do ponto de vista da evolução histórica, houve uma importante redução dos casos no Brasil. Afinal, nos anos 1940 eram mais de 6 milhões por ano. Nos idos de 1960, os números foram os mais baixos já registrados. O incremento da ocupação humana da Região Amazônica explica o aumento progressivo do número dos casos desde os ano 1970.
No que depende da presença do mosquito vetor, o Brasil poderia vivenciar um quadro muito pior, já que o Anopheles darlingi está presente em quase 80% do território brasileiro. Como contraponto, a circulação do parasito causador da doença é territorialmente bem delimitada, com 99,8% dos casos localizados na região da Bacia do Amazonas. Em relação ao agente causador da malária, predomina o parasito Plasmodium vivax (83,7% dos casos registrados em 2009), enquanto o Plasmodium falciparum, o mais associado a casos de malária grave, respondeu por 16,3%.
O artigo, que também é assinado por outros quatro especialistas do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e Universidade de Brasília, além do coordenador do Programa Nacional de Controle da Malária, José Lázaro de Brito Ladislau, ressalta aspectos recentes que têm chamado atenção dos malariologistas brasileiros. Nos últimos anos, um padrão incomum de complicações clínicas associadas a casos fatais com P. vivax tem sido observado, fato cuja causa ainda demanda investigações. Ao mesmo tempo, observam-se evidências do surgimento de cepas de P. vivax resistentes à cloroquina, principal estratégia medicamentosa para a doença.
O especialista indica que o problema da resistência do parasito aos medicamentos disponíveis tem dimensão global. O Brasil adotou a estratégia preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de usar associações de drogas no intuito de reduzir as chances de induzir resistência. A opção pelo uso de derivados da artemisinina em combinação com outros medicamentos é resultado desta orientação. Na Ásia já existem relatos de resistência a derivados da artemisinina, fato que gera grande preocupação uma vez que não há perspectivas no momento de substituição dessas drogas por outras mais modernas.
Para monitorar a resistência, o pesquisador indica que estudos clínicos e in vitro são importantes. “No organismo, o medicamento atua em paralelo a mecanismos bioquímicos, enzimáticos e imunológicos complexos. Em estudos in vitro isolamos a ação do medicamento sobre o parasito, então podemos antecipar a tendência de resistência antes dela ser detectada como caso clínico”, afirma.
O artigo também chama atenção para um fato que pode ser foco promissor para novas pesquisas: foram identificados casos de infecção assintomática pelo P. falciparum e P. vivax, o que sugere um padrão de imunidade clínica. “A compreensão sobre os mecanismos de imunidade associada à exposição ao Plasmodium é um dos pontos críticos para o desenvolvimento de uma vacina”, o pesquisador informa.
Segundo Claudio, na Amazônia uma série de fatores combinados favorece a transmissão da doença e dificulta as estratégias de controle. Fora das áreas endêmicas, o diagnóstico rápido é crucial para o bom prognóstico dos pacientes. “Na Amazônia, o diagnóstico óbvio, elementar, é a malária. O mais difícil é o profissional de saúde que não está numa área endêmica considerar a malária como um diagnóstico possível. Os médicos precisam observar não só a sintomatologia, que é pouco específica, mas também estar atentos para questionar ao paciente sobre viagens recentes, investigando a possibilidade de incursão em áreas endêmicas”, aponta Claudio, que pavimentou a carreira acadêmica como pesquisador imunologista, mas é médico por formação.
A informação dos turistas também é fundamental. “O viajante que foi a uma área endêmica precisa saber que qualquer febre pode ser malária e que malária mata. Essa informação pode salvar vidas”, justifica. Durante a estadia, é importante conhecer os hábitos do mosquito vetor –predominantemente noturno, com pico de atividade nas primeiras horas da madrugada –, evitando pernoitar próximo a coleções hídricas, já que água parada, sombreada e limpa é o criadouro preferencial dos anofelinos. O uso de repelente, roupa fechada, janelas teladas e mosquiteiros é recomendado.
No conjunto, os avanços do Brasil no combate à malária sobrepujam os revezes. O número de internações despencou de 53.450 em 1994 para 18.037 em 2000 e 4.442 em 2009. Os óbitos atribuídos à doença caíram ainda mais – de 897 em 1984 para 58 em 2009 –, resultando na taxa de mortalidade mais baixa registrada até hoje – de 0,038% em 2000 para 0,013% em 2009.
“Os resultados estão associados a diversos fatores, mas sem dúvida se devem a um esforço ímpar de diagnóstico e tratamento precoce”, Claudio avalia. Dados de 2008 indicam que 59% de todos casos de malária registrados na região amazônica naquele ano foram tratados nas primeiras 48 horas após o aparecimento dos sintomas. “Essa medida de rápida intervenção não apenas evita a evolução de pacientes para complicações que podem conduzir a óbito ou sequelas, minimizando os evidentes custos humanos da malária, mas também interfere no ciclo da doença. Assim, o paciente é tratado antes que o Plasmodium adquira as formas que podem ser transmitidas pelo mosquito”, esclarece.
O especialista acrescenta também os custos econômicos da doença. “Se considerarmos que cada paciente com malária precisa de cerca de 10 dias de afastamento de suas atividades, tivemos um impacto econômico de mais de 3 milhões de dias de trabalho em 2009, sem contar gastos com tratamento e internações. Isso corresponde a cerca de 11 mil trabalhadores parados por um ano”, o pesquisador calcula.
Segundo Claudio, o Brasil tem um programa bastante exemplar, com uma rede gratuita que visa diagnosticar e tratar precoce e adequadamente a malária – o que é muito diferente da realidade no continente africano, por exemplo. Na equação de um difícil contexto de controle na região endêmica e de novos e intrigantes fatos verificados na rotina de vigilância da doença, Claudio defende o investimento em ciência associada à medicina. “A malária é uma doença de áreas silvestres. No nosso caso, foi o homem que entrou na casa do mosquito, o que dificulta as ações”, pondera. “A saída provavelmente reside na manutenção das ações de controle de forma permanente e continuada, combinada com o investimento em pesquisa que possa desembocar na produção de novos insumos para a saúde, relevante dada a ameaça permanente de resistência dos parasitos, e o desenvolvimento de uma vacina, o que poderia modificar radicalmente o cenário de controle da doença no Brasil e no mundo”, sintetiza.
* Informe da Agência Fiocruz de Notícias, publicado pelo EcoDebate, 25/04/2010
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