Demógrafo mapeia áreas de risco em Bertioga, Guarujá e São Vicente
Morro ocupado por casas de alto padrão em São Vicente: riscos são grandes para todas as classes sociais (Foto: Antonio Scarpinetti)
O demógrafo César Augusto Marques da Silva, do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Unicamp, acaba de concluir uma radiografia das áreas de risco da Baixada Santista, mais especificamente nos municípios de Guarujá, Bertioga e São Vicente. Os resultados apontam para um importante risco existente na relação entre população e ambiente, principalmente se forem levadas em conta as mudanças climáticas ou alterações ambientais que ocorrem nas zonas costeiras e que são potenciais causadoras de inundações e de quedas de barreiras, sejam por desastre natural ou interferência do homem. No entanto, empiricamente, segundo Silva, é possível perceber que os riscos são diferentes para cada município. Em Guarujá, por exemplo, parte considerável da população vive em morros, enquanto em Bertioga isso não acontece porque existe uma planície litorânea bastante ampla, fazendo com que as pessoas fiquem mais próximas ao oceano. Consequentemente, elas se expõem mais aos riscos de inundações e também à elevação do nível do mar.
Silva utilizou imagens do Google Earth em combinação com as malhas digitais por setor censitário (a menor unidade na qual os dados estão disponíveis) que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponibiliza na internet. A partir dessas duas fontes de dados, foi possível mapear onde estavam as áreas de morro, de inundação e de elevação do nível do mar em uma escala local.
A pesquisa, que é resultado da dissertação de mestrado de Silva, apontou ainda que o vínculo das pessoas com o litoral é diferente. Quanto mais perto do mar, maior é a porcentagem de domicílios que não são próprios, ou seja, são alugados ou cedidos pelos empregadores. Trata-se, de acordo com o demógrafo, de um paradoxo, uma vez que a maioria daqueles que residem em seu próprio domicílio vivem em áreas de morros distantes do mar, com um grau maior de risco. “Nesse caso, quando o risco se torna um perigo, quando efetivamente acontece o problema, certamente a pessoa terá uma perda maior do que aquela que está próxima ao mar”, disse Silva.
Mas, por que essas pessoas continuam morando nessas áreas? Silva explica que em sua dissertação que uma das dimensões do risco é o conceito do “recalcamento”, proveniente da psicologia. Trata-se da ideia de negar o perigo. Inconscientemente, a sociedade nega o risco e, assim, se torna incapaz de planejar ações contra o perigo. Exemplo emblemático é morar em locais de encosta. Para reverter esse quadro, explica o pesquisador, a primeira coisa a ser feita é admitir que o risco existe. “É preciso planejá-lo antes que se torne um perigo”, disse.
Outro ponto importante citado pelo autor da pesquisa é verificar exatamente qual o vínculo das pessoas com os lugares onde moram, porque essas situações chegam a acontecer e ninguém menciona isso. Para o demógrafo, esse é um campo muito importante no qual a dinâmica demográfica exerce um papel fundamental, uma vez que a mobilidade é parte importante das relações das pessoas com o local, sejam elas turistas de passagem ou pessoas que mantêm relações permanentes. “Os moradores permanentes podem não estar necessariamente brigando para enfatizar que esses riscos existem”, ressaltou Silva.
O demógrafo recordou ainda que, no caso recente do Rio de Janeiro, pesquisas do Nepo já apontavam que existiam riscos que culminaram com a tragédia que causou dezenas de mortes. Investigações do Nepo e da Agência Metropolitana da Baixada Santista também apontam o mesmo quadro para o litoral paulista. Estudos existem, complementa o demógrafo, e o que precisa ser feito agora é planejar para que sejam adotadas medidas preventivas. “Como demógrafos, temos que mostrar como a dinâmica demográfica impacta nesse sentido”, disse.
As áreas próximas aos morros e aos corpos d´água – consideradas de maior risco –, são aquelas que em termos gerais abrigam famílias com menor nível de renda e escolaridade e têm estabelecida uma relação de posse com o domicílio. “Precisamos adotar medidas pelo menos adaptativas porque, nessas áreas, a possibilidade de acontecimento de eventos extremos é maior. Não podemos mais culpar a chuva e o morro”, acrescentou. O objetivo é perceber como a forma de ocupação urbana nesses locais interfere no contexto.
Segundo Silva, o remanejamento das pessoas é fundamental. Muitas delas não estão ali por escolha própria – são, invariavelmente, pessoas de baixa renda e que não têm melhores condições de moradia, mas que criaram um vínculo com o lugar. “Não basta transferi-las. É necessário levar em consideração que elas têm uma história de vida e vínculo com o local”, argumentou.
Silva cita como exemplo o Guarujá, onde existem setores muito pobres em áreas de morro próximos ao mar coexistindo ao lado de setores mais ricos. Essa característica de estar no entorno de setores mais abastados não necessariamente fará com que haja uma prevenção mais eficaz contra os riscos. “Quando se fala de litoral, é importante lembrar que nem sempre as pessoas estão ali. Se o evento acontecer em uma segunda-feira, certamente atingirá um número menor de pessoas do que num fim de semana de verão. Portanto, é necessário conhecer a estrutura dessa população flutuante, uma vez que ela é diferenciada”, esclareceu.
Clima
Uma das coisas que os climatologistas estão apontando, com relação às zonas climáticas, é que o tempo de retorno de eventos muito extremos vem diminuindo. Para Silva, é complicado conseguir inferir diretamente que o fenômeno é resultante de mudanças climáticas. “Ainda que os modelos de previsão do tempo estejam sendo atualizados constantemente, será difícil ver as médias pluviométricas mudando”, alertou.
Fenômenos naturais observados mais recentemente em Angra dos Reis, Rio de Janeiro,Niterói e Florianópolis, além do Haiti e Chile, mostram a importância das regiões próximas ao Oceano na relação com as mudanças climáticas. Um ponto que a dissertação de Silva enfatiza é a necessidade de pensar a dinâmica demográfica desses locais porque esse é um ponto importante para a configuração do risco ambiental ali existente, e, também, para a capacidade de resposta dos indivíduos frente às adversidades.
Para o pesquisador, ainda que fatos como os ocorridos no Rio de Janeiro sejam totalmente indesejáveis, é importante que se reforce o debate sobre a situação nesse momento. Porque, se por um lado incentiva as discussões e as pesquisas, por outro confunde as pessoas. “Será que todas as áreas de encosta estão expostas a esses riscos?”, indagou Silva. Ao contrário da mídia, diz o autor, os estudos científicos não precisam vender argumentos. “Eles precisam construí-los de forma lógica e mostrar o que está por trás dos fatos concretamente, uma vez que dão a dimensão das causas. É necessário conhecer e estudar os fenômenos sociais”, disse. Para o pesquisador, parte da mídia tenta cobrir isso, no entanto, é importante que a questão da memória seja mais permanente, porque esse tipo de problema vai continuar acontecendo. “É preciso aproveitar esse período em que os eventos não acontecem com frequência para que os órgãos públicos tomem as devidas providências. Pode ser que no próximo verão nada disso aconteça, mas também pode ser muito pior. Temos que pensar quem são essas populações, o que elas fazem, porque residem nesses locais e qual a mobilidade delas”, acrescentou.
Na pesquisa de doutorado, o olhar de Silva vai se voltar para outros municípios, mais especificamente para Caraguatatuba (SP), que tem uma previsão de expansão urbana muito forte devido às obras da Unidade de Tratamento de Gás (UTGCA). “Os riscos no litoral norte paulista tendem a se amplificar, principalmente porque a faixa de litoral é bastante estreita. Nossa intenção é incentivar a adoção de políticas públicas mais conscientes, que sejam mais relacionadas à realidade e que considerem criticamente a existência dos diversos riscos ambientais”, concluiu.
FICHA TÉCNICA
Pesquisa: “População e riscos às mudanças climáticas em zonas costeiras da Baixada Santista: um estudo sócio-demográfico sobre os municípios de Bertioga, Guarujá e São Vicente”
Autor: César Augusto Marques da Silva
Orientador: Roberto Luiz do Carmo
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Financiamento: Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs)
Reportagem de JEVERSON BARBIERI, no Jornal da Unicamp Nº 458, publicada pelo EcoDebate, 23/04/2010
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