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Sobre Belo Monte, artigo de Mírian Leitão

[O Globo] Por 100 quilômetros o rio Xingu vai passar a ter uma vazão mínima de água, e, às margens dessa área, há tribos, ribeirinhos, floresta. Os técnicos do Ibama escreveram que não garantiam a viabilidade ambiental da hidrelétrica de Belo Monte. Duas das maiores empreiteiras do país desistiram porque acham arriscado demais economicamente. Mas o governo diz que fará o leilão.

Há dúvidas de todos os tipos sobre a hidrelétrica: ambiental, econômico-financeira e política. Por que ignorar tantas dúvidas? Por que leiloar a mais polêmica das hidrelétricas brasileiras a seis meses das eleições com um só grupo interessado? Por que tentar forçar a formação improvisada de um novo grupo, manipulando os fundos de pensão?

A primeira vez que se pensou em fazer essa hidrelétrica foi no auge do poder do governo militar, em 1975. Nem eles, com AI-5, sem audiências públicas, com um estado maior e mais insensato; nem eles, que fizeram Balbina, tiveram coragem de levar adiante o projeto.

O Ministério Público levanta dúvidas sobre várias questões, mas principalmente não entende a pressa do governo:

— Os técnicos do Ibama escreveram que não tiveram tempo de considerar as questões levantadas nas audiências públicas, escreveram que não tinham como garantir a segurança ambiental do empreendimento, há dúvidas sobre a viabilidade econômico-financeira e mesmo assim o governo diz que fará a obra — diz o procurador da República Bruno Alexandre Gutschow, do Pará.

Há vários outros pontos que estão sendo analisados pelo Ministério Público e novas ações podem ser propostas nas próximas horas. Eles entraram com duas ações pedindo a suspensão do leilão. E a vice-procuradora-geral da República, Débora Duprat, enviou um ofício ao presidente do BNDES exigindo respostas para várias perguntas: se o banco fez estudo da viabilidade econômico-financeira do projeto; quanto pretende financiar; se pesou o custo sócio-ambiental de deslocar 50 mil pessoas.

No mês passado, o Ministério Público tinha feito essas perguntas ao BNDES, e ele admitiu que desconhece os detalhes do empreendimento. Estranhíssimo. Ele será o grande financiador, como pode desconhecer?

O governo claramente está forçando a barra diante de todas as dúvidas. Ontem, a Aneel adiou o prazo de inscrição para participar do leilão. E, sem qualquer transparência, o governo tenta montar um novo consórcio.

O Ministério Público se perguntou numa das ações propostas: como manter a biodiversidade da área impactada pela redução da vazão de água? Como manter a segurança alimentar da população da área? Como garantir a navegabilidade do rio? Dúvidas que ficaram sem respostas porque os técnicos do Ibama disseram várias vezes em seus pareceres e de forma contundente o seguinte: “A equipe mantém o entendimento de que não há elementos suficientes para atestar a viabilidade ambiental do empreendimento.”

O pesquisador Francisco Hernandez, da USP, que estudou Belo Monte, define como um “monumento fluvial” o Rio Xingu, pela sua exuberante biodiversidade. O procurador Gutschow diz que há mais espécies de peixes lá do que em toda a Europa.

Mas alguém pode considerar que tudo isso deve ser sacrificado por uma hidrelétrica que será a terceira do mundo e que vai produzir 11 mil MW. Isso é um enorme engano. A produção média mal passará de 4 mil MW, e por três ou quatro meses no ano pode ser de meros 1 mil MW pelo regime das águas do rio.

Alguém pode argumentar que a hídrica é uma energia barata. É mesmo? A obra está calculada em R$ 19 bilhões, mas o que as empreiteiras estão dizendo é que talvez chegue a R$ 30 bi. Essa incerteza é que afasta muitos competidores. Além disso, há o custo não contado dos enormes linhões atravessando a floresta e muito distantes dos centros consumidores.

Pode-se argumentar também que se não forem feitas as hidrelétricas da Amazônia, restará ao Brasil a energia fóssil vinda do carvão, ou petróleo. É mesmo? Há inúmeras outras alternativas num país como o Brasil: biomassa, eólica, solar, eficiência energética, pequenas usinas, marés. A Coppe tem protótipo de usinas de marés, há estudos mostrando que se deveria estimular a autogeração renovável de fontes alternativas pelas indústrias.

Se você concorda com a ex-ministra Dilma, para quem nenhuma dessas fontes pode ser levada a sério, em grande escala, veja os números da Europa: A Alemanha no final de 2009 tinha 25.800 MW de energia eólica; a Espanha, 19.150 MW. Em toda União Europeia, 75 mil MW. Na Dinamarca, representa 20% da energia; em Portugal, 15%. Os Estados Unidos têm 35 mil MW. Isso sem falar do enorme potencial fotovoltaico (solar) do Brasil.

O Brasil explorou intensamente seu potencial hídrico, agora ele está em local distante, de grande impacto ambiental, com custos de construção e manutenção mais altos e incertos. A tendência agora é descentralizar a geração, e produzir barragens menores que reduzam o estrago ao meio ambiente. Enfim, quem pensa que só existe barragem ou fóssil precisa urgentemente atualizar seus conceitos.

* Artigo originalmente publicado no O Globo.

EcoDebate, 16/04/2010

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9 thoughts on “Sobre Belo Monte, artigo de Mírian Leitão

  • Antonio Carlos

    O objetivo desta Mirian não é criticar Belo Monte, e sim criticar qualquer coisa que o governo atual faça.
    Se fosse no governo anterior, certamente não teria esta posição.
    Pessoas como ela não devem ser levadas a sério.

  • Belíssima síntese, Mirian!Pessoas com a sua lucidez me deixam esperançoso que o Brasil vai evoluir qualitativamente!!
    Fernando Wucherpfennig
    Consultor ambiental

  • É de uma ingenuidade atroz acreditar em uma palavra que diz essa Mirian Porcão. Isso pra não dizer pior. Claro que nesse caso ela pode estar do lado bom, mas como já disseram atrás, a itenção é clara: se colocar contra o governo Lula. Essa mulher é lobista e lembro bem como ela ficou chocada quando prenderam o Daniel Dantas. Olha, tudo issosó reforça minha tese de que só existem dois tipos de pessoas no mundo: o “me engana que eu gosto”; e o “tô cansado de ser enganado”.

  • Outra coisa: um sítio como este não deveria dar voz a quem pertence e defende o oligopólio das comunicações no Brasil. Me senti ultrajado em ver um artigo dessa senhora por aqui.
    Um grande abraço!

    Resposta do EcoDebate:

    Prezado Ricardo Moreno,

    Um artigo deve ser discutido, avaliado e questionado a partir do conteúdo em si mesmo, do seu texto e contexto. Desqualificar um texto meramente a partir de seu autor é uma forma de intolerância e censura.

    O texto do artigo reafirma vários questionamentos apresentados pelos movimentos sociais, do Ministério Público e de comunidades indígenas. Isto pode ser confirmado acessando nossa tag “Belo Monte”.

    O EcoDebate é um projeto sem fins lucrativos, desenvolvido para a socialização da informação socioambiental. O conteúdo é selecionado e publicado com o foco dos movimentos sociais e foi conceituado para ser uma ferramenta de incentivo ao conhecimento e à reflexão, através de notícias, informações, artigos de opinião e artigos técnicos, sempre discutindo cidadania e meio ambiente, de forma transversal e analítica.

    Não somos, portanto, defensores de qualquer tipo de censura ou de restrição do direito de opinião e expressão.

    Atenciosamente

    Henrique Cortez
    coordenador editorial do Portal EcoDebate

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