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De Rachel Carson à Marina Silva, artigo de Eduardo Figueiredo Abreu

[EcoDebate] Assim como acontece por todos os lugares que visita pelo mundo, a presença da Senadora Marina Silva em Cuiabá neste mês de Março trouxe muita luz no debate sobre o meio ambiente, mostrando a importância do tema no contexto das políticas públicas, do desenvolvimento, dos princípios éticos e da filosofia. Marina Silva é uma liderança ambiental reconhecida internacional, tendo recebido diversos prêmios internacionais, sendo o mais recente o prêmio Mudanças Climáticas, oferecido pela Fundação Príncipe Albert 2º de Mônaco. A iniciativa premia pessoas e instituições por atuarem em favor do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Há pessoas cuja liderança ultrapassa a própria instituição, partido político ou idéias e projetos que defende, e Marina é uma dessas. Sua palestra proporciona momentos importantes para reflexão, quer seja sobre o modelo de desenvolvimento do Estado de Mato Grosso como do País. Sua trajetória no ministério do meio ambiente foi bastante rica, muitos acontecimentos, fez história, fazendo-nos relembrar feitos de outros grandes ícones da luta ambiental pelo mundo, e dentre estes vale destacar outra mulher de impressionante força e biografia, Rachel Carson. Há muita semelhante na biografia dessas duas valentes, indomáveis, mas, muito afáveis personalidades da humanidade.

Rachel Carson (1907 – 1964) foi pioneira em fazer aumentar a consciência pública a respeito da importância da natureza e da ameaça de poluição dos pesticidas nos anos 50 nos Estados Unidos. Ela iniciou sua carreira profissional como bióloga para o Serviço de Pesca e Fauna dos Estados Unidos. Nessa função, realizou pesquisas sobre oceanografia e biologia marinha e redigiu artigos sobre o oceano e tópicos relacionados ao meio ambiente. Carson se notabilizou em 1962 ao escrever o livro Silent Spring, ou “Primavera Silenciosa”, considerado uma referência histórica da literatura ambiental mundial. Este livro faz alusão ao silêncio dos pássaros em razão da sua exposição aos pesticidas. O livro foi resultado de uma pesquisa da própria Rachel, a partir da morte de quantidade significativa de pássaros de uma amiga dela, que residia próximo a um local foco de pulverização do pesticida DDT. Através dessa pesquisa, ela ficou convencida de que os pesticidas poderiam prejudicar os animais selvagens e os próprios seres humanos.

Contra a sua pesquisa, mobilizaram-se indústrias de pesticidas, cientistas a serviço de tais indústrias, dentre outros setores da economia americana. Rachel sofreu ameaças e discriminações até mesmo pelo fato de ser mulher, já que na época, anos 50, a mulher era vista por setores reacionários americano como ser incapaz, chegando a ser acusada de mulher histérica e amante radical da natureza que estava tentando amedrontar o público em um esforço para vender livros. Durante esses intensos ataques, Carson estava sofrendo de câncer terminal, mesmo assim não se calou, defendeu suas pesquisas e enfrentou os críticos, numa demonstração de valentia e disposta a tudo para defender suas convicções e o meio ambiente. Portanto, Rachel Carson deu uma contribuição valiosa para a sociedade humana daquela época, com reflexos até hoje, pois além de restrições de mercado que recaem sobre determinados produtos, como o próprio DDT, atualmente há também diversas restrições técnicas na aquisição e aplicação desses Defensivos Agrícolas, um insumo considerado indispensável para a agricultura altamente tecnificada do nosso tempo, mas, com alto potencial para poluição, sobretudo do solo e das águas superficiais e subterrâneas.

Assim como Rachel se destacou, fazendo história pela sua luta em favor dos animais e contra os pesticidas, há semelhanças com o que ocorre no presente no Brasil, através das ações promovidas pela senadora e ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva.

Mulher Amazônida, ex-seringalista, Marina foi alfabetizada aos 17 anos, no antigo mobral, trabalhou nos seringais onde contraiu por várias vezes malária e hepatite, e nem os problemas de saúde foram suficientes para abatê-la, graduou-se em história aos 22 anos e depois exerceu a função de professora. Foi professora na rede de ensino de segundo grau e engajou-se no movimento sindical. Foi companheira de luta de Chico Mendes e com ele fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Acre em 1985, da qual foi vice-coordenadora até 1986. E a partir daí foi que começou a encarar projetos políticos, sendo eleita vereadora de Rio Branco, a mais votada, em 1988.

Como Ministra do Meio Ambiente é que se destacou nacionalmente, Marina Silva fez história no combate aos crimes ambientais e o desmatamento irregular da floresta amazônica. Até então, poucas vezes tinha sido visto na história deste país a Policia Federal tão envolvida e mobilizada para combater o desmatamento clandestino, e como tal, até mesmo os órgãos ambientais passaram a ser alvos de investigação policial. No entanto, deve ser reconhecido que foi na gestão da Ministra Marina Silva que se aprofundou o debate entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, com eventos memoráveis, acalorados, particularmente em Mato Grosso, envolvendo diversos segmentos, e poucos se deram conta de que na verdade, nesses debates estava sendo forjada uma nova consciência ambiental no Estado, da necessidade inexorável de reconhecer a questão ambiental como parte integrante do processo de desenvolvimento, e não mais como mero obstáculo a ser vencido.

Podemos dizer que a passagem de Marina Silva pelo Ministério do Meio Ambiente ocorreu o lançamento de um plano de tolerância zero de Brasília contra o desmatamento na Amazônia, que implicou em adoção de medidas duras por parte também do governo do Estado de Mato Grosso, líder em desmatamento, recebendo inclusive o titulo de “motosserra de ouro”, mas que com a ascensão do promotor de justiça Marcos Machado ao cargo de Secretário de Estado do Meio Ambiente se deflagra também por aqui novas bases para a gestão ambiental de Mato Grosso, promovendo a reestruturação da política e gestão ambiental, com criação da SEMA, e provocando também avanços em algumas áreas. Nesse processo emblemático da política ambiental no Estado houve também alguns excessos e retrocessos, que não cabe aqui abordá-los.

Não resta dúvidas que a gestão ambiental do Estado de Mato Grosso sofreu um divisor de águas com Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e Marcos Machado na SEMA, foram momentos altamente produtivos, de fincar novas bases para a gestão e política ambiental no Estado, e de quebra de paradigmas.

Enquanto Raquel Carson, lá nos Estados Unidos dos anos 50 e 60 proporcionava a humanidade uma grande contribuição quanto à pesquisa reveladora produzida sobre os efeitos perversos dos pesticidas sobre os animais silvestres e o ser humano, aqui no Brasil, temos também uma personalidade mundial ambiental, a Ministra Seringalista Marina Silva, desta feita na defesa das nossas florestas.

Numa sexta-feira chuvosa deste mês de Março, no auditório da OAB/MT, tive a oportunidade de assistir a brilhante palestra da Marina Silva, onde foi possível constatar que a verdadeira força desta seringalista não reside simplesmente no cargo que ela exerce de senadora, ou que exerceu como ministra do meio ambiente, mas, na sua postura extremamente ética e no comprometimento até espiritual com o meio ambiente e com a construção de uma sociedade sustentável.

Analisando a biografia de ambas, Rachel Carson e Marina Silva, só temos que parabenizar a essas duas mulheres de fibra, de idéias e lutas inspiradoras para o esforço de construção de uma sociedade humana mais responsável com o planeta, que tenha como princípio básico à busca de implementação do desenvolvimento sustentável, considerando que isso passa pelo fortalecimento da democracia, da ética e adoção de valores inclusivos, e no desmoronamento do modelo de desenvolvimento alicerçado em princípios antiecológico, predatório, na concentração da renda nas mãos de poucos e que exclui parcelas significativas da população da bonança da repartição justa do pão.

A grande lição da vida dessas duas mulheres é demonstrar que é possível lutar por utopias, por uma sociedade sustentável, com menos poluição e destruição ambiental e mais justiça social e distribuição de renda.

Eduardo Figueiredo Abreu, Analista Ambiental, ex-secretário adjunto de meio ambiente de Cuiabá.

EcoDebate, 24/03/2010

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