Pesquisa associa concentração atmosférica de poluentes a mortes em Piracicaba
Queimada em plantação de cana. Foto MP/GO
Estudo desenvolvido na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) revela a associação entre a concentração atmosférica de material particulado – partícula sólida muito pequena, similar à poeira – e taxas de óbito por doenças dos aparelhos circulatório e respiratório na cidade de Piracicaba. Segundo o autor da pesquisa, o cirurgião-dentista Telmo Bittar, essas variações se devem a reações provenientes da queima de combustíveis fósseis – atividade realizada pelas indústrias siderúrgicas – e, principalmente, da queima da palha da cana-de-açúcar na região.
“Os resultados do nosso estudo estão em concordância com os encontrados na literatura nacional e internacional. Quanto maior a variação de material particulado, maior a chance de óbito por doenças relacionadas a problemas do aparelho circulatório”, explica Bittar, que destaca outro aspecto interessante da pesquisa, relacionado à umidade relativa do ar. Segundo ele, há uma influência direta na concentração atmosférica do particulado e a umidade do ar pois, nos meses mais úmidos, a tendência é de que o material particulado se sedimente, enquanto nos meses mais secos, este tende a suspender-se.
O tema foi objeto de estudo da dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), com orientação do professor Antonio Carlos Pereira. A pesquisa contou com apoio financeiro da Fapesp e as informações para o desenvolvimento do trabalho são de domínio público, disponíveis nos sites da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), além de dados cedidos pela Prefeitura Municipal de Piracicaba.
Telmo Bittar suspeita que a variação da qualidade do ar na cidade de Piracicaba pode estar associada ao uso indiscriminado do fogo nas lavouras de cana-de-açúcar. Isto porque, a partir da análise espacial disposta em um Sistema de Informação Geográfica (SIG) e com dados provenientes do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) mapeados por sete satélites que captam focos de calor, foram identificados 255 pontos em Piracicaba no ano de 2007. Destes, 95% estavam localizados em área rural, em vegetação não-florestal.
“Quando começamos as análises de acordo com a latitude e longitude, conseguimos localizar exatamente o ponto onde o satélite mapeou o foco. Com a ajuda dos professores Carlos Alberto Vettorazzi e Silvio F. Ferraz, ambos da Esalq, e do técnico Jefferson Polizel, rastreamos esses focos pelo computador, e verificamos que a maioria estava localizada em plantações de cana-de-açúcar”, esclarece. O pesquisador também observou que a maioria desses focos foi registrada entre os meses de maio e outubro, coincidente com o período de colheita. “Eles ateiam fogo previamente à colheita como forma de facilitar o trabalho dos lavradores, sob a alegação que a ação espantaria animais peçonhentos”, explica.
Mesmo de posse dessas informações, Telmo Bittar não pode garantir que a qualidade do ar está sendo prejudicada exclusivamente pelas queimadas realizadas no município. Seria necessário, explica Bittar, que fossem estudadas a direção e a velocidade predominantes dos ventos. Os estudos não devem levar em conta apenas os focos do município de Piracicaba, mas também de cidades vizinhas como Charqueada, Saltinho, Tiete e São Pedro. Ademais, devem ser investigadas a direção e a velocidade predominantes dos ventos, além da necessidade de ser realizado o mapeamento geográfico das estações de monitoramento da qualidade do ar. Bittar pondera, entretanto, que a variação do poluente, em razão dos meses do ano, mostra claramente que há interferência marcante no período de colheita da cana-de-açúcar.
Bittar ressalva, porém, que graças à preocupação com a questão ambiental, os piracicabanos respiram um ar um pouco mais saudável. O estudo verificou que o ar na cidade melhorou cerca de 20% quando comparado a estudo realizado no período de 1997 a 1998, pelo médico pneumologista José Eduardo Delfini Cançado. “A concentração média mensal para o ano de 2007 foi de 45,6µg/m3 contra 56µg/m3 do estudo anterior”, esclarece.
Reportagem de Raquel do Carmo Santos e César Maia, no Jornal da Unicamp Nº 454, publicada pelo EcoDebate, 18/03/2010
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