O Amor Gaico, artigo de Rodrigo Mendes Rodrigues
Estesia[1] como azimute[2] a re-educação: a busca de um amor ‘Gaico’[3] (por: Rodrigo Mendes Rodrigues[4])
[EcoDebate] Uma catástrofe que exalta, fazendo o mau uso da palavra, uma grandiosa ‘tragédia’: a angústia do caminhar para morte, fatalidade existencial para a qual não somos educados no conviver do viver. Essa angústia somente parece de menor intensidade em virtude do cotidiano vertiginoso, da rotina coletiva, do tempo escasso para reflexões, o que gera uma visualização embaçada, distante do eu observador…
São lançadas propostas como a necessária redução em cinqüenta por cento da emissão de gases (clorofluorcarbonetos – os CFCs). Mas o que não alvitra, as questões que ficam esquecidas, são as necessárias transformações de nosso valores, “normas, princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por indivíduo, classe, sociedade[s], etc.”. (FERREIRA, p. 2044)
Nossa espécie em seu processo histórico não apresentou, significativamente, situações que buscassem um melhor relacionar com nossa mãe Gaia. Vemos expressos nas propostas políticas, educacionais, nas relações científico-tecnologica, da cultura alimentar, do religioso, da relação entre os homens consigo e com o mundo que o cerca, um limitar (o mero negar do dasein[5]), um afastar, que caminha a um vazio existencial, a um niilismo, como alguns já nos apontaram como Nietzsche e Foucault.
A necessidade de um novo olhar se torna premente, a superação de antigos parâmetros que até aqui foram rigidamente demarcados entre o pensado, sensível e o sentido, caminho histórico decorrente do processo moderno cientifico e que aceitamos sem reservas, nos adequando a situações emblemáticas. Com esse vazio que agigantamos em nossa aceitação, deparamo-nos com uma geração ‘internautica’ que cada vez se isola mais do mundo, no contato com o outro e por que não consigo mesmo. Uma visão moderna de cisão, parcializando o mundo e a vida, desarmonia, partes fragmentadas da existência que me atrevo a chamar de doença grupal, que vai além da tão comum esquizoidia para celeremente chegar ao limite, perigoso, de uma esquizofrenia coletiva. (DUARTE, p. 70)
Alusão bem posta pelos pensamentos de Fêlix Guattari, que a nossa atual crise global necessita de uma autêntica revolução política, social e cultural, re-orientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais e, com certeza, da relação entre sujeito-objeto-sujeito. Essa relação deve se traçar no construir-destruindo, não só nas relações de forças visíveis em grande escala, mas também visando os domínios moleculares do sentir, do inteligir e do desejar. (GUATTARI, p. 9) (voltemos nosso olhar para o antes, olhemos nos olhos de Spinoza[6] e vejamos a luz da lanterna de Diógenes[7] ─ phainesthai[8]).
O nosso estar-no-mundo acompanha uma necrose de nosso Bem sentir o mundo, os sentidos são menosprezados em favor de um alinhamento da produção do pensar racional, se fazendo sui generis um alinhamento. Hillman em seu Cidade & Alma, aponta:
queremos o mundo porque ele é bonito, seus sons, seus cheiros e suas texturas, a presença sensorial do mundo como um corpo [entendendo corpo em sua forma de intercorporeidade, além da consciência intencional, merleau-pontiana]. Resumindo, por baixo da crise ecológica está a crise mais profunda do amor: que nosso amor tenha abandonado o mundo, que o mundo esteja desamado, é o resultado direto da repressão da beleza, de sua beleza e de nossa sensibilidade para ela. Para que o amor retorne ao mundo, é preciso, primeiramente, que a beleza retorne, ou estaremos amando o mundo só como uma obrigação moral: limpá-lo, preservar a natureza, explorá-la menos. Se o amor depende da beleza, então, primeiro, vem a beleza, uma prioridade que está de acordo com a filosofia pagã, em vez da cristã. A beleza antes do amor também está de acordo com a experiência demasiado humana de sermos levados ao amor pelo encantamento da beleza (HILLMAN, p. 131, op. cit., DUARTE, p. 32).
Esse buscar de um novo amor, um amor Gaico, deve ser acompanhado de uma re-educação, um re-educar dos sentidos (alinhamento da estesia), a somatória de uma transvaloração dos valores. O destruir o edifício social, com todos os seus êthos e éthos[9], buscando de seu terreno, de seus alicerces, um re-construir de um novo hábitat, com novas formas de habitá-lo (senti-lo), relacionar-se (ser-no-mundo).
Em uma visão não pessimista, mas sim realística (Shopenhauriana), aprioristíca e póstuma simultaneamente (peço a licença antí-poética de conclamar as musas a me abençoar nesse doce esquecimento que se segue) chegamos, como espécie humana, em uma relação sem saídas, em que ou teremos uma extinção completa ou muitos milhões, bilhões se submeterão as dores e a morte, um apocalipse voluntário. E qual seria o nosso papel? Nosso momento histórico é o de re-pensar o mundo, deixando gotículas do vivido para que os que virão (“Crianças Índigos[10]”) possam fazer uso de todos os erros e acertos cometidos, e assim, e só assim, possam construir algo novo, repleto de um novo amor, de um novo olhar do/com o mundo.
NOTAS:
IMAGEM: GAYA AWAKES, James Cospito In.: Brooklin Arts Project
[1] Estesia: [Do gr. aisthesía.] Sentimento do belo, sensibilidade.
[2] Azimute: (mú). Do ár. as-sumet, pl. de as-samt, ‘caminho’, ‘direção’, ‘norteador’;
[3] De Gaia, Géia ou Gê era a deusa da Terra, na antiga Grécia era o elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora quase absurda. Atualmente temos com relevância a teoria ou hipótese Gaia, tese que sustenta ser o planeta Terra um ser vivo, afirmando que a biosfera do planeta é capaz de gerar, manter e regular as suas próprias condições de meio-ambiente. As reações do planeta às ações humanas podem ser entendidas como uma resposta auto-reguladora desse imenso organismo vivo, Gaia, que sente e reage organicamente
[4] Graduado em filosofia na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), especialista em Filosofia Clinica pelo Instituto Packter (POA), especialista em Filosofia Contemporânea – Ética (UFSJ), especialista em Gestão (FAPI), atualmente docente da Fundação de Ensino Superior de Bragança Paulista (FESB), de escolas da rede pública e particular. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade (GEPI – PUC/SP) e do Coletivo sócio-ambiental de Bragança e região.
[5] A palavra Dasein vem do Alemão e significa Ser-aí. O Ser-aí expressa o imediatismo e o inevitável, características da condição existencial. O “aí” é a abertura para o mundo iluminado e compreensivo. A característica básica do Dasein é a sua abertura para perceber e responder a tudo aquilo que está em sua presença. A utilização do termo Dasein é contemporânea, surgindo como fenômeno, isto é, como algo que se mostra a si mesmo. O Filósofo e Pensador, Martin Heidegger, re-significou a palavra Dasein para a expressão ser-no-mundo. “Ser” e não “Estar”; no sentido de existência e co-existência, e não de permanência ou passagem. Não se trata do homem interagir com o mundo, pois nesse caso daria a entender que pessoa e o seu ambiente são coisas distintas. Trata-se da relação e co-existência e até interdependência, entre pessoas e / ou ambiente, isto é entre “Daseins”.
[6] Benedictus de Spinoza (1632–1677), ganhou a fama pelas suas posições do panteísmo e do monismo neutro, e ainda devido ao fato da sua ética ter sido escrita sob a forma de postulado e definições, foi excomungado da comunidade judaica pelas sua críticas à ortodoxia religiosa, defendendo que Deus é o mecanismo imanente da natureza e do universo. Afirmava que a razão da natureza humana é composta pela somatória da vontade, inteligência e emoções
[7] Diógenes de Sínope (413-? a.C), foi um filósofo grego, talvez o maior representante do Cinismo. Foi o exemplo vivo que perpetuou a indiferença cínica perante o mundo. Desprezava a opinião pública e parece ter vivido em uma pipa ou barril. Diógenes é tido como o primeiro homem a afirmar, “Sou uma criatura do mundo (cosmos), e não de um estado ou uma cidade (polis) particular”, manifestando assim um cosmopolitismo relativamente raro em seu tempo. É famosa, por exemplo, a história de que ele saía em plena luz do dia com uma lanterna acesa procurando por homens verdadeiros (ou seja, homens auto-suficientes e virtuosos).
[8] phainesthai (grego: “mostrar-se” ou “estar na luz”), o modo como as coisas se apresentam, des-velamento, rompimento do Véu de Maya”.
[9] Éthos: “caráter de alguém”; êthos: “o conjunto de costumes instituídos por uma sociedade para formar, regular e controlar a conduta de seus membros.”. Obs.: A palavra ética tem sua etimologia do grego ethos.
[10] “Uma Criança Índigo é aquela que apresenta um novo e incomum conjunto de atributos psicológicos e mostra um padrão de comportamento geralmente não documentado ainda. Este padrão tem fatores comuns e únicos que sugerem que aqueles que interagem com elas (pais em particular) mudam seu tratamento e orientação com objetivo de obter o equilíbrio. Ignorar esses novos padrões é potencialmente criar desequilíbrio e frustração na mente desta preciosa nova vida.” (Lee Carroll)
Bibliografia
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 1014p..
CARROL. Lee; TOBER, Jan. Crianças Índigo: crianças muito especiais estão chegando!. São Paulo: Butterfly, 2005. 264p..
DUARTE J., João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. (Tese de doutorado) Faculdade Estadual de Campinas. 2000. 234 p..
FERREIRA, Aurélio B. de H. Novo Aurélio: O Dicionário da Língua Portuguesa. Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 2128 p..
GUATTARI, Fêlix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990. 56 p..
HILLMAN, James. Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
Rodrigo Mendes Rodrigues. Graduado em filosofia na universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), especialista em Filosofia Clinica pelo Instituto Packter, especialista em Filosofia Contemporânea – Ética (UFSJ), especialista em Gestão (FAPI), atualmente docente da Fundação de Ensino Superior de Bragança Paulista (FESB), de escolas da rede pública e particular. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Interdisciplinaridade (GEPI – PUC/SP) do Coletivo sócio-ambiental de Bragança e região.
EcoDebate, 17/03/2010
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