O Brasil é o maior ‘exportador’ de água virtual do mundo. Entrevista especial com John Anthony Allan
Fonte: Água virtual, escassez e gestão: o Brasil como grande “exportador” de água
“A forma como usamos a terra e os recursos hídricos no passado negligenciava os impactos ambientais impostos pela agricultura intensiva. Esses custos não se refletem nos preços das commodities alimentícias vendidas e compradas internacionalmente, e nem mesmo nos preços dos alimentos no mercado interno. O Brasil não deveria correr para satisfazer a demanda global por sua água, colocando commodities no mercado mundial a preços que impossibilitem que o ambiente das terras e dos recursos hídricos do Brasil seja usado de modo sustentável”. Essas são as palavras do cientista britânico John Anthony Allan, escritas por ele na entrevista que aceitou conceder, por e-mail, à IHU On-Line. Conhecido no mundo inteiro por ter criado o conceito de água virtual, explicado a seguir, Tony Allan identifica que as grandes economias de água podem ser feitas no setor agrícola, onde os volumes de água usados são vastos. “Os agricultores tomam conta de toda a água verde. Junto com os engenheiros, eles tomam conta de toda a água azul usada na agricultura irrigada. Junto, isto representa 80% da água usada no mundo inteiro. Os agricultores detêm a chave para a segurança da água – especialmente no Brasil”, alerta.
A entrevista é de Graziela Wolfart. A tradução é de Luís Marcos Sander.
John Anthony Allan é professor no King’s College de Londres e na Escola de Estudos Orientais e Africanos. Pioneiro em conceitos chave para a compreensão e a divulgação das questões referentes à problemática da água e à sua conexão com a agricultura, as mudanças climáticas, a economia e a política, Tony Allan foi laureado com o “Prêmio da Água de Estocolmo 2008” (2008 Stockholm Water Prize).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor pode explicar o conceito de “água virtual”? Como fazer o cálculo de quanto cada produto consume de água?
John Anthony Allan – Os alimentos e outras commodities necessitam de água para serem produzidos. As commodities alimentícias possuem um teor de água particularmente grande. Por exemplo, as seguintes quantidades de água são necessárias para produzir 1 quilo de:
Trigo: 1.300 litros
Milho: 900
Arroz: 3.400
Carne de frango: 3.900
Carne de porco: 4.800
Carne de ovelha: 6.100
Carne de gado: 15.500
Algodão: 11.000
Ou a seguinte quantidade de litros de água é necessária para produzir 1 unidade dos seguintes produtos:
Um litro de leite: 1.000 litros
Uma xícara de chá: 30
Uma xícara de café: 140
Uma folha de papel: 10
Uma fatia de pão: 40
Uma maçã: 70
Uma camiseta: 2.700
A água embutida nisso é chamada de água virtual.
Quando uma commodity é exportada de um país para outro, o país importador se torna seguro em termos de água e alimentos contanto que tenha uma economia que seja diversificada, e as pessoas tenham meios de vida que lhes possibilitem comprar alimentos importados. Das 210 economias existentes no mundo, ao menos 160 são economias “importadoras” de água virtual. Há apenas cerca de 10 economias que têm um excedente de água significativo que pode ser “exportado” em forma virtual. Esses países incluem os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, Argentina e França. O Brasil é, em potencial, o maior “exportador” de água virtual do mundo.
IHU On-Line – Quais as maiores consequências ambientais para um país como o Brasil, a partir desta consideração de ser o maior exportador de água virtual do mundo?
John Anthony Allan – A forma como usamos a terra e os recursos hídricos no passado negligenciava os impactos ambientais impostos pela agricultura intensiva. Esses custos não se refletem nos preços das commodities alimentícias vendidas e compradas internacionalmente, e nem mesmo nos preços dos alimentos no mercado interno. O Brasil não deveria correr para satisfazer a demanda global por sua água, colocando commodities no mercado mundial a preços que impossibilitem que o ambiente das terras e dos recursos hídricos do Brasil seja usado de modo sustentável.
IHU On-Line – Como podemos fazer para que essa “água virtual” seja contabilizada e informada para os consumidores? O senhor acredita que isso ajudaria na questão da economia da água?
John Anthony Allan – Será muito difícil fazer com que o valor da água usada na produção de alimentos de origem vegetal e de carne se reflita no preço dos alimentos. Nem os agricultores que produzem as commodities, nem os comerciantes que as tornam disponíveis nas economias importadoras de alimentos, nem seus clientes e consumidores estão conscientes do teor de água embutida nelas e de seu valor. É improvável que a regulamentação cause algum impacto porque os números sobre o teor de água são muito imprecisos e podem ser facilmente questionados. Educar os consumidores é uma forma mais provável de mudar seu comportamento e sua forma de consumo. Os desafios políticos são imensos, especialmente numa economia de mercado.
IHU On-Line – Qual a importância de se divulgar a “pegada da água” e que tipo de ações deve ser pensado como resposta aos resultados apresentados por essa “água virtual”?
John Anthony Allan – O conceito de “pegada de água” é uma forma muito eficaz de contribuir para conscientizar os agricultores, negociantes, supermercados e consumidores a respeito do teor de água das commodities que eles produzem, vendem ou compram e consomem. A comparação da pegada de água de uma dieta pesada à base de carne de gado que consome 5 m3 de água por dia com a de um vegetariano que consome 2,5 m3 de água por dia apresenta um resultado crasso. Tem-se mostrado que uma dieta pesada à base de carne de gado e outros produtos de origem animal é muito ruim para a saúde de um indivíduo. Ela também é muito ruim para o meio ambiente aquático.
IHU On-Line – De que forma o tratamento de esgotos contribui para a economia da água? Quanto se gasta de água para fazer um saneamento básico de qualidade?
John Anthony Allan – A maior parte da água é usada para produzir alimentos. Mais de 80% da água que um indivíduo ou uma economia necessita são usados na produção de alimentos. 70% dessa água é água verde – ou seja, água proveniente de chuva que é retida no solo. A maior parte da produção agrícola do Brasil vem dessa água que está no solo. Os outros 30% são constituídos de água azul ou água doce. A água doce vem dos rios e do lençol freático. A água que usamos em casa e para trabalhos que não a agricultura corresponde a entre 10 e 20% da água de que um indivíduo ou uma economia necessita. A proporção depende de quão industrializada é a economia e de quão elevado é o padrão de vida. Os efluentes líquidos e o esgoto são gerados pelo uso doméstico e industrial de água. Mediante um investimento considerável, os efluentes podem ser reutilizados. Mas é preciso lembrar que esses efluentes são sempre uma pequena proporção do total de água de que a sociedade necessita. É cada vez mais possível e apropriado que as economias avançadas invistam na reutilização de efluentes. Mas a decisão política de alocar verbas para investir no tratamento de efluentes urbanos tem de ser ponderada levando em conta o valor do investimento em outros setores, como educação, saúde, comunicações, energia etc. As grandes economias de água podem ser feitas no setor agrícola, onde os volumes de água usados são vastos. Os agricultores tomam conta de toda a água verde. Ao lado com os engenheiros, eles tomam conta de toda a água azul usada na agricultura irrigada. Junto, isto representa 80% da água usada no mundo inteiro. Os agricultores detêm a chave para a segurança da água – especialmente no Brasil.
(Ecodebate, 16/03/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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