Relatório da ONU aponta que 37.5% dos lares brasileiros sofre falta de comida
Fotoimagem do filme “Garapa”, de José Padilha
“O Brasil ainda é um país de duas versões: notável progresso na luta contra a fome, em meio a agudas desigualdades sociais”, segundo o Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação
“Apesar de notável progresso, persistem lacunas no direito à alimentação no Brasil” disse o Relator Especial das Nações Unidas sobre o direito à alimentação, Olivier De Schutter, durante a apresentação, para o Conselho de Direitos Humanos, do que observou durante sua missão ao Brasil. De Schutter esteve no Brasil em Outubro de 2009, em missão para avaliar o progresso do Estado Brasileiro na realização do direito à alimentação.
“Eliminar a fome no Brasil exigirá a consolidação de políticas sociais, maior igualdade na distribuição da terra, apoio contínuo à agricultura familiar e uma reforma tributária progressiva”.
O Presidente Lula levou o país a realizações significativas na luta contra a fome, com resultados concretos – tais como 73% de redução na desnutrição infantil entre 2002 e 2008 – e o estabelecimento de mecanismos sólidos: SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e instituições participativas tais como o CONSEA”, disse De Schutter. Notamos com satisfação o aumento no salário mínimo, que ele disse ser “vital para expandir o mercado consumidor interno e para permitir ao Brasil que resistisse à crise global de alimentos de 2008 melhor do que outros países”.
O Relator relacionou alguns desafios importantes para o futuro: “A insegurança alimentar prossegue, para 37.5% dos lares brasileiros, cifra inaceitável para uma nação rica como o Brasil. 100 milhões de hectares ou 12% do território nacional sofrem com a grilagem, uma grande injustiça no Brasil. O processo de demarcação de terras para comunidades indígenas e quilombolas segue em ritmo muito lento e a concentração de terra aumenta em alguns Estados produtores de cana-de-açúcar, tais como São Paulo.”
De acordo com De Schutter, há mais razões para elogiar que motivos para grave preocupação. Ele expressou a preocupação de que alguns movimentos sociais que lutam por mais igualdade sejam crescentemente sujeitos a criminalização: “Acionar a polícia não é substituto de melhorar a situação dos muito pobres”.
Argumentando que a escolha entre modelos de desenvolvimento é vital, disse que “o Brasil aposta no modelo exportador, com a expansão da soja e do etanol de cana-de-açúcar como principais prioridades, entretanto ainda resta avaliar os efeitos distributivos deste modelo”. Incentivou o Brasil a realizar esta avaliação de forma abrangente e participativa, mas expressou dúvidas quanto aos benefícios do comércio global de commodities agrícolas para os grupos afetados por insegurança alimentar, tais como bóias frias, sem terra ou os pobres urbanos.
Apesar dos esforços significativos do governo Brasileiro para promover a agricultura familiar, o modelo de grande escala voltado à exportação ainda absorve um nível desproporcional de apoio público. Cerca de 47.000 grandes propriedades – apenas 1% das fazendas – cobrem 43% da terra, enquanto que por vezes contribuem muito pouco para a criação de empregos, mas gozam de prioridade quanto ao financiamento federal para a agricultura. Por outro lado, a agricultura familiar produz 38% do valor total da produção agrícola, cria mais empregos e é mais produtiva por hectare. A agricultura familiar foi negligenciada por décadas, disse De Schutter, acrescentando que “é enorme o potencial para melhorar a segurança alimentar por meio do apoio contínuo à agricultura familiar.”
Felicitou o Ministro do Desenvolvimento Agrário pela lei de Junho de 2009 que organizou a compra de no mínimo 30% dos alimentos usados pelo programa nacional de alimentação escolar (PNAE) de assentamentos e agricultura familiar. “Esta é, na verdade, uma das melhores alavancas de que o governo Brasileiro dispõe para realizar o direito à alimentação para todos. O mundo observa este programa, ele não pode falhar”.
O relatório inclui uma série de recomendações para o Estado Brasileiro, coerentes com a votação recente, no Congresso Nacional Brasileiro, de uma emenda à Constituição que torna o direito à alimentação um direito constitucional, o que foi aplaudido pelo Relator Especial da ONU.
“Os programas do Fome Zero deveriam ser sacramentados em leis, com orçamentos específicos adequados, para que não possam ser facilmente revertidos, criando uma dinâmica permanente de progresso e desenvolvimento” disse o Professor De Schutter.
“O Brasil deveria também pensar em acelerar as melhores abordagens à agricultura sustentável, de forma a torná-la uma fonte de inspiração holística e de longo prazo para o mundo. Sem dúvida há um enorme potencial inexplorado em práticas agroecológicas inovadoras, que deveriam ser ampliadas.” disse o especialista da ONU, pedindo uma avaliação participativa, em âmbito nacional, dos méritos respectivos da agricultura familiar, da agroecologia e da agricultura para exportação, inclusive monoculturas e agrocombustíveis.
As recomendações incluem ainda o fortalecimento do Ministério Público Federal em sua capacidade de usar proativamente as garantias constitucionais, redistribuição mais ampla de terras aos sem terra, e mudanças na coleta de impostos e no uso de recursos públicos, que são prioridade chave para De Schutter. Ele enfatizou o fato de que a natureza regressiva do sistema tributário Brasileiro é um empecilho capital à arrecadação de fundos suficientes para enfrentar os problemas da fome no Brasil. O sistema restringe também, nas famílias pobres, a receita disponível para que se alimentem adequadamente. De Schutter apóia também a proposta de que o Fundo Social do Pré-Sal inclua o direito à alimentação entre seus objetivos, uma vez que o programa Fome Zero representa apenas 1% do orçamento nacional.
“O direito à alimentação é realizável no Brasil, mas requer que se olhe para o futuro, em lugar de se manter posições conservadoras. Meu relatório tenta identificar as melhores opções para o período 2010-2015, algumas das quais já estão planejadas pelo governo e outras que ainda não estão”, disse De Schutter. “O exemplo do Brasil mostra que, com vontade política, um progresso imenso pode ser alcançado – mas desigualdades agudas persistem, e mais deve ser feito para combatê-las.”
* Oliver De Schutter foi nomeado Relator Especial para o direito à alimentação em Maio de 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Ele é independente de qualquer governo ou organização.
Encontrou-se com mais de cem pessoas durante sua missão (12 a 18 de Outubro de 2009), inclusive os Ministros Celso Amorim, Patrus Ananías e Guilherme Cassel; os Presidentes de ambas as Casas do Congresso, Sr. José Sarney e Sr. Michel Temer, bem como representantes de todas as instituições ligadas à segurança alimentar, particularmente o CONSEA e o CAISAN, e uma amostra ampla e representativa das organizações da sociedade civil.
Leia o relatório: “Mission to Brazil” em http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?m=101.
Para saber mais sobre o trabalho do Relator Especial, visite: www2.ohchr.org/english/issues/food/index.htm ou www.srfood.org
Contatos com a Imprensa: Olivier De Schutter Tel. +32.488.482004. Office of the High Commissioner for Human Rights – Beatrice Quadranti+41 22 917 9615 or Elaine Ryan +41 22 917 96 97 . Para consultas e pedidos da mídia: srfood@ohchr.org
Informe da Organização das Nações Unidas, socializado pelo CIMI.
EcoDebate, 15/03/2010
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