MPF/MG expede recomendações para ajuda imediata a índios maxacalis
Omissão governamental pode configurar crime de genocídio, diz procurador
O Ministério Público Federal (MPF) em Governador Valadares (MG) expediu cinco recomendações – duas à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), uma à Fundação Nacional do Índio (Funai) e duas à Polícia Militar e Polícia Civil de Minas Gerais – para a solução imediata dos graves problemas enfrentados pelos índios maxacalis.
Os maxacalis constituem uma das poucas etnias brasileiras que conseguiram resistir ao aculturamento. Até hoje, a maioria dos seus integrantes só se comunica em seu próprio idioma. Com uma população de cerca de 1,5 mil pessoas, vivem em quatro aldeias localizadas no Vale do Mucuri, região nordeste de Minas Gerais.
Infelizmente, porém, os maxacalis vêm enfrentando, ano após ano, problemas graves como fome, desnutrição e alcoolismo. Em janeiro passado, quatro crianças morreram em consequência de um surto de diarréia, problema recorrente até entre os adultos, segundo informaram agentes de saúde municipais por ocasião de uma vistoria realizada pelo MPF nos dias 9 a 11 de fevereiro. Naquela oportunidade, o procurador da República Edilson Vitorelli encontrou os maxacalis sobrevivendo em meio a péssimas condições de higiene, agravadas pela completa ausência de saneamento básico.
“A ausência de banheiros ou de quaisquer outras instalações sanitárias acaba exigindo que os mais de 600 índios residentes em cada uma das aldeias façam suas necessidades fisiológicas nas proximidades do rio ali existente. Não existem fossas sépticas e o lixo não é recolhido. Também não é feito o abastecimento regular de água potável, o que faz com que os índios sejam obrigados a beber água e a banhar-se no mesmo rio utilizado para a realização de suas necessidades fisiológicas”, indigna-se o Edilson Vitorelli. “Na verdade, a própria Funasa já reconheceu que aquela água é imprópria para consumo humano”.
Segundo técnicos da vigilância sanitária estadual, se não houver alteração das condições sanitárias das aldeias, o risco de nova epidemia e de novas mortes é iminente.
Por isso, uma das recomendações do MPF é para que a Funasa providencie, em caráter de emergência, as instalações necessárias à garantia do saneamento básico das aldeias. Essas medidas deverão prever, além do abastecimento regular de água de qualidade, também a coleta e disposição do esgoto por meio da instalação de módulos sanitários dotados de fossas sépticas e em quantidade suficiente para atender as aldeias.
O MPF recomendou ainda que a Funasa realize um programa de educação em saúde e saneamento, para que os índios sejam conscientizados da importância da utilização das instalações sanitárias e orientados sobre o modo correto de fazê-lo. Devem ainda ser firmadas parcerias com as prefeituras para a coleta do lixo.
Alcoolismo - A outra recomendação enviada à Funasa tratou especificamente do problema do alcoolismo indígena.
Segundo levantamento realizado recentemente pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/MG-ES), entre os anos de 2000 e 2007, o alcoolismo foi a terceira principal causa de morte entre os maxacalis, bem como fator de impacto no coeficiente de mortalidade infantil, que atingiu, em 2004, índice dez vezes maior do que o referente à população nacional.
Além disso, o alcoolismo, além de grave problema de saúde pública, ainda constitui a principal causa de degradação da vida coletiva interna da comunidade indígena, já que sob a influência do álcool, os índios tornam-se agressivos e propícios a situações de conflitos intra-étnicos, o que resulta em homicídios e graves lesões corporais.
A violência gerada pelo estado de alcoolismo acaba por resultar também em frequentes interrupções no atendimento prestado pela Funasa, em razão da insegurança vivenciada cotidianamente pelas equipes de saúde e pelos demais servidores públicos.
“A dependência ao álcool é uma doença e deve ser tratada como tal, ainda que ela se manifeste em uma população com características específicas como a indígena”, afirma o procurador da República Edilson Vitorelli. “Por essa razão, recomendamos à Funasa que inicie um programa de atendimento e tratamento do índio alcóolatra, por meios próprios ou firmando parcerias. O Município de Machacalis, por exemplo, disponibilizou seu centro de atendimento psicossocial para esse atendimento, desde que houvesse o aporte de recursos financeiros. Uma parceria com a Funasa irá possibilitar que o tratamento médico e psicológico leve em conta, na sua metodologia, as peculiaridades culturais do índio a ser atendido”.
Crime impune - Para o MPF, além de tratar o vício, é fundamental coibir também o fornecimento da bebida. O problema é que a venda de bebidas alcóolicas a índios, embora seja crime, é uma prática corriqueira na região. A atuação policial não tem conseguido inibir a atuação de atravessadores e fornecedores inescrupulosos, que se aproveitam do estado de dependência química dos maxacalis e aceitam como pagamento não só dinheiro oriundo de programas sociais, mas gêneros alimentícios, ferramentas de trabalho e insumos agrícolas fornecidos pela Funai.
Segundo Edilson Vitorelli, “a despeito da gravidade do problema, ele possui dimensão bastante localizada, atinge poucos municípios de população reduzida, não sendo razoável nem admissível que o Poder Público mostre-se tão incompetente em seu controle”.
Nesse sentido, foram feitas duas recomendações ao comando-geral e regional da PMMG e aos delegados da Polícia Civil. Uma delas requereu que, em 90 dias, a polícia adote medidas emergenciais para aumentar o efetivo policial, em caráter permanente, nos municípios de Santa Helena de Minas, Bertópolis, Ladainha e Topázio, para repressão do comércio de bebidas alcóolicas aos índios, inclusive por meio da lavratura de boletins de ocorrência e encaminhamento dos envolvidos às delegacias mais próximas.
Em 30 dias, a Polícia Civil deverá instaurar inquérito policial para mapear os estabelecimentos que cometem tal crime e adotar providências para o registro de todas as ocorrências, com a oitiva dos envolvidos e a lavratura de termo circunstanciado da ocorrência para encaminhamento à Polícia Federal.
Os atos de violência praticados pelos índios foram objeto da outra recomendação. Segundo relatos obtidos durante a vistoria, as autoridades locais não vêm coibindo devidamente os crimes praticados por indígenas, o que estaria gerando sensação de insegurança na população local e a crença de impunidade por parte dos índios.
Para o procurador Edilson Vitorelli, “o respeito e a proteção jurídica conferida ao índio não tem o condão de torná-lo imune ao sistema jurídico penal, ainda mais quando se trata de índios que vivem em permanente contato com a comunidade ao redor e têm plenas condições de compreender o caráter lícito ou ilícito de seus atos”.
Por isso, ele recomendou que as autoridades policiais passem a adotar com os índios os mesmos procedimentos relativos aos crimes cometidos por pessoas não-indígenas, inclusive com a imposição de prisão em flagrante, lavratura de boletim de ocorrência e instauração de inquérito policial.
Responsabilidade por omissão - A quinta e última recomendação foi destinada à Funai. Foi-lhe pedido que, tão logo seja concluído o concurso público para provimento de cargos atualmente em andamento, o órgão destine ao Estado de Minas Gerais um número maior de servidores, capazes de dar adequado atendimento a todas as aldeias existentes. No caso dos maxacalis, existem atualmente apenas dois servidores da Funai, um deles atuando junto à aldeia de Bertópolis e outro nas aldeias de Santa Helena de Minas.
Esses servidores vivem numa situação de risco iminente, tanto perante a população quanto perante os índios, pois é da natureza de suas funções a mediação dos conflitos entre essas duas comunidades e eles não contam com qualquer apoio administrativo. Não há sequer substituto para as ocasiões de afastamento por licença ou férias desses servidores. O MPF conclui que, em razão dessa falta de estrutura, a atuação da Funai deixa muito a desejar e, na verdade, contribui para a situação desoladora em que vivem os índios.
“A expectativa é de que alguns problemas mais urgentes, que afligem as comunidades, sejam resolvidos de forma efetiva. Não podemos permitir que os maxacalis continuem expostos a essa situação de invisibilidade social. A omissão dos órgãos governamentais pode vir a configurar, inclusive, crime de genocídio, que consiste em submeter um grupo a condições de existência capazes de ocasionar sua destruição física total ou parcial. E isso é o que, lamentavelmente, vem acontecendo”, afirma o procurador da República.
O MPF avisou que as recomendações têm o condão de cientificar as autoridades da situação exposta, e, desse modo, torna-as passíveis de responsabilização por quaisquer futuros eventos imputáveis à sua omissão.
Informe do Ministério Público Federal em Minas Gerais, publicado pelo EcoDebate, 12/03/2010
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