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Artigo

Crescimento econômico e redução da pobreza na América Latina, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Os dados estatísticos das três últimas décadas mostram de forma contundente que existe uma forte relação entre o crescimento econômico e a redução da pobreza na América Latina. O gráfico 1 apresenta os dados do PIB per capita na região (eixo esquerdo) e o percentual de incidência da pobreza na América Latina (eixo direito), para o período 1980 a 2008. Observa-se que durante os anos 80 (década perdida) a renda per capita caiu de $3.620 dólares em 1980 para $3.321 dólares em 1990, enquanto o percentual da população abaixo da linha da pobreza subiu de 40,5% para 48,3% no mesmo período. Portanto, o passado histórico de exclusão social e a crise econômica jogaram quase metade da população latinoamericana na pobreza.

A década de 1990 foi um pouco melhor e houve recuperação da renda e redução da pobreza até o ano 2000. Em 1994 a renda per capita voltou ao patamar de 1980, embora a pobreza tenha caído apenas para 45,7%, mantendo-se acima daquela registrada em 1980. No ano 2000 a renda per capita chegou a $3.886 dólares e a pobreza a 42,5%. Os dois primeiros anos do terceiro milênio foram de crise com a renda per capita caindo para $3.746 dólares em 2002 e a incidência de pobreza subindo para 44,3%.

Gráfico 1: Evolução do PIB per capita e da pobreza na América Latina, 1980-2008. Fonte: Cepal/Celade, 2009, graf. 6, p. 17
Gráfico 1: Evolução do PIB per capita e da pobreza na América Latina, 1980-2008. Fonte: Cepal/Celade, 2009, graf. 6, p. 17. Para acessar o gráfico no tamanho original clique aqui

Porém, a partir do ano de 2003 as duas curvas seguem rumos completamente opostos, pois enquanto a renda per capita passou de $3.746 para $4.597 dólares em 2008, a incidência de pobreza caiu de 44,3% para 33,2% em 2008. Durante 25 anos (1980 a 2004), o percentual de pobreza ficou acima de 40% e parecia que nunca iria cair abaixo deste patamar. Porém, num período de 7 anos (2002-2008) a população em situação de pobreza teve a sua maior queda histórica no continente, o que é digno de comemoração, se bem que ter um terço da população em condições de vulnerabilidade ainda coloca um desafio enorme para a América Latina obter maior bem-estar e justiça social.

Os dados sugerem que o crescimento econômico sustentado teve um papel importante na redução da pobreza. Mas, evidentemente, outros fatores também contribuíram e atuaram em conjunto para a população do continente avançar nos indicadores de bem-estar e para atravessar a porta de saída da “armadilha da pobreza”. Tomemos apenas um indicador demográfico.

O gráfico 2 mostra que a razão de dependência demográfica total (população de 15-64 anos dividida pela soma da população de 0-14 anos e 65 anos e mais, multiplicada por cem) era de 78 pessoas em 1980. Este número veio caindo e deve atingir o patamar mais baixo entre 2025 e 2030. Em seguida, apresenta uma tendência de subida em função do processo de envelhecimento populacional, mas mesmo assim, a razão de dependência demográfica será de 60 pessoas dependentes para cada 100 em idade ativa em 2050, contra o número de 78 em 1980. Menor razão de dependência significa maior capacidade de poupança e de investimento por parte das famílias (microeconômica) e do Estado (macroeconômica).

Gráfico 2: Razão de dependência demográfica para América Latina e Caribe, 1950-2050. Fonte: World Population Prospects: The 2008 Revision, http://esa.un.org/unpp, Monday, February 22, 2010
Gráfico 2: Razão de dependência demográfica para América Latina e Caribe, 1950-2050. Fonte: World Population Prospects: The 2008 Revision, http://esa.un.org/unpp, Monday, February 22, 2010. Para acessar o gráfico no tamanho original clique aqui.

Portanto os dados mostram que as condições demográficas já estavam ajudando ao crescimento econômico e à redução da pobreza desde meados dos anos 1970. Porém a crise da dívida externa que atingiu o continente nos anos 80 jogou milhões de trabalhadores no desemprego e no sub-emprego, além de ter provocado uma queda geral dos níveis de rendimento da população. Na década de 1990 o crescimento econômico ficou positivo, mas com baixo dinamismo, baixa mobilidade social e alto desemprego e sub-emprego. Assim, somente após o ano de 2002, quando as condições da economia internacional ajudaram e a América Latina implementou uma série de medidas econômicas e sociais, foi que se pode aproveitar as condições favoráveis da estrutura etária.

O que permitiu a redução da pobreza na América Latina nos últimos anos foi a combinação de crescimento econômico com a redução da razão de dependência demográfica, provocada pela queda das taxas de fecundidade. A menor carga demográfica implica em maior renda per capita por família, maior capacidade de poupança e consumo e maior oferta de mão-de-obra para a economia. Com menos filhos (especialmente aqueles menores de idade) as mulheres podem dar mais atenção ao estudo, ao emprego e às suas carreiras, tendo como compensação maiores salários e rendimentos em retorno à maior experiência e ao maior capital humano aplicado. Assim, o aumento das taxas de atividade feminina no mercado de trabalho é conseqüência e resultado deste processo conjunto de transformações econômicas e demográficas.

A mudança na estrutura etária provocada pela transição demográfica (menor fecundidade e maior esperança de vida) constitui uma verdadeira janela de oportunidade para a superação das condições de vulnerabilidade social no continente. Maior número de adultos trabalhando (ou aposentados e cobertos pelo sistema de proteção social) contribui para o crescimento da “classe média”, pois ocorre um aumento da renda familiar total em um contexto de redução do número de dependentes na família. No Brasil, os dados do IBGE mostram que o tamanho médio das famílias nas unidades domiciliares caiu de 5 pessoas em 1970 para 3,3 pessoas em 2008. O gráfico 2 mostra que a razão de dependência de crianças (de 0 a 14 anos) na América Latina e Caribe caiu pela metade, passando de 80 para 40 crianças entre 1970 e 2010. Portanto, as condições demográficas tem sido favoráveis ao crescimento econômico e à mobilidade social ascendente.

Porém, a América Latina ainda é a região com maiores desigualdades sociais do mundo e possui um terço da sua população em condições de vulnerabilidade. Para que a região possa continuar crescendo economicamente e reduzindo a pobreza precisa colocar como meta a obtenção do pleno emprego e a criação de trabalhos decentes, especialmente para os jovens e as mulheres, que são os mais afetados pelo desemprego e o sub-desemprego. Também precisa avançar na sustentabilidade ambiental, pois o crescimento a qualquer custo pode trazer danos futuros irreversíveis à natureza.

A crise econômica de 2009 provocou uma forte queda na renda per capita na América Latina e Caribe. Felizmente, as políticas de proteção social implementadas nos últimos anos na região serviram de “colchões amortecedores” e o impacto da recessão sobre a pobreza não foi tão forte, como na década de 1980. As previsões apontam para uma recuperação positiva a partir do ano de 2010. As atuais perspectivas são boas no sentido de retomada da economia.

Porém, este texto não analisou os problemas ambientais provocados por este crescimento econômico e nem avaliou as alternativas econômicas que poderiam ter sido adotadas no sentido de mudar o padrão de produção e consumo. Mas para finalizar é preciso fazer um registro: um possível círculo virtuoso de longo prazo na América Latina para as próximas décadas precisa combinar crescimento econômico sustentado, com desenvolvimento humano e sustentabilidade ambiental e só será viável na perspectiva de uma economia de baixo carbono.

Referência:

CEPAL/CELADE. Informe de América Latina sobre los progresos y las perspectivas de la implementación del Programa de Acción de la Conferencia Internacional sobre la Población y el Desarrollo 1994-2009, Versión preliminar, Santiago, octubre de 2009. Disponible em:
http://www.eclac.org/celade/agenda/5/37065/Inf_preliminarCIPD+15AL.pdf

José Eustáquio Diniz Alves, colaborador e articulista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 01/03/2010

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