Brasil deve investir em eletricidade verde, artigo de Luiz Vicente Gentil
[EcoDebate] As energias fósseis da matriz brasileira estão com os seus dias contados, sejam elas gás natural, carvão mineral ou derivados do petróleo. Os preços instáveis e elevados, a condição poluente aliada aos altos níveis de dióxido de carbono e nitrogênio na atmosfera indicam isto. São grandes os reclamos da sociedade por energia mais limpa, de menor preço e que traga renda ou emprego para os brasileiros. Neste sentido, a biomassa já participa ativamente da matriz nacional, como no caso da cana e madeira, que já respondem por 28,7% da matriz primária.
No caso das fontes de energia secundária do Brasil, a eletricidade representa 23,9% de toda a matriz, sendo que 80% desta eletricidade vêm das represas que geram energia limpa. Podemos nos orgulhar disto ao saber que é o maior índice de energia limpa do mundo, seguido pela Finlândia com 25%.
A eletricidade no Brasil vem de duas grandes fontes: hidrelétricas e termelétricas – essas últimas queimam petróleo, gás natural, carvão mineral ou biomassa. O potencial de gerar eletricidade com biomassa é muito grande no Brasil, devido ao baixo custo, menores investimentos, reduzida tecnologia necessária, combustível ecológico e geração de desenvolvimento regional. As biomassas que estão sendo queimadas nestas termelétricas são madeira e seus resíduos, bagaço de cana-de-açúcar, licor negro nas indústrias de papel e celulose, ou então a mais recente geração elétrica, que são as florestas energéticas de eucalipto.
Alguns números mostram a grandiosidade do potencial bruto de energia da biomassa sem considerar a eficiência termomecânica dos diversos equipamentos, como por exemplo, a disponibilidade de 21 milhões de toneladas de resíduos madeireiros de serrarias, de móveis e de outras indústrias do setor. No caso da cana-de-açúcar, são 155 milhões de toneladas de bagaço da safra de 2009, assim como outros 260 milhões de toneladas de ponta e palha da cana, estas últimas ainda sem aproveitamento energético.
O resultado destas duas fontes biomássicas, no valor de 82,1 milhões de tep, (toneladas equivalentes de petróleo), vale 33% da Matriz Energética do Brasil de 2008, que chegou a 252 milhões de tep. Isto sem contar outros biocombustíveis não aproveitados no Brasil, como restos da produção agrícola, da construção civil, poda urbana, restos florestais, pallets, caixaria, água-pé, restos de castanhas e cocos de todos os tipos.
Neste contexto, deve-se registrar exemplos bem sucedidos da geração elétrica com restos florestais de Pinus em Santa Catarina, onde termelétricas estão vendendo eletricidade verde para o Governo Federal nos seus leilões, por meio de usinas de 30 MW e queimando 30 mil toneladas/mês de restos de florestas colhidas. O que era jogado no lixo se transforma em eletricidade e vapor vendido para a rede oficial ou indústrias particulares da região catarinense. Essas usinas têm sofisticado sistema de limpeza das emissões da queima, consideradas zero poluente e um exemplo a ser seguido para cogeração de eletricidade verde.
Toda esta biomassa inaproveitada dos 6,6 milhões de hectares plantados com pinus, eucalipto e outras essências poderia ser aproveitada para cogerar eletricidade verde. Desde que concentrada em áreas com economicidade de logística, queimada em modernas e eficientes termelétricas para gerar eletricidade e vapor, com baixo custo operacional, limpando estes resíduos geradores de gás estufa, gerando emprego, renda e criando novos pólos de desenvolvimento regional.
Cabe lembrar que o Brasil tem a segunda área florestal do planeta, 11,2% do território, depois da Rússia, com 20%. Como exemplo de competitividade do Brasil e do esforço por eletricidade em outros países, registra-se que a gelada Finlândia gera eletricidade com turfa, um resíduo úmido, de baixa qualidade e elevado teor de cinza.
Algumas bem sucedidas termelétricas biomássicas em operação no Brasil, sejam a resíduos florestais, madeireiros ou a bagaço de cana, usam a moderna tecnologia de waste-to-energy com caldeiras de maior pressão de 65 bar e até de 90 bar, maior eficiência termelétrica na faixa de até 60%, menor custo de produção, menor demanda de combustível e vendida às concessionárias pelos leilões federais com destino ao mercado consumidor.
Este sistema biomássico de maior tecnologia tem sido a grande diferença e já estão substituindo termelétricas movidas a óleo combustível ou gás, principalmente por venderem energia a um preço abaixo do mercado e no valor de R$ 140/MW, além de gerarem vapor para pequenas e médias indústrias locais.
Nos últimos anos o aproveitamento da biomassa na geração de eletricidade tem apresentado taxas de crescimento acima da geração total. No entanto, diante do potencial existente e das áreas disponíveis para expansão, seria recomendável que as políticas públicas fossem ainda mais agressivas no seu aproveitamento. No caso específico da cogeração com florestas energéticas, resíduos madeireiros e bagaço de cana-de-açúcar, há de se destacar a sinergia com o regime hidrológico do Brasil. A maior parte do corte da cana-de-açúcar ocorre entre maio a outubro na Região Sudeste (maior produtora) meses de maior estiagem na Região Norte (maior potencial hidráulico).
Sendo a biomassa renovável a cada ano e de carbono neutro, é desejável a sua crescente participação na matriz energética brasileira. Para tanto, algumas políticas públicas podem ser citadas, aproveitando estudos feitos pela Universidade de Brasília em 2008/2010:
1. Incentivar a criação de novas usinas de iniciativa privada, de cogeração elétrica verde nos centros florestais de madeira plantada, próximos às cidades-serrarias e pólos moveleiros, ricos em matéria-prima a baixo preço
2. Aprimorar o aparato legal para proporcionar maior oferta ao mercado da eletricidade verde proveniente das usinas sucro-alcooleiras
3. Criar mecanismos que possibilitem às grandes reflorestadoras investirem em cogeração, pois estas empresas com os seus 6,6 milhões de hectares plantados, produzem por ano cerca de 1 milhão de toneladas de resíduos florestais. Além de dominarem a tecnologia de cogeração verde
4. Transformação parcial dos centros carvoeiros em usinas de cogeração elétrica usando estes retalhos madeireiros antes queimados
5. Formar cooperativas entre as serrarias de madeira nativa
6. Dar incentivos para construir indústrias em cogeração usando resíduos que hoje são lançados ao meio
ambiente.
Luiz Vicente Gentil é doutor em Ciências Florestais, mestre em Engenharia Agrícola pela Universidade de São Paulo (USP), engenheiro agrônomo pela Unversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor adjunto da Faculdade de Agronomia da Universidade de Brasília.
Artigo socializado pela UnB Agência e publicado pelo EcoDebate, 01/03/2010
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