MPF/PB aciona União e estado para proteger comunidade tradicional de Aritingui, em Rio Tinto (PB)
O Ministério Público Federal na Paraíba (MPF/PB) propôs ação civil pública com pedido de liminar contra a União e o estado da Paraíba para garantir a sobrevivência da comunidade tradicional de Aritingui, em Rio Tinto (PB), a 50 km da capital.
Na ação, assinada pelo procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Duciran Van Marsen Farena, o MPF/PB pede que a Justiça determine à União que programe ação emergencial com distribuição de cestas básicas para garantir a segurança alimentar e a permanência da comunidade no interior da área de preservação ambiental em que se encontra há mais de cem anos.
Além da ação emergencial, também se pede que em 90 dias o governo federal elabore plano de desenvolvimento sustentável com políticas que atendam às necessidades da comunidade, como a inclusão de famílias nos programas assistenciais mantidos pelo governo, além da capacitação de seus integrantes e a criação de atividades produtivas compatíveis com os usos e costumes da comunidade e com a proteção ambiental da área.
Ainda de acordo com o pedido, a União e o estado terão que enviar à comunidade de Aritingui equipe multidisciplinar de profissionais de assistência social e saúde para fazer levantamento das condições de segurança alimentar, saúde, educação, emprego, renda e cadastrar as famílias em programas sociais como o Bolsa Família e Programa do Leite.
Também consta no pedido a inclusão, nos respectivos projetos de lei orçamentária de 2011, de verbas necessárias para execução do plano de desenvolvimento sustentável e ampliação do número de vagas em programas sociais para atendimento da comunidade.
Caso a Justiça conceda a liminar, em 90 dias a administração federal terá que identificar as terras da União que estão na posse de particulares, analisar a área pleiteada pela comunidade, instaurar imediato processo administrativo para retomada da área e destiná-la ao proveito da comunidade.
Situação de miséria – A comunidade tradicional de Aritingui é formada por famílias descendentes de indígenas e negros que vivem da agricultura de subsistência de modo familiar. Seus antepassados foram confinados à margem do mangue por força de pressões de atividades econômicas, como a cana de açúcar, sobre suas terras. Recentemente, viveiros de camarão avançaram sobre o mangue, ameaçando os moradores de expulsão.
A situação de miséria das famílias está registrada em diversos relatórios sociais realizados na área. As famílias vivem em precárias casas de taipa e não possuem nenhum tipo de renda, sobrevivendo apenas da agricultura de subsistência e pesca no mangue, com alimentação de baixa qualidade e crianças apresentando desnutrição.
Abandono do poder público – Diante desse cenário, verificado também em inúmeras visitas ao local, o Ministério Público Federal expediu diversas recomendações dirigidas à Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), Fundação Nacional da Saúde (Funasa) e ao governo estadual. Nenhuma das recomendações foi atendida.
Para o Ministério Público, a comunidade tradicional de Aritingui, por ser comunidade extrativista que vive da coleta de produtos do mangue e agricultura de subsistência, faz jus a tratamento diferenciado, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada como lei no ordenamento jurídico brasileiro.
O Decreto nº 6.040, de fevereiro de 2007 (institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais), em consonância com a Convenção 169 da OIT, define povos e comunidades tradicionais como sendo aqueles que “possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
No entanto, segundo revela o procurador Duciran Farena, a indiferença oficial quanto à sorte da comunidade tradicional de Aritingui tem sido a regra, a despeito das recomendações do Ministério Público. “As famílias de Aritingui nem sequer são tratadas de modo equitativo como os demais pobres. São discriminados, perseguidos, tidos como indesejáveis, obstáculos ao ‘desenvolvimento’ agrícola canavieiro e camaroneiro, e em consequência disso são abandonados por aqueles responsáveis pela execução das políticas públicas – como o Fome Zero, o Bolsa Família, e o Programa do Leite da Paraíba”, aponta.
Segundo a ação, no âmago da recusa da Seppir em reconhecer a comunidade tradicional está a não identificação desta comunidade como objeto de proteção da secretaria por não se tratar de quilombolas, mas de ribeirinhos, descendentes de negros e indígenas”.
O MPF também refuta a alegação de limitação de recursos orçamentários, feita pela Seppir, ao negar a entrega de cestas básicas, pelo fato de que o país doou recentemente 260 mil toneladas de alimentos a países pobres, como o Haiti e Angola. “Lamentavelmente, a expulsão de suas terras e a extinção de uma comunidade tradicional, atingindo simplesmente brasileiros e nordestinos, não é nenhuma catástrofe global, nenhuma guerra, nenhum terremoto, para atrair as atenções da geopolítica global do país das copas e olimpíadas”, afirma o procurador.
Disputa possessória – Desde 2005 tramita na Procuradoria da República na Paraíba procedimento administrativo para a proteção da comunidade que disputa na Justiça a posse do local em que vive contra a Destilaria Miriri, empresa produtora de camarões.
Em 2003 a Destilaria Miriri implantou, sem licenciamento ambiental, um viveiro de camarões na localidade vizinha de Tavares em Rio Tinto. Para ampliar seu empreendimento ilegal, a destilaria reivindicou áreas próximas, dentre as quais a ilha de Aritingui, de propriedade da União, onde vive a comunidade tradicional.
Após uma liminar para reintegração de posse, proposta na Justiça Estadual, a área foi ocupada e cercada pela vigilância armada da empresa e o acesso dos moradores à água foi impedido. Transferido o processo para a Justiça Federal, por iniciativa do MPF, a liminar foi revogada e a comunidade autorizada a permanecer no local. O processo ainda está pendente de julgamento definitivo (Ação Possessória nº 2005.82.00.009202-9).
Informe da Procuradoria da República na Paraíba, publicado pelo EcoDebate, 27/02/2010
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