Existe dinheiro para limpar a matriz energética do mundo? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A energia renovável (eólica, solar, biomassa, etc) conta com a simpatia da maioria da população. Toda pessoa de bom senso confia nas fontes de energia que não emitem CO2 e que são renováveis, limpas e infinitas (pelo menos enquanto existir o Planeta). Mas muitas pessoas dizem que estas energias são caras e que não há dinheiro que pague a gradativa substituição das fontes fósseis e a menor dependência do petróleo, do gás e do carvão (inclusive o carvão vegetal feito com a derrubada de matas nativas).
Cabem então duas perguntas: 1) a energia renovável é muito cara? 2) Existe dinheiro para investir na criação de uma matriz energética limpa?
Resposta à primeira pergunta: o custo de qualquer tipo de energia é alto, principalmente quando se está no início do processo de produção. Mas não tão caro que não valha a pena fazer a transição da economia de alto carbono para a de baixo carbono Com os ganhos de escala e a experiência adquirida os custos unitários tendem a diminuir. Vejamos somente dois exemplos.
Existe um projeto de producão de 100 GW de energia (equivalente a cerca de 8 usinas de Itaipu) por meio da Energia Solar Concentrada (CSP – Concentrated Solar Power) no deserto do Saara, no norte da África, ao custo de U$ 555,00 bilhões. O projeto pretende colocar múltiplas usinas CSP ao longo do deserto, ocupando uma área menor do que a do lago da represa de Assuã, no Egito (que gera somente 3 GW de energia) e transmitir a energia para o Oriente Médio e a Europa por meio de linhas de alta-voltagem. Instalada esta primeira parte do projeto, as ampliações ficariam por um custo muito menor. Uma vantagem adicional deste projeto é fornecer água para o norte da África e criar uma cobertura vegetal nos terrenos estéreis (que sirva para capturar CO2). O impressionante é que um retângulo ocupando um pequeno pedaço do deserto do Saara pode fornecer uma área suficiente para gerar energia elétrica para todo o mundo.
A capacidade eólica mundial instalada, em vigor no final de 2009, era de 158 GW o que significa uma produção anual de 340 TWh (Terrawatts hora) de eletricidade limpa, que por sua vez economizou a emissão de 204 milhões de toneladas de CO2 por ano. Somente no ano de 2009 (ano de recessão econômica mundial) a capacidade instalada de energia eólica no mundo foi de 37 GW (equivalente à quase 3 Itaipus). Ao longo dos últimos 20 anos, o custo da eletricidade gerada pelos ventos diminuiu mais de 80%. No início de 1980, quando os primeiros aero-geradores foram instalados, o custo de eletricidade era de 30 centavos de dólar por quilowatt-hora (kWh). Agora, as novas instalações de energia eólica podem gerar eletricidade por menos de 5 centavos de dólar o kWh, um preço que já é competitivo com as usinas termelétricas a gás ou carvão. Segundo David MacKay, os custos da energia eólica já são menores do que os da energia solar e estão ficando competitivos com as usinas de carvão.
Portanto, com investimentos na casa de um trilhão de dólares ao ano, o mundo poderia dar uma enorme arrancada na produção de energia solar e eólica. A partir de uma ampla base instalada, haveria ganhos de escala e o preço da energia por kWh se reduziria muito. Ao contrário, se nada for feito, o custo do aquecimento global será enorme. Segundo Eban Goodestein, o custo do derretimento das geleiras no Ártico pode custar de US$ 2,4 trilhões a 24 trilhões de dólares à agricultura global, aos imóveis e às seguradoras, causados pelo aumento do nível dos oceanos, enchentes e ondas de calor. Outro exemplo dos danos causados pela exploração da energia fóssil: o governo dos EUA pagou cerca de US$ 35 bilhões nos últimos 30 anos para cobrir as despesas médicas dos mineiros de carvão que sofrem da doença do “pulmão negro”. Assim, é melhor investir agora do que remediar no futuro.
Resposta à pergunta sobre a existência de recursos: o PIB mundial equivale a cerca de 60 trilhões de dólares produzidos a cada ano. Com uma pequena fração deste valor, aplicado anualmente, teríamos a limpeza da matriz energética em pouco tempo. Mas não precisamos lidar com cifras tão altas. Basta olhar para os gastos militares do mundo, de US$ 1,5 trilhão de dólares e o déficit público dos EUA, que no ano passado foi de US$ 1,6 trilhão. Para a próxima década, o orçamento encaminhado ao Congresso pelo presidente Barack Obama, estima despesas totais de US$ 45,8 trilhões e receitas totais de US$ 37,3 trilhões, entre 2011 e 2020. Assim, os EUA, na melhor das hipóteses, terão um déficit público acumulado de US$ 8,5 trilhões na década. Este dinheiro seria suficiente para mudar o quadro energético mundial.
O deficit público dos EUA está sendo financiado pelos países superavitários da comunidade internacional, inclusive o Brasil. Ou seja, grandes parcelas da população mundial estão sustentando os altos gastos militares e um alto padrão de consumo (em grande parte sujo e poluidor) do povo norte-americano, ao invés de investirem em fontes renováveis e limpas de energia. Portanto, o mundo está adiando a limpeza do Planeta e a construção de uma matriz energética confiável e inesgotável para, dentre outras coisas, financiar o déficit público dos Estados Unidos da América.
Conclusão: Se o mundo gastar entre US$ 1,5 ou 1,6 trilhões de dólares ao ano (o valor dos gastos militares mundiais ou do déficit público dos EUA em 2009) poderia ter, no mínimo, 50% das necessidades energéticas cobertas por energia limpa até 2030, reduzindo drasticamente a emissão de CO2 e mitigando o aquecimento global. Portanto, existe dinheiro para construir uma matriz energética verde e limpa no mundo durante as proximas décadas. Basta mudar as prioridades, reduzindo os gastos militares, e penalizar o consumo conspícuo e poluidor. O dinheiro poupado com a redução das atividades que estão destruindo o Planeta seria suficiente para implantar fontes limpas e renováveis de energia, que poderiam gerar empregos verdes, além de bens e serviços para aumentar a qualidade de vida da população mundial, em maior harmonia com a natureza.
Referências:
World’s Largest Solar Project Planned for Saharan Desert
Robert J. Samuelson. Who’ll Pay the Piper? Newsweek, 5/02/2010
David Mackay, Sustainable Energy – without the hot air
José Eustáquio Diniz Alves, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, é colaborador e articulista do Ecodebate. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br
EcoDebate, 26/02/2010
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