Quando a imprensa se torna negócio, no Brasil; Jornalista lança livro sobre a memória do jornalismo brasileiro
Nilo Sergio S. Gomes – Jornalista lança livro, Em busca da notícia. Memórias do Jornal do Brasil, 1901, sobre a memória do jornalismo brasileiro
[EcoDebate] A memória e a história da imprensa brasileira ainda são um imenso campo de estudos e pesquisas a explorar, e os rastros e vestígios dessa imprensa permitem supor que suas trajetórias são certamente mais ricas e densas do que permite vislumbrar a sua historiografia, ainda tão matizada por nomes e datas que quase ocultam os processos mesmos nos quais essa imprensa se desenvolveu, chegando até nossos dias.
Embora tardia, face à repressão do período colonial em que a monarquia portuguesa aqui proibiu a indústria, a universidade e a produção de qualquer impresso, esta imprensa, contudo, foi sempre muito ativa e presente na vida política nacional, bem como nas províncias e localidades por onde, a partir da segunda década do século XIX, passou a se reproduzir com notável intensidade.
De Salvador da Bahia, onde aparece o segundo jornal impresso no país, o Idade d´Ouro do Brasil, (o primeiro é a Gazeta do Rio de Janeiro, publicada a partir de 1808 como órgão oficial da monarquia) a São Luís do Maranhão, onde o Argos da Lei desafiou a reação portuguesa à Independência, a imprensa e o jornalismo tem servido aos mais diferentes interesses políticos, difundindo desde a vida modorrenta das cortes européias aos ideais republicanos que, a partir de fins do XVIII, animaram e incitaram significativas parcelas da sociedade brasileira.
No processo político de luta pela Independência do Brasil, jornais como o Revérbero Constitucional Fluminense, de Gonçalves Ledo e Januário Barbosa, Correio do Rio de Janeiro, de João Soares Lisboa, Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, de Cipriano Barata, ou o Typhis Pernambucano, de Frei Caneca, tiveram papel relevante na propagação de idéias não somente de soberania, como também de afirmação da República do Brasil.
Ou seja, mesmo que tardia, a imprensa brasileira, desde os primórdios da nação, caminhou a passos largos e ligeiros em busca do seu espaço próprio na vida política, cultural e social do país, construindo identidades, questionando poderes instituídos pelo arbítrio, traçando e rabiscando na história e na memória nacionais trajetórias também de luta e resistência e não tão somente de afirmação de hegemonias. Moacyr Scliar, no saboroso texto em que tece a biografia de Oswaldo Cruz (Entre micróbios e barricadas), escreve que a imprensa, em geral, nasceu fazendo oposição. E no Brasil não foi diferente.
A imprensa como negócio
Mas uma questão que permanece em aberto e em disputa é a que trata da modernização da imprensa brasileira e de sua tradução ao mundo do capital, enquanto lugar de negócios, de lucros e de investimentos. Para alguns pesquisadores esta passagem ocorre tão somente em meados do século XX, quando efetivamente ocorre um impulso na produção e circulação de jornais, com a modernização de suas páginas e de sua linguagem.
Contudo, debruçando-se sobre as edições do Jornal do Brasil de 1901, isto é, na virada do Século das Luzes para o XX, é possível flagrar um jornal em transição, que vai deixando para trás velhas fórmulas que o caracterizaram no nascedouro, em 1891, enquanto folha monarquista, destinada a defender a restauração e a exercitar a crítica contumaz ao regime (ainda bem pouco) republicano. O Jornal do Brasil que entra o século XX é um jornal que já transita do arcaico para o moderno, com novos discursos, novas formas de expressão, portanto, novas linguagens. Mas não é só o discurso que transita; também a gestão e os objetivos de sua publicação vão se transformando em direção ao mundo dos negócios, aonde a busca de lucros e rentabilidades vai influir, à sua maneira, na definição das linhas editoriais que, também a seu modo, vão ditar os discursos da notícia, da informação e da publicidade, isto é, os anúncios – os “reclames”, como eram então denominados.
Mas não é só isto. Lendo as páginas do Jornal do Brasil de 1901, por exemplo, é possível também flagrar uma sociedade que, em vez de modorrenta e estável, estagnada, como tantas vezes supõem-se a partir de alguns tipos e gêneros de narrativas, é, pelo contrário, uma efervescente ebulição de processos políticos, culturais e sociais que marcam um Brasil que adentra a chamada era da modernidade não na vanguarda, é verdade, mas também não na rabeira do processo do desenvolvimento capitalista mundial.
O país que chega ao XX é, sim, uma jovem república, a última a ser proclamada na América do Sul, mas já com expressivos volumes de capitais irrigando sua economia, dando-lhe um porte e uma configuração pouco comparáveis perante as demais repúblicas sul-americanas, ainda às voltas com instabilidades políticas de toda ordem e sofrendo, de forma mais aguçada, do mesmo mal que irá caracterizar as burguesias nacionais da América do Sul: o de não terem projetos próprios, autóctones, soberanos e independentes das metrópoles e matizes européias.
É esse tipo de abordagem e de informação que o livro Em busca da notícia. Memórias do Jornal do Brasil, 1901 oferece a seus leitores. Publicado pela Editora Multifoco e de autoria deste articulista, o livro estará sendo lançado nesta quarta-feira (24/2), a partir das 19h, na própria sede da editora, na Avenida Mem de Sá, 126, na Lapa, reduto da boemia carioca que já é notícia também no início dos anos de 1900. O livro traz algumas imagens de capas do jornal da época e duas entrevistas com o professor Candido Mendes, neto e sobrinho-neto dos proprietários do Jornal do Brasil, na virada para o XX. Uma boa oportunidade para quem se interessa pela história e pela memória do país, mesmo que reconstituídas ou contadas a partir das páginas de um jornal que já atravessou dois séculos.
Nilo Sergio S. Gomes, Jornalista e Pesquisador, é colaborador, articulista e companheiro do EcoDebate na defesa da socialização da informação.
EcoDebate, 24/02/2010
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Parabéns pelo livro, Nilo, infelizmente não pude ir ao lançamento.