Os subsídios agrícolas agravam a fome, artigo de Alberto Tamer
...uma vaca na Suíça recebe US$ 3 de subsídio por dia, três vezes mais do que ganha em média um trabalhador rural africano - isso quando encontra emprego, o que é raro...
[O Estado de S.Paulo] A fome atinge 1 bilhão de pessoas, mas não há crise alimentar no mundo. No ano da grande fome nos países subdesenvolvidos, em 2008, a safra mundial de grãos foi a maior da história. Teria dado para alimentar o dobro da população mundial e ainda estocar. Houve reuniões de chefes de Estado, promessas sem fim, mas nada mudou. O desafio alimentar de 2008 foi provocado principalmente pela alta de 145% dos preços do grãos; em alguns casos, chegou a 300%. Isso foi provocado por anos sucessivos de exuberante crescimento econômico e falta de investimentos na agricultura. São fatos reconhecidos, mas não superados. Hoje, há séria ameaça que tudo se repita.
PROMESSA NÃO CUMPRIDA
O alerta foi feito na quinta-feira, em Roma, pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf. Ele foi corajoso: “Não vimos nem um centavo dos US$ 20 bilhões que os líderes mundiais prometeram durante a cúpula do G-8 em L”Aquila, na Itália.” E, acrescenta ele, os preços das commodities agrícolas estão voltando a aumentar.
Essa denúncia coincide com a chegada às livrarias do livro do correspondente do Estado em Genebra, Jamil Chade, “O mundo não é plano – a tragédia silenciosa de 1 milhão de famintos”, das editoras Virgília e Saraiva, com fotos de Juca Chaves. Um livro excepcional e valioso, que recomendo. Será lançado no dia 4, no Shopping Higienópolis, das 19h30 às 22 horas.
O autor mostra não só o drama dos países africanos, mas também que os subsídios agrícolas nos países ricos derrubam os preços e inviabilizam a agricultura dos mais pobres. Apresenta um cenário minucioso das negociações inúteis em Genebra, Bruxelas e Roma.
Chade viajou longamente com o diretor da FAO, participou de todas as reuniões da entidade, ouviu dezenas de embaixadores, ministros, economistas e, ao lado da descrição objetiva dos fatos, faz análises lúcidas com base num volume impressionante de dados. Viu a dura realidade e voltou a Genebra e Bruxelas para chocar-se com a fria reação dos que poderiam fazer alguma coisa, que tratam do drama da fome como um assunto qualquer. Fazem promessas que não são cumpridas. E convoca-se mais uma reunião.
Chade faz o contraponto entre a tragédia africana e o luxo dos hotéis em que esses encontros se realizam.
“A fome está provocando a morte de 6 milhões de crianças por ano, uma a cada cinco segundos, de acordo com a FAO. Mesmo assim, não é uma prioridade para os países desenvolvidos.”
A fome é um problema localizado, provoca mortes, mas não afeta a economia mundial, pois o aumento dos preços das commodities beneficia os países exportadores. Para o Programa Mundial de Alimentação, alimentar diariamente 75 milhões de pessoas custa apenas US$ 6 bilhões por ano, mas nem esse dinheiro a ONU consegue.
SUBSÍDIOS DEVASTADORES
Mas por que eles mesmos não produzem? Porque não têm recursos. Secas sucessivas estão transformando em deserto áreas que antes eram de plantio. Mas, acima e tudo, diz Jamil Chade, é porque, mesmo que produzissem mais, não poderiam concorrer com países que subsidiam generosamente produção e exportação. É o subsídio americano e europeu que agrava o drama africano e de alguns países asiáticos.
Eles poderiam plantar para comer, mas não têm sementes, fertilizantes. E o correspondente do Estado volta a Genebra e Bruxelas para “descobrir” que uma vaca na Suíça recebe US$ 3 de subsídio por dia, três vezes mais do que ganha em média um trabalhador rural africano – isso quando encontra emprego, o que é raro.
E O PETRÓLEO?
Sim, tem o petróleo. Mas ele é exportado, sai sem deixar riqueza. A China lidera o avanço para o seu “safári” na Nigéria, ironiza Chade. “A invasão dos chineses deixa atônito sobretudo os governos de outros países, além do próprio povo nigeriano. Dos quase 3 milhões de barris que a China importa diariamente, 1 milhão é da África, principalmente da Nigéria, de Angola e do Sudão, com os quais firmaram acordo para extrair e importar mais. A Nigéria produz 2,6 milhões de barris por dia, mas pode chegar a 4 milhões neste ano com os investimentos estrangeiros.”
Vai tudo embora. A China apoia qualquer governo, quanto mais corrupto, melhor, e, quando se fala de violação de direitos humanos, diz que “é assunto interno”. Ela já pôs em órbita um satélite de comunicação “nigeriano” ao custo de US$ 300 milhões, para melhorar a comunicação com o país, mas principalmente para obter informações sobre o Golfo da Guiné, rico em petróleo.
CONCLUSÃO ASSUSTADORA
O que deixa são migalhas reluzentes, painéis gigantescos mostrando ao pobre nigeriano o que a China faz por eles. Algumas estradas, recuperando hospitais decrépitos, escolas aqui e ali, migalhas, comparadas com a riqueza que levam. A riqueza do petróleo está onde é refinado e consumido, na construção de indústrias, de polos petroquímicos, não onde só se extrai. Está na China, não na Nigéria. E isso num país politicamente tumultuado, onde persiste a tragédia de Biafra, onde 1 milhão de pessoas que queriam comida e liberdade foram massacradas.
“A conclusão assustadora é que a humanidade ainda está lutando contra um inimigo conhecido há séculos e já se sabe como derrota-lo. Mas esse não é um assunto prioritário.”
*Alberto Tamer, jornalista, editorialista e colunista econômico do jornal o Estado de S.Paulo. E mail: at@attglobal.net
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 23/02/2010
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