Conjuntura da Semana Especial. Belo Monte: Uma obra emblemática
A análise da conjuntura da semana dedica-se à análise do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu (PA). A análise toma como referência as ‘Notícias do Dia’ e as ‘Entrevista do Dia’ publicadas no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Sumário:
Belo Monte. Uma obra emblemática
* Um debate sobre o Brasil que queremos
* Resistência. Xingu Vivo para Sempre
* Um bispo. Uma luta
* Uma ‘obra autoritária’
* Belo Monte é indispensável?
* Belo Monte e o princípio da ecologia da ação
* Belo Monte é um erro!
* Frases sobre Belo Monte
Eis a análise.
Belo Monte. Uma obra emblemática
“O debate sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte é, antes de tudo, um debate sobre o Brasil que queremos” – Cândido Grzybowski.
A concessão da Licença Prévia (LP) para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte no rio Xingu (PA) reacendeu o debate sobre a real necessidade da obra. Considerada a maior e mais cara obra de infraestrutura já realizada no país desde Itaipu, Belo Monte é o terceiro maior empreendimento hidrelétrico do planeta, atrás apenas do projeto chinês de Três Gargantas e da própria Itaipu.
O governo afirma que a hidrelétrica é absolutamente indispensável para suprir a crescente demanda por energia; já na análise do movimento social, de ambientalistas e especialistas, Belo Monte configura-se como um projeto economicamente perdulário, socialmente desastroso e ambientalmente devastador. Os movimentos acusam ainda que o empreendimento atende especialmente aos interesses do grande capital.
Belo Monte não se resume a uma obra, é muito mais do que isso. A polêmica que suscita diz respeito ao projeto de país. Embora nem sempre seja explícito, o debate em torno de Belo Monte opõe concepções e projetos e de sociedade. É uma obra emblemática porque revela visões de mundo.
Belo Monte foi projetada pela primeira vez pelos militares em 1975 no âmbito dos grandes projetos de ocupação da Amazônia. Em 1989, o projeto foi retomado com o nome de usina Kararaô, mas foi abortado pela resistência dos povos indígenas. Na época, um episódio marcou simbolicamente a suspensão do projeto. Durante um encontro realizado em Altamira entre os povos índígenas com a Eletronorte para discutir a barragem, a indígena kayapó Tuíra encostou a lâmina de um facão no rosto do então presidente da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes – hoje presidente da Eletrobrás –, num gesto de advertência contra o então projeto do governo de inundar 1,7 milhão de hectares com a construção de cinco barragens no Xingu. A foto correu mundo e a pressão internacional fez com que o Banco Mundial desistisse do empréstimo.
Tudo é superlativo na obra. Ninguém sabe ao certo o custo da obra. Orçada em R$ 20 bilhões pelo governo e R$ 30 bilhões por empresários, a previsão é que a construção da usina mobilize 100 mil pessoas, incluídos os 18,7 mil trabalhadores empregados nas obras, 23 mil nas atividades que orbitam o empreendimento e um contingente de 55 mil pessoas em busca do “novo Eldorado”. Para os críticos, a conta está subestimada e avaliam que a obra mobilizará o dobro, 200 mil pessoas. A obra prevê a construção de dois canais de até 35 km de comprimento e 500 m de largura – o volume de terra a ser retirado e o de concreto para forrá-los supera o do canal do Panamá.
A fauna, a flora e parte da natureza intocável e de rara beleza serão destruídas. Haverá comprometimento da navegabilidade, da pesca e da agricultura. Animais serão extintos e os modos de vida locais se perderão em definitivo; grandes áreas de bosques serão inundadas. Cem quilômetros do rio Xingu, um afluente do Amazonas – com largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos, florestas, canais naturais rochosos – se tornarão secos ou serão reduzidos a um filete de água.
Do ponto de vista ambiental, Belo Monte “repete erros que o país cometeu no passado, alagando áreas de floresta relevantes para construir megahidrelétricas. Itaipu afogou o Parque Nacional de Sete Quedas na década de 1970. Quarenta anos depois, Belo Monte vai provocar um desmatamento de 50 mil hectares em zona de mata, ainda razoavelmente conservada, em pleno coração da Amazônia”, afirma Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil.
Outra consequência imediata é o impacto junto às populações locais. Dezenas de municípios serão atingidos, territórios indígenas sofrerão consequências e milhares serão desalojados. Segundo Oswaldo Sevá, professor da Unicamp e pesquisador da área de hidrelétricas, “mais de vinte mil pessoas serão expulsas de suas moradias, a maioria delas nos bairros de Altamira, cidade que se tornará outra São Paulo, bem menor claro, mas cercada pelo seu próprio esgoto jogado nos vários igarapés que a cruzam antes de desaguar no Xingu, e com inundações cada vez mais calamitosas e putrefatas”. Segundo dom Erwin Krautler, uma das principais vozes de resistência à obra, “um terço da cidade de Altamira – de 100 mil habitantes – vai para o fundo do lago da usina”.
Para além dos argumentos dos crimes ambientais e do desastre social que provocará, Belo Monte é ainda contestada por sua suposta ineficiência. Segundo especialistas, a grande oscilação entre cheias e secas do rio Xingu vai transformar a hidrelétrica de Belo Monte numa imensa usina “vaga-lume”.
Francisco Hernandez, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, em entrevista especial ao IHU explica que “o rio Xingu tem uma dinâmica hidrológica que flutua muito durante o ano. Existem períodos em que a vazão é de 25 mil metros cúbicos por segundo, mas pode ir para 400 metros cúbicos por segundo. Existe a possibilidade real de que em algumas épocas do ano essa vazão essa diferença aumente ainda mais. Com isso, teríamos uma situação em que a casa de força principal não teria vazão suficiente para turbinar toda sua potência instalada”.
Há ainda a suspeição de que a obra privilegiará sobretudo os grandes grupos econômicos – da sua construção ao consumo da energia. Na ponta do processo, empreiteiras como Camargo Corrêa, Odebrecht e Andrade Gutierrez, seriam as grandes beneficiadas; já na outra ponta, com a usina em funcionamento, os beneficiados seriam as grandes empresas consumidoras de energia como Alcoa, Votorantim, Vale, Gerdau e CSN, entre outras.
Um debate sobre o Brasil que queremos
“São dois projetos em confronto: um a favor da Vida, outro a favor do negócio a qualquer preço” – Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira (PA).
A intensa polêmica que Belo Monte provoca exige que a mesma seja interpretada para além do maniqueísmo. Há aqueles que estão absolutamente convencidos da sua necessidade e legitimidade; outros, entretanto, a consideram um erro injustificável. Belo Monte é uma obra emblemática exatamente porque revela concepções de mundo diferentes. Como afirma Cândido Grzybowski, “o debate sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte é, antes de tudo, um debate sobre o Brasil que queremos”.
A interpretação de Belo Monte precisa ser inserida no contexto da crise energética e da crise ecológica. Uma leitura de Belo Monte a partir dessas duas crises auxilia na compreensão da polêmica que encerra, entretanto, a obra precisa ser também interpretada no contexto da reorganização do capitalismo brasileiro encetada pelo governo Lula.
Belo Monte inscreve-se no contexto da retomada do modelo desenvolvimentista – política econômica na qual o Estado exerce um forte papel indutor na perspectiva do crescimento econômico.
O modelo neo-desenvolvimentista do governo atual – Lula reedita o desenvolvimentismo com características distintas do período anterior, por isso fala-se em neo (novo) – caracteriza-se por duas vertentes: Por um lado, utilizando-se do seu banco estatal, o BNDES, e dos fundos de pensão atrelados às estatais, exerce o papel de financiador do crescimento econômico fortalecendo grupos privados em setores estratégicos. Por outro lado, utilizando o Estado, alavanca mega-obras de infra-estrutura induzindo o crescimento econômico.
O neo-desenvolvimentismo em curso assemelha-se ao período JK – referência a Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil entre 1956 e 1961 –, ou seja, o Estado presta-se antes de tudo ao fortalecimento do capital privado. Com o governo JK se deu a formação do tripé Estado, empresas estrangeiras e empresas nacionais. O papel do Estado é o de responder às demandas de infraestrutura, de energia e logística para atender aos interesses do capital privado nacional e transnacional. Foi o que procurou realizar JK e é o que se propõe o atual modelo econômico através do Programa de Aceleração da Economia (PAC).
Os grandes projetos em curso na sociedade brasileira, entre eles Belo Monte, são compreensíveis a partir da concepção neo-desenvolvimentista que se aplica no país. Lula, a sua equipe econômica, os seus assessores e estrategistas, o Partido dos Trabalhadores em seu conjunto, grande parte do movimento sindical e parcela significativa da esquerda estão absolutamente convencidos de que Belo Monte é indispensável para o crescimento econômico do país.
A equação é simples, o circulo virtuoso: produção–consumo–emprego não pode parar. A obra se faz ainda mais necessária e se justifica num contexto de crise energética. A civilização moderna produtivista-consumista é insaciável por energia. O mundo necessita sempre mais de petróleo, carvão, gás, eletricidade, energia nuclear e biocombustível. Belo Monte é indispensável porque segundo seus defensores o Brasil pode parar se não produzir mais e mais energia – o “apagão” é sempre o argumento utilizado para justificar a pressa em colocar a usina em funcionamento.
Na euforia do discurso do crescimento, de que o Brasil finalmente vai concretizando a sua vocação de potência, Belo Monte não pode ser mais adiada. Essa concepção inscreve-se na crença do modelo do crescimento econômico como a varinha de condão para a resolução de todos os problemas, mesmo que sejam necessários alguns sacrifícios. Note-se que seria um exagero creditar aos que defendem Belo Monte total insensibilidade aos danos ambientais que a obra produzirá. Pelo contrário, trata-se de dirigentes esclarecidos que tem consciência da importância do meio ambiente e inclusive o defendem com frequência.
Infelizmente, o crescimento econômico exige que sacrifícios sejam realizados e a devastação de determinado ecossistema, a ameaça a povos indígenas e ribeirinhos são consequência desse processo e o preço a ser pago. Assim funciona a “roda da economia”, pensam os que defendem Belo Monte. Defendem a obra por que estão convencidos de que é o melhor para o país. Trata-se de uma concepção de sociedade e de mundo. Uma concepção legítima quanto às finalidades apregoadas, porém superada porque permanece presa à sociedade industrial. Voltaremos a esse tema.
O atropelamento dos procedimentos exigidos para a construção de obra de tal porte e complexidade “justifica-se” pelo discurso da urgência – o país ficará no “escuro” se não der celeridade à construção das hidrelétricas. O licenciamento às pressas para a construção da usina concedido pelo Ibama, subordinado ao Ministério do meio ambiente, trouxe à tona uma enxurrada de críticas.
Segundo Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil, “é Lula, e não a lei, quem agora define seus prazos. Qualquer resistência é recebida pelo presidente e seus ministros com uma ironia burra acerca da complexidade do trabalho dos técnicos. O argumento central é que a conservação da natureza atravanca o desenvolvimento”, diz ele. Segundo Marcelo Furtado, “o processo de liberação da obra mostra também como o licenciamento ambiental no Brasil andou para trás. Danem-se as necessidades técnicas e científicas do pessoal do Ibama que analisa os impactos de grandes obras no Brasil. Os recentes governos brasileiros fizeram muito para desacreditar o trabalho que envolve o licenciamento de grandes obras”.
Outro procedimento que foi atropelado foi a realização das audiências públicas. Nas poucas audiências públicas realizadas, as vozes contrárias à obra pouco foram ouvidas. Quem participou das audiências teve a impressão de que os eventos foram feitos apenas para cumprimento de um protocolo necessário ao licenciamento ambiental da hidrelétrica e não para seguir com sua finalidade: abrir um espaço de diálogo entre a população e o governo para se chegar a um consenso.
O que se viu nas audiências públicas realizadas nas cidades de Brasil Novo, Vitória do Xingu e Altamira foi uma mostra da determinação do governo em garantir a realização do leilão da usina. A Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG denunciou que “para fazer aprovar o projeto, o governo passou por cima de uma série de exigências: seriam necessárias 27 audiências públicas, foram feitas apenas 4 e, mesmo assim, os principais interessados, os indígenas, ou não tiveram acesso ou tiveram seu acesso dificultado”, destaca a articulação de Ongs.
Resistência – Xingu Vivo para Sempre
“Para construir a barragem terão que passar por cima de nós” – Luís Xipaia, líder kaiapó.
As vozes da resistência ao projeto são inúmeras, entre elas se destacam a dos povos indígenas, ribeirinhos, moradores dos municípios atingidos, movimentos sociais – particularmente o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) – e grande número de estudiosos e especialistas da área energética.
Grande parte da resistência se articula em torno do Movimento Xingu Vivo para Sempre. Sobressaem nessa luta os povos indígenas. Em encontro realizado em novembro de 2009, 284 indígenas de 15 diferentes etnias, disseram não à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Os povos indígenas ameaçam o governo federal com um “rio de sangue” se não for interrompido o projeto de construção.
O texto final do encontro afirma que caso o projeto de Belo Monte seja implementado haverá guerra com mortes entre brancos e índios. Compromisso reafirmado em Carta à Presidência da República: “caso o governo decida iniciar as obras de construção de Belo Monte, alertamos que haverá uma ação guerreira por parte dos povos indígenas do Xingu. A vida dos operários e indígenas estará em risco e o governo brasileiro será responsabilizado”.
A última ameaça vem dos povos kaiapó ao afirmarem que ocuparão a área conhecida como Volta Grande do Xingu, uma grande curva do rio, que será cortada por uma barragem, segundo o projeto de construção da hidrelétrica. “A gente não entende bem essas questões de justiça. O que nós entendemos é que não vamos mais sentar na mesa para discutir Belo Monte. Para nós, tanto faz se o governo disse que liberou a licença-prévia ou não, se vai ter leilão. Isso não nos interessa. A única solução para nós é nos manifestarmos de forma diferente”, afirmou Luís Xipaia, líder kaiapó. A ideia, segundo ele, é que Volta Grande do Xingu se torne uma grande aldeia com várias etnias, o que praticamente inviabilizaria os planos de se construir uma hidrelétrica naquela que é considerada uma das mais ricas áreas de biodiversidade do planeta. “Para construir a barragem terão que passar por cima de nós”, alertou Luís Xipaia.
Sobre o protagonismo dos povos indígenas na luta contra Belo Monte, Dom Erwin Kräutler, afirmou: “De uma coisa tenho certeza: os índios não vão desistir. Podem até ser derrotados para a vergonha do atual Governo, mas não desistirão nunca. Eles têm outros parâmetros para avaliar os projetos. Para eles, o rio é sagrado, e o sujeito da história é o povo, e não um projeto inventado por “brancos” que consideram a terra, a selva e o rio matéria-prima para fazer negócios. A palavra de ordem deste sistema capitalista neo-liberal é ‘nenhuma terra, nenhuma floresta, nenhum rio fora do mercado!’ enquanto os índios, da altura se sua sabedoria milenar, gritam: ‘Toda a terra, a selva e o rio a favor da Vida e da Paz’. São dois projetos em confronto: um a favor da Vida, outro a favor do negócio a qualquer preço”.
Um bispo. Uma luta
“Sou contra e vou continuar lutando” – Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira (PA).
Entre as forças de resistência ao projeto está a Igreja, e dentro dela destaca-se a figura de Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira, município situado em plena selva amazônica do Pará.
Dom Erwin acusa o projeto de Belo Monte de “projeto faraônico e gerador de morte”. Em entrevista especial ao IHU dom Erwin afirma que a construção da usina desperta o interesse de grandes investidores e opõe duas concepções diferentes de país: “Por parte da Eletronorte, ninguém tem coragem de informar a respeito dos prejuízos e desvantagens que essa construção vai trazer. Só se fala em salvação do oeste do Pará através dessa hidrelétrica porque temos uma visão do desenvolvimento economicista. Assim, Altamira será inundada por dinheiro, o que para muitos é um progresso. No ambiente, os povos indígenas serão os prejudicados. Para quem vai construir e lucrar com essa hidrelétrica, tal fato não interessa, porque se olha apenas para essa geração que está vivendo agora, sem uma preocupação com a geração que vem depois”.
“Só os índios, hoje, se preocupam com o seu futuro. Eles perguntam: o que será dos nossos filhos? O branco parece que está olhando só o presente e faz de conta que depois de nossa geração virá o dilúvio. Isso é um absurdo”, afirma dom Erwin Kräutler em outra entrevista concedida ao IHU.
Foi o bispo do Xingu quem conseguiu uma audiência com o presidente Lula para que o movimento social manifestasse as razões de sua oposição ao projeto. Audiência relatada em detalhes ao IHU por Célio Bermann professor no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, convidado pelo bispo. Foi nessa audiência que Lula prometeu a dom Erwin Kräutler que a usina não seria imposta goela abaixo. “O presidente Lula garantiu ao pessoal ali presente que Belo Monte só sai após ampla discussão e se for viável. E prometeu ao bispo do Xingu que esta não foi a última reunião e que o diálogo e o debate continuarão. O melhor que se pode falar do encontro, segundo os presentes, é que, ao ouvir os nossos motivos, o presidente afirmou que ‘jamais empurrará o projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte goela abaixo das comunidades envolvidas’”, relatou Célio Bermann na entrevista ao IHU On-Line sobre a reunião com presidente da República.
A decisão da licença para Belo Monte desapontou o bispo, mas não o surpreendeu. Dom Erwin foi convidado para uma reunião com Ibama após a concessão da licença e acusou o governo de “rolo compressor”. “Essa é a tática do fato consumado e do rolo compressor. Numa democracia, não deveria estar acontecendo isso. Tem muito autoritarismo por trás disso. Nós temos argumentos e esses são desconsiderados, e o rolo compressor passa por cima. É claro que um encontro como esse, depois do fato consumado, a gente pergunta qual será ainda a utilidade pública”, disse ele e reafirmou a sua convicção: “Estou convicto de que essa hidrelétrica como foi planejada não será um bem para a própria nação. Eu não sou contra por ser contra, mas nós temos todos os estudos, nós temos o pessoal de universidade que advertiu”.
Na oportunidade, dom Erwin foi categórico acerca de Belo Monte, mesmo com as 40 condicionantes: “Sou contra e vou continuar lutando”, disse ele. Dom Erwin adverte ainda que o povo da região se levantará contra a obra. Segundo ele, “esse povo vai chorar, vai gritar, vai se levantar”.
A luta persistente contra Belo Monte, a defesa dos povos indígenas, ribeirinhos, populações pobres das periferias e as denúncias constantes contra madeireiras, mineradoras, empreiteiras e agora Belo Monte, já lhe valeram ameaças de morte. “Isso [ameaça de morte] acontece, no meu caso, há bastante tempo, mas se fortaleceu em 2006. A primeira razão é sempre a minha defesa do meio ambiente e dos povos indígenas da Amazônia, especialmente no Xingu, e isso contraria interesses de governança. Especial, nesse caso, é o meu posicionamento contra a hidrelétrica Belo Monte projetada para o Xingu”, disse ele em entrevista para o IHU.
Uma ‘obra autoritária’
“Belo Monte um retorno às práticas da ditadura” – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG.
A forte resistência ao projeto de Belo Monte protelou o calendário do governo que gostaria que a obra já estivesse em andamento e exigiu que o Ibama estabelecesse uma série de condicionantes – num total de 40 – ao liberar a denominada Licença Prévia (LP) para a construção da obra. Teoricamente, a Licença de Instalação (LI) que autoriza o início das obras seria concedida apenas após o anúncio de medidas concretas para o cumprimento das condicionantes.
O jornalista Washington Novaes, alerta entretanto, que o Ibama ao conceder licença prévia (como agora em Belo Monte) para a transposição do Rio S.Francisco exigiu 30 condicionantes que não foram cumpridas, mas mesmo assim as obras tiveram licença de instalação e foram iniciadas. “As condicionantes exigidas agora para iniciar a obra de Belo Monte vão ‘pegar’? A julgar pela experiência, tudo indica que não”, afirma Novaes.
As 40 condicionantes listadas pelo Ibama são objeto de exaustiva análise de Oswaldo Sevá, professor da Unicamp e pesquisador da área de hidrelétricas. Em sua análise, o pesquisador aponta uma série de contradições e destaca em entrevista especial para o IHU que as “as condicionantes não consertam o erro básico que é o erro de engenharia”. Sevá faz pesadas acusações ao presidente do Ibama, Messias Franco, que classifica como “homem de confiança dos grandes poluidores de Minas Gerais, onde fez sua ‘brilhante’ carreira de ambientalista” e, sobretudo ao ministro do Meio Ambiente Carlos Minc. O professor da Unicamp insinua que Minc estaria trabalhando a favor dos grandes grupos interessados na obra.
Afirma Sevá: “Não sabemos se o Messias Franco, do Ibama, também pretenderia concorrer a cargos eletivos e precisaria de fundos para a campanha, mas o ministro Minc certamente sim, pois vai se desincompatibilizar ainda este mês. Para mim e todos os que ajudaram o projeto de Belo Monte a morrer duas vezes e ainda batalhamos para que o rio Xingu e seus moradores sejam salvos da destruição e da pobreza, e para que o dinheiro público seja salvo da maior expropriação já inventada – esse deputado dos coletes coloridos não merece em 2010 ser eleito nem síndico de prédio no Rio de Janeiro”.
Em entrevista ao IHU nessa semana, Sevá é ainda mais claro: “O Ministro Carlos Minc eu também já tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Os últimos anos de atuação dele no Rio de Janeiro como Secretário Estadual do Meio Ambiente comprovam que ele está a serviço desses grandes interesses, porque ele foi capaz de aprovar dois grandes empreendimentos nas imediações da região metropolitana do Rio de Janeiro que vão fazer com que, no futuro, o estado esteja cercado, pelo lado leste, por um dos maiores complexos petroquímicos do mundo, que está em construção, e do lado oeste por uma das maiores siderúrgicas do mundo que está quase pronta e vai começar a funcionar no ano que vem. A petroquímica, durante seu funcionamento, vai contaminar dois pequenos rios que são os únicos que chegam atualmente limpos no fundo da baía de Guanabara e vai comprometê-la de forma que ela nunca mais vai conseguir ser saneada”.
A indignação com o “rolo compressor” do governo e a falta e transparência é grande. A liberação da licença ambiental da hidrelétrica deixou ambientalistas, técnicos e críticos perplexos com a rapidez com que a análise dos estudos de impacto ambiental tramitou no Ibama e apontam falta de transparência no processo.
Rodolfo Salm, professor da Universidade Federal do Pará, soma-se à crítica da falta de transparência e também faz pesadas críticas ao ministro: “Acho o Minc uma figura desprezível. Um fantoche, colocado na posição de ministro com a tarefa pré-determinada de conceder o licenciamento de Belo Monte. A conclusão é inevitável diante da sua atitude covarde de sequer dar as caras nos debates em que estamos tentando fazer sobre esta barragem de proporções catastróficas. Já está pré-determinado que ele concederá a licença de Belo Monte”, disse ele.
Em outro artigo, Rodolfo Salm, afirma: “Como ele pode dizer que o licenciamento foi pedagógico? Se nem teve coragem de aparecer na audiência pública de Altamira, onde, segundo os ribeirinhos, as comunidades indígenas e o Ministério Público não houve qualquer condição de diálogo e consulta de fato dos afetados pelo projeto. E a população da cidade como um todo, que se esgoelou em gritos de protesto contra a barragem, diante de técnicos, políticos e burocratas defendidos por forte esquema de segurança? Só se for a pedagogia da tropa de choque e da intimidação. Sobre os outros pontos, que ‘teriam sido solucionados ao longo do processo’, trata-se de mentira pura e simples (aqui teríamos a pedagogia da enganação). Não o foram e não é preciso ir muito longe para provar isso”.
Ambientalistas, especialistas e lideranças do movimento social definem Belo Monte como uma “obra autoritária”. A Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG, destaca que com Belo Monte trata-se, na verdade, de “um retorno às práticas da ditadura: foi assim que os militares construíram suas grandes obras, seus grandes projetos (inundação das Cataratas de Sete Quedas, a construção das barragens de Tucuruí e tantas outras, a Transamazônica, a usina nuclear de Angra dos Reis, o ‘Brasil Potência’, o ‘Brasil, ame-o ou deixe-o’…)”.
O professor da Universidade Federal do Pará, Rodolfo Salm, é um dos que relaciona Belo Monte com a ditadura militar. Segundo ele,“a democracia chegou às grandes cidades onde se fala e se escreve o que quiser sem problemas. Mas nós, do Xingu, ainda vivemos o período totalitário, já que quando se resolve transformar completamente toda esta região com a construção dessa hidrelétrica, são realizadas audiências públicas por aqui, como manda a constituição, mas elas são totalmente ignoradas. Independente de tudo o que falamos, estão tentando empurrar esta obra maldita garganta abaixo, contrariando a promessa feita pelo presidente Lula aos movimentos sociais”.
O autoritarismo manifesta-se ainda no recado da Advocacia-Geral da União (AGU) que ameaçou processar membros do Ministério Público que “abusarem de suas prerrogativas para impedir a construção da Hidrelétrica de Belo Monte”. O recado foi dado com o aval de Lula, que nunca escondeu a sua irritação com a ação de procuradores que barram obras do PAC, quase sempre em contestação ao Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente ( EIA/Rima).
O ministro Carlos Minc saiu em defesa da Advocacia-Geral da União (AGU) ao afirmar que procuradores constrangem o Ibama. Segundo ele, nenhum técnico “quer assinar coisa nenhuma” temendo ações do Ministério Público Federal. “O MP tem o dever de fiscalizar e acionar obras em desacordo com a lei. Diferente é um procurador ir, como pessoa física, em cima de um técnico, numa fase do processo que ele fez tudo direito, porque é contra uma obra”, disse o ministro.
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) do Pará, Ubiratan Cazetta, afirma que “a atuação da AGU foi intempestiva porque ela pressupõe uma agressão que não houve e tenta, de alguma forma, mudar o enfoque da questão”. Segundo ele, “entendemos que sobre uma obra desse porte, em um ano eleitoral, sendo a principal obra do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] haja pressões muito fortes sobre a Advocacia-Geral da União e ela tenha tentado mandar seus recados publicamente. Agora, é lamentável esse tipo de comportamento porque não havia nenhum tipo de posição manifestada pelo Ministério Público Federal sobre propositura de ação A, B ou C a não ser a já reconhecida e discutida posição do Ministério Público sobre falhas que nós já vínhamos apontando sobre o licenciamento”. Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará, afirma que “um Estado democrático não se constrói com base na coerção’”.
Belo Monte é indispensável?
“Belo Monte é uma obra do século passado, não agrega novas tecnologias, não embica o país para o futuro. É uma obra de cimento e aço, típica do século que passou” – Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil.
Já analisamos que para o governo a obra é absolutamente indispensável e mais do que isso, é urgente. O governo tem pressa. Entretanto, são muitos os que se posicionam contrários a Belo Monte e consideram a obra desnecessária. Os argumentos contrários destacam as consequências devastadoras que o empreendimento trará para a população local, para o meio-ambiente e que a mesma está a serviço de uma lógica que favorece grandes grupos econômicos.
Quanto ao argumento de que o país não pode adiar mais a ampliação de sua oferta de energia, os movimentos, especialistas e ambientalistas acreditam que há alternativas energéticas, porém pouca disposição de se apostar nelas por parte do governo.
Um estudo do Greenpeace realizado em 2007 com a assistência do Grupo de Energia da Universidade Politécnica da USP (GEPEA – USP) mostra que é possível atender à demanda de energia do país até 2050 com investimentos em geração que passem ao largo de tecnologias de grande impacto ambiental, como grandes hidrelétricas, usinas nucleares e termelétricas movidas a carvão ou óleo diesel. A ausência desses “dinossauros energéticos”, diz o estudo, seria suprida com a utilização de fontes de geração de energia renováveis modernas como eólica, biomassa e solar.
O cenário desse estudo aponta para uma produção de energia em 2050 em que a geração hidrelétrica responderia por 38% das necessidades do país. O restante viria de biomassa em suas diferentes formas de cogeração (cascas e bagaço, óleos vegetais e biogás), com 26% da geração total. A energia eólica entraria com 20% da geração e os painéis fotovoltaicos contribuiriam com 4%.
A matriz seria complementada com 12% de geração termelétrica a gás natural – que apesar de mais poluente do que qualquer geração renovável –, ainda representa uma redução de emissão em relação às termelétricas a carvão e óleo combustível, completamente eliminadas da matriz nesse estudo do Greenpeace, juntamente com os reatores nucleares, relata Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil
Nesse contexto, Marcelo Furtado afirma que “Belo Monte é uma resposta medíocre para o desafio de gerar energia para o país”. Segundo ele, “Belo Monte é símbolo de uma visão de desenvolvimento defasada. Ela não agrega novas tecnologias, não embica o país para o futuro. É uma obra de cimento e aço, típica do século que passou. Além de antiga, Belo Monte, ela vai operar com um alto nível de ineficiência. Longe dos principais mercados consumidores do país, a energia gerada em Belo Monte terá de ser enviada às regiões Sul e Sudeste do Brasil, produzindo enormes perdas”.
Belo Monte e o princípio da ecologia da ação
“Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises” – Edgar Morin.
Particularmente a nossa leitura sobre Belo Monte acerca de sua real necessidade é de que a mesma precisa ser interpretada a partir do princípio da ecologia da ação e no contexto da crise ecológica e energética.
Considerando-se o caráter das profundas e substanciais mudanças em curso na sociedade mundial, Belo Monte exige uma abordagem a partir do paradigma da complexidade, como propõe Edgar Morin. Trata-se de perceber que “não só a parte está no todo, mas também que o todo está na parte”. Tudo está interligado, entrelaçado, e há uma interdependência entre as crises. Segundo o sociólogo francês, “nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros”.
De todas as crises, a mais grave é a ecológica, exatamente porque ela pode dar cabo da civilização humana. A Terra já mostrou que tem condições de regeneração, coisa que nós humanos ainda não demonstramos. Iniciamos, portanto, o século XXI colocando as questões relacionadas ao meio ambiente no centro do debate. A ecologia, de oikos, tornou-se um tema que nos faz saltar das particularidades destacadas a uma abordagem unitária, global, planetária.
Nessa perspectiva, o princípio da “ecologia da ação” de Edgar Morin deveria tornar-se um princípio orientador para o agir na sociedade. Segundo Morin, “desde o momento em que um indivíduo empreende uma ação, qualquer que seja ela, esta começa a escapar de suas intenções. Ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial. Com frequência a ação retorna em bumerangue sobre nossa cabeça”(1) . O que Morin quer dizer é que toda ação implica em efeitos nem sempre controláveis e que mesmo uma ação realizada com o melhor dos propósitos, pode fugir ao controle e se voltar contra o objetivo inicial.
O que fica evidente é que o futuro da vida – e especialmente, da vida humana – na Terra dependerá do rumo que se der hoje à economia. Por essa razão, a discussão sobre os modos de produção e de consumo torna-se crucial no contexto de uma sociedade ecologicamente sustentável. Logo, a tese do crescimento linear e progressivo precisa ser complexificada. Afirma-se que o crescimento econômico é necessário e desejável em função de que ele permite a geração de empregos. Porém, quando visto a partir do princípio da “ecologia da ação”, a obsessão pelo crescimento precisa ser relativizada.
A ideia e o pensamento do que importa é o crescimento econômico e o restante é secundário não se sustenta mais. Por trás dessa ideia está a lógica de que os recursos naturais são sempre abundantes, infinitos. Não há porque se preocupar com a possibilidade de que algum dia teremos falta de petróleo, de carvão, de aço, de água, de energia… para alimentar a “máquina” do progresso humano. Construiu-se uma crença no crescimento econômico – o capitalismo vive da promessa de que o futuro é sempre promissor e de que o desenvolvimento econômico é inesgotável. Essa lógica econômica vigente nos últimos 200 ou 250 anos é redutora ao extremo.
Chegamos ao momento em que não se pode mais separar a economia da ecologia. A religação entre economia e ecologia é um tema urgente. “Sem recuperar o meio ambiente, não se salva a economia; sem recuperar a economia, não se salva o meio ambiente”, defende o ecologista Berry Commoner. É preciso a consciência de que a crise ecológica antes de tudo é expressão de determinado modo produtivo da sociedade industrial em vias de esgotamento. Por isso, persistir em insistir no produtivismo econômico é a ameaçar a vida de toda a Terra e a vida das gerações futuras.
Precisamos de um novo paradigma civilizacional porque o atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades. Necessitamos agora de uma outra economia, um outro estilo de vida, uma outra civilização, outras relações sociais.
É nesse contexto que Belo Monte precisa ser interpretada. Será que realmente trata-se de uma obra desejável? É preciso ainda destacar que matrizes energéticas centralizadoras – tributárias da sociedade industrial – entre elas as megahidreléticas e centrais nucleares – apresentam enorme ameaças a biodiversidade e perigos à civilização humana.
Na realidade, em termos energéticos, a humanidade está passando da era do petróleo para uma era em que a produção de energia se dará em escala descentralizada e com impactos menores sobre o ambiente. A nova economia, tendo como paradigma a Revolução Informacional, está deixando para trás a Revolução Industrial e potencializando a gestação de um novo tipo de organização produtiva menos poluidora e com potencial descarbonizador. Essa nova economia potencializa novas matrizes energéticas que podem oportunizar inclusive a criação de outro tipo de empregos.
O pesquisador Jeremy Rifkin nos dá uma ideia do que está por vir: “Estamos no início da terceira revolução industrial: no período dos próximos trinta anos tudo mudará como mudou quando o vapor foi substituído pela eletricidade. Desta vez, quem vencerá será a intergrid, a Internet da energia: uma rede elétrica interativa e descentralizada, que transformará milhões de consumidores em pequenos produtores de energia criando um sistema mais confiável, mais seguro e mais democrático. Os edifícios serão envoltos em fotovoltaicos e, em vez de sugar a energia, produzirão. Os motores dos automóveis poderão, por sua vez, transformarem-se em mini-centrais, os tetos dos pavilhões beberão a energia solar com seus painéis e a restituirão. Uma parte da eletricidade será consumida diretamente no local de produção, reduzindo a dispersão. É uma revolução radical que mudará toda a arquitetura do nosso sistema produtivo. E quem compreender isso primeiro guiará o novo salto industrial”.
Segundo ele, “o século que apenas se iniciou é o século da terceira revolução industrial. O século da Internet e a energia soft que é produzida a partir de baixo, nos bairros, nas casas, se articulando em rede, com entrada e saída, os fluxos de informação e da energia. É um modelo descentrado, democrático, mais confiável tanto do ponto de vista dos custos quanto daquele da independência da produção”.
A nossa civilização centrada no petróleo, e podem-se acrescentar aqui as megas hidrelétricas e usinas nucleares, não se justificam mais, são tributárias de uma sociedade que está ficando para trás.
Neste aspecto, o Brasil em vez de assumir a vanguarda no processo de descarbonização da economia, investe em matrizes superadas – grandes hidrelétricas como as do Rio Madeira e de Belo Monte. Essas grandes obras implicam em grandes inundações de terras, em significativos deslocamentos de pessoas e em devastação ambiental gigantesca e sucessivos apagões. Essa é também a lógica subjacente aos agrocombustíveis que utilizam grandes extensões de terra, produção em larga escala, avançando sobre terras agricultáveis e voltadas para suprir preferencialmente o mercado externo. É nesse mesmo sentido que se deve olhar criticamente o pré-sal.
O futuro das novas matrizes energéticas está na descentralização, em que a energia consumida será diretamente produzida no local de produção, reduzindo a concentração em mega centrais energéticas.
Belo Monte é um erro!
Considerando-se o conjunto da análise anterior, pode afirmar que Belo Monte é um erro. O Brasil parece não perceber que frente à crise epocal, manifestada sobretudo na crise ecológica, joga um papel estratégico. No contexto da crise ambiental, o país abre mão de utilizar racionalmente os recursos naturais limitados e opta por iniciativas ainda presas à sociedade industrial.
O que se percebe, por um lado, é o ganho de uma consciência ecológica maior em relação às gerações anteriores que se traduz na crítica a mega-projetos que agridem o meio ambiente. Itaipu, Balbina, Tucuruí, Transamazônica, são exemplos. Por outro lado, apesar da consciência dos erros cometidos, o país caminha para outros erros – a metáfora do farol de um automóvel virado para trás: ilumina o trajeto percorrido, mas não aclara o futuro. Assim como a nossa geração lamenta os erros cometidos pelas gerações anteriores, tudo indica que as gerações futuras lamentarão as decisões de hoje.
A grande questão posta hoje é que tipo de crescimento econômico queremos? Por muito tempo, inclusive na esquerda, acreditou-se que o crescimento econômico seria a varinha de condão para a resolução de todos os problemas. Particularmente da pobreza. Porém, o axioma de que apenas o crescimento econômico torna possível a justiça social não é verdadeiro. Será que o grande projeto brasileiro é transformar todos os cidadãos em consumidores?
É preciso complexificar o debate. O debate sugerido a partir do princípio da ‘ecologia da ação’ recomenda que devemos construir uma sociedade que seja sustentável com a natureza, às necessidades humanas presentes e futuras, com uma ética solidária, definidas desde os setores populares, tendo como fim a construção de uma sociedade baseada nos valores da solidariedade, liberdade, democracia, justiça e equidade.
Nota:
(1) – Introdução ao pensamento complexo (Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 80-81).
Frases sobre Belo Monte
Tem que sair
“Ou sai Belo Monte ou a segurança energética está comprometida” — Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, O Globo, 13-01-2010.
Humores
”O Brasil não pode ficar refém dos humores do Meio Ambiente” – Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, criticando o atraso nas liberações do Ibama para a implantação da usina hidrelétrica de Belo Monte – O Estado de S. Paulo, 10-01-2010.
No grito
“Lobão quer a licença de Belo Monte no grito” – Leozildo Tabajara da Silva Benjamin, ex-coordenador do Ibama, Rede Brasil, 02-12-2009.
Goela abaixo?
“A obra jamais será empurrada goela abaixo” – Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, O Estado de S. Paulo, 23-07-2009.
Melhor usina do mundo
“Considero essa (Belo Monte), a melhor usina hidrelétrica do mundo. É o mais importante projeto de curto prazo para o Brasil” – José Antônio Muniz Lopes, presidente da Eletrobrás – O Estado de S. Paulo, 16-08-2009.
Modelo de desenvolvimento
O que está em discussão não é só a usina de Belo Monte mas o modelo de desenvolvimento que está por trás do projeto. O impressionante é que de alguma maneira o plano repete o modelo de ocupação visto no período militar” – Rodrigo Timóteo da Costa e Silva, procurador do Ministério Público Federal em Altamira (PA) – Folha de S. Paulo, 20-09-2009.
Debate sobre o Brasil
“O debate sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte é, antes de tudo, um debate sobre o Brasil que queremos” – Cândido Grzybowski, sociólogo, sítio do Ibase, 12-02-2010.
Obra do passado
“Belo Monte não agrega novas tecnologias, não embica o país para o futuro. É uma obra de cimento e aço, típica do século que passou” – Marcelo Furtado, diretor executivo do Greenpeace no Brasil, sítio Greenpeace, 02-02-2010.
Importação
“Belo Monte é a importação de um modelo de desenvolvimento do sul-sudeste para a Amazônia” – Ubiratan Cazetta, procurador do Ministério Público Federal (MPF) do Pará, Brasil de Fato, 09-02-2010.
‘Espalha aí’
“Eu não tô gostando. Quero viver em paz, quero que meus netos vivam em paz. Não quero barragem no rio Xingu, espalha aí” – Raoni, cacique caiapó, Valor, 23-11-2009.
Pescar e caçar
“O governo quer fazer uma grande barragem em Belo Monte, mas meu povo está crescendo e precisa de espaço para pescar e caçar” – Raoni, cacique caiapó, O Estado de S.Paulo, 03-02-2010.
Guerra
“Exigimos que o governo cancele definitivamente, a implementação desta hidrelétrica. Caso o governo decida iniciar as obras de construção de Belo Monte, alertamos que haverá uma ação guerreira por parte dos povos indígenas do Xingu. A vida dos operários e indígenas estará em risco e o governo brasileiro será responsabilizado” – Carta dos povos indígenas ao presidente Lula contra Belo Monte, IHU – Notícias do Dia, 07-11-2009.
Rolo compressor
“Essa é a tática do fato consumado e do rolo compressor. Numa democracia, não deveria estar acontecendo isso. Tem muito autoritarismo por trás disso. Nós temos argumentos e esses são desconsiderados, e o rolo compressor passa por cima” – dom Erwin Kräutler, bispo da prelazia do Xingu (PA), Amazonia.org.br, 10-02-2010.
Audiências Públicas
“A impressão que ficou foi de que os técnicos não tinham certezas para apresentar, nem o mínimo conhecimento da dimensão dos impactos. Saímos com a certeza de que é necessário complementar os estudos e fazer novas audiências públicas” – Marcelo Salazar, Instituto Socioambiental (ISA), 14-09-2009.
PAC virou lei
“O processo de licenciamento virou um vale-tudo, que não tem regras nem normas. O PAC se transformou em lei no país” – Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), sobre a licença para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, Valor, 02-02-2010.
Simbolismo
“Belo Monte era um dos grandes desafios de minha gestão, tem simbolismo muito forte, é a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a mais polêmica e a terceira hidrelétrica do mundo” – Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente ao conceder a licença para a construção da usina hidrelétrica, Jornal do Brasil, 02-02-2010.
Minc
“Minc foi até muito eficiente na sua nova missão, porque ele recebeu o maior estudo de impacto que já foi produzido sobre uma das obras mais complicadas do mundo inteiro, num lugar maravilhoso, e foi capaz de realizar as audiências públicas às pressas e de concordar que essas reuniões tivessem a presença de centenas de policiais. E depois de dois ou três meses corridos, ele finalmente concedeu a licença. Um verdadeiro recorde” – Oswaldo Sevá, engenheiro, IHU, 17-02-2010.
Visão tecnocrática
“Será que não existe outra maneira de ver e resolver os essenciais problemas de energia? Não acredito no autoritarismo contido na visão tecnocrática que nos impõe esse tipo de solução” – Cândido Grzybowski, Sociólogo, Ibase, 12-02-2010.
Festa
“A usina hidrelétrica de Belo Monte é obra grande, está no PAC, custará muitos milhões de dólares e vai fazer a festa das empreiteiras” – Hamilton Octavio de Souza, jornalista, editor da revista Caros Amigos, Caros Amigos, 01-02-2010.
Mentiras
“Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente” – Oswaldo Sevá, engenheiro, entrevista especial ao IHU, 30-09-2009.
Lucro
”Não contam os custos sociais e ambientais, só contam o lucro”, diz líder de movimento contra Belo Monte” – Antônia Pereira Martins, líder do movimento Xingu Vivo Para Sempre, Amazonia.org,br, 17-09-2009.
Caos
“Será o caos. Isso lhe digo, conheço Altamira. Belo Monte representará o caos” – Dom Erwin Krautler, bispo da Prelazia de Xingu (PA), Folha de S.Paulo, 02-02-2010.
Desejável?
“Belo Monte desejável nesse momento pode ser lamentada mais tarde” – Cesar Sanson, pesquisador do Cepat, IHU, 03-02-2010.
Batalha
“Eles podem ter vencido uma batalha, mas não a guerra. A luta continua. Na verdade está apenas começando. Eu nunca duvidei que a máfia dos barrageiros venceria em tudo o que dependesse de papel, caneta e reuniões em Brasília. Eles dominam a máquina e ela está lá para isso. Mas barrar efetivamente o rio é outra história” – Rodolfo Salm, professor da Universidade Federal do Pará, Correio da Cidadania, 03-02-2010.
(Ecodebate, 19/02/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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