Uma década de fóruns sociais, artigo de Josep Maria Antentas e Esther Vivas
[EcoDebate] O Fórum Social Mundial (FSM) está de aniversário. Desde seu lançamento no ano de 2000 se converteu na referência internacional mais importante para o grosso das forças críticas à globalização neoliberal e permitiu afirmar um espaço simbólico de oposição.
Nascido sob o impacto das mobilizações de Seattle, se conectou com o espírito desse movimento emergente, aparecendo como uma referência para boa parte de seus integrantes (ainda que não para todos). O formato da proposta e sua concepção de fundo eram funcionais às necessidades do momento, ao abrir um ponto de encontro amplo e flexível, adaptado a um movimento em transformação, plural e em desenvolvimento. Reside aí seu exito inicial incomparável.
Em sua trajetória, o FSM foi evoluindo em consonância com a conjuntura política e de mobilização internacional. Depois de uma primeira etapa de ascensão, de aumento de sua visibilidade e de crescente capacidade de atração, passado o efeito novidade, o Fórum perdeu notoriedade, e seu impacto e influência diminuíram, ainda que não seu poder de convocatória. Nessa situação ambivalente chegou no seu décimo aniversário.
Nessa década, o movimento anti-globalização e o Fórum conseguiram colocar suas preocupações na agenda pública e desgastar a legitimidade do neoliberalismo, cuja credibilidade afundou definitivamente com o estouro da crise. Mas não obteve quase nenhuma vitória além do terreno simbólico, com exceção parcial de alguns países da América Latina.
A combinação entre as dificuldades para derrubar o neoliberalismo e o impacto da crise impuseram o aumento do debate estratégico e político no seio do Fórum. Assim se constatou nos eventos realizados em função do presente aniversário, sem um aparente resultado conclusivo acerca de seu rumo futuro. O FSM fundou-se sobre a base de um certo otimismo anti-globalizador, uma visão bastante simples de transformação social que escamoteava os grandes debates estratégicos e, especialmente, sobre a idéia de que o movimento social se bastava por si só para transformar a sociedade. Dez anos depois se constatam os limites do discurso fundacional do Fórum e do movimento anti-globalização, e a necessidade de repensá-lo para obter um segundo alento. O contexto exige uma maior clarificação estratégica, sem por isso romper a unidade e a amplitude do processo. “ Penso que passamos da fase dos slogans simpáticos dos fóruns sociais. Se outro mundo é possível, chegou a hora de dizer qual”, assinalava já Daniel Bansaid nas vésperas da edição de Belém, em janeiro de 2009.
Os fóruns não são nenhuma panacéia ou fórmula mágica para os movimentos sociais, mas sim experiências que ajudam a somar forças. Não tem comportado de forma mecânica a criação de convergências duradouras nem o desenvolvimento de lutas concretas, mas sim tem tido uma influência positiva genérica nesta direção e têm contribuído a criar um clima mais propício ao trabalho em comum nos lugares onde é realizado. Assim foi no fim de semana passado nas iniciativas como o Fórum Social Catalão em Barcelona ou o FSM em Madrid, que mostram como, em um período de dificuldade para transformar o mal estar social frente a crise em mobilização coletiva, os fóruns oferecem um espaço para encontrar-se, ver-se e debater.
O grande desafio que temos pela frente é passar das convergências e as solidariedades simbólicas às tangíveis e ao reforço concreto de lutas específicas. As formas que tomam as lutas reais são imprevisíveis e se transformam e a articulação das resistências sociais não se realizam por decreto. Se trata de um processo dinâmico, com altos e baixos, que requer vontade de trabalho comum e habilitar espaços de convergência e solidariedade que permitam a discussão mútua, criar uma cultura de trabalho compartilhada e aprender a ver os problemas particulares desde uma ótica geral.
No debate atual sobre seu futuro, marcado pelas polêmicas sobre se o Fórum deve ser essencialmente um espaço de discussão ou um instrumento orientado a ação, convém recordar que os fóruns sociais não são um fim em si mesmo, e sim um instrumento à serviço da discussão e articulação de campanhas e mobilizações e tem que ser vistos e concebidos como tais. Tem sentido se ajudam a avançar nessa direção, se não, podem retrair energias das lutas reais. Como assinalou Eric Toussaint, do Comitê para Anulação da Dívida Externa do Terceiro Mundo, “ necessitamos de um instrumento para determinar objetivos, um calendário comum de ações, um elemento de estratégia comum. Se o Fórum não permite isto, teremos que construir outro instrumento, sem eliminar o Fórum”. Daí a importância das Assembléias e iniciativas de coordenação internacional dos movimentos sociais que têm lugar no entorno do Fórum.
A vitalidade e autoridade simbólica do Fórum Social Mundial se deriva do fato de ser percebido como a maior expressão das lutas contra a globalização neoliberal. O dia em que o Fórum aparecer como um projeto desvinculado delas, o processo se enfraqueceria rapidamente e perderia sua utilidade como instrumento para seguir avançando na luta por este “ outro mundo possível” do qual têm sido, com seus limites e contradições, um estandarte muito importante.
*Josep Maria Antentas e Esther Vivas são autores de ‘Resistencias Globales. De Seattle a la crisis de Wall Street’ (Ed. Popular, 2009).
** Artigo em espanhol publicado em Público, 06/02/2010.
***Tradução de Paulo Marques para o www.brasilautogestionario.org
http://esthervivas.wordpress.com
Esther Vivas é colaboradora e articulista internacional do EcoDebate.
EcoDebate, 18/02/2010
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