‘Belo Monte não é uma batalha perdida’. Entrevista especial com Moisés Ribeiro
Moisés Ribeiro, coordenador e integrante da direção do Movimento dos Atingidos por Barragens, narra , em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, a recente audiência do MAB com o presidente Lula.
Segundo ele, “Lula agiu muito tranquilamente. A fala dele foi neste sentido, dizendo que nós não iríamos convergir em muitos aspectos, mas que ele entendia que, aqueles que são obrigados a se deslocarem por causa da construção de uma barragem, têm direito de viver com dignidade. Porém, ele não entrou em detalhes em relação a Belo Monte. Não houve nenhum debate neste sentido”, diz.
Quando questionado sobre uma possível perda na batalha contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, Ribeiro demonstra a postura firme dos movimentos que lutam contra a obra. “Para nós, Belo Monte não significa uma batalha perdida. Queremos reafirmar que é um projeto inviável e que não tem sentido de existir, nem em Altamira, nem na Amazônia. Não nos damos por vencidos de forma nenhuma. A luta continua e vai se intensificando”, garante.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O MAB se reuniu recentemente com o presidente Lula. Qual foi o balanço do encontro?
Moisés Ribeiro – O principal balanço é que essa audiência com o presidente representou, em certos aspectos, uma divergência daquilo que pensamos e entendemos, sobre esta questão da produção de energia no Brasil e do setor energético, e aquilo que o governo tem como proposta. Até pela fala do próprio presidente, ficou claro que não iríamos convergir em alguns aspectos. Porém entendemos que foi positivo, em outros pontos, porque conseguimos pautar as reivindicações e dissemos ao presidente qual é o nosso posicionamento quanto à construção das hidrelétricas pelo Brasil. Outro ponto importante é o reconhecimento de que o movimento é um interlocutor dos atingidos por barragens na negociação com as empresas e com o governo, e é a tentativa de garantir, na própria constituição, a questão do conceito de “atingido”, para que possamos construir uma empresa estatal, um órgão ou um ministério que se encarregue de tratar essas questões dos que já estão aí, há muito tempo, lutando por direito, e daqueles que serão atingidos por outros projetos de barragem.
Também dissemos ao presidente que não queremos a construção de Belo Monte. Esse foi um aspecto que ele não quis entrar em discussão, mas demos o nosso recado. Politicamente, o encontro foi positivo. Pautamos nosso posicionamento e nossas propostas e entregamos um documento para ele. Reforçamos a questão da dívida que o Estado brasileiro tem com os atingidos. Frisamos isso e o presidente reconheceu. A partir desse entendimento, imaginamos que isso vá fluir melhor nas negociações com as empresas. Claro que não íamos convergir em muita coisa, mas, para nós, foi um ganho político neste sentido.
IHU On-Line – O governo assumiu algum compromisso com o MAB?
Moisés Ribeiro – O próprio presidente Lula assumiu o compromisso de chamar todos os órgãos que nós já havíamos procurado. Já tínhamos feito dezenove audiências, com dezenove ministérios, autarquias e estatais diferentes, mas nada andava, todo esse processo era muito lento. Houve um compromisso dele de chamar todos os responsáveis por esses órgãos, para que possam encaminhar o que já vinha sendo discutido há bastante tempo. Lula disse que esta era a primeira de outras reuniões que ainda vamos ter com ele, e que ele se comprometia pessoalmente em chamar todo mundo para resolver os problemas dos atingidos por barragens no Brasil.
IHU On-Line – Como está a luta pela revisão nos preços das tarifas de energia elétrica?
Moisés Ribeiro – Esta é uma questão que não pautamos diretamente. Entregamos um documento para ele, em que propusemos que o governo encontre um mecanismo que faça com que as empresas distribuidoras de energia, que cobraram indevidamente mais de dez bilhões de reais do povo brasileiro, possam devolver esse recurso para os municípios, principalmente para os setores mais necessitados dessa sociedade, como o de saúde, educação, moradia etc. Porém, não pautamos este tema, em específico, na audiência com o presidente.
IHU On-Line – Como Lula reagiu aos argumentos do MAB contrários a usina hidrelétrica de Belo Monte?
Moisés Ribeiro – Lula reagiu muito tranquilamente. Ele disse que nós não iríamos convergir em muitos aspectos, mas que ele entendia que, aqueles que são obrigados a se deslocarem por causa da construção de uma barragem, têm direito de viver com dignidade, e têm que ter seus direitos garantidos, como terra, casa e trabalho. Porém, ele não entrou em detalhes em relação a Belo Monte. Não houve nenhum debate neste sentido. Pautamos nosso posicionamento, mas não houve nada além disso. Na verdade, o governo não quer discutir conosco a construção de Belo Monte.
IHU On-Line – Sobre o que, então, o senhor acha que o governo quer falar?
Moisés Ribeiro – O governo falou sobre a questão da garantia dos direitos. O Ministério do Desenvolvimento Agrário cuida da reforma agrária, e, dentro dele, tem o INCRA, que é o órgão responsável. No caso dos atingidos, há várias estatais, Eletrobrás, Eletronorte, que fazem parte do Ministério de Minas e Energia, mas não há uma definição dentro do governo de que sejam responsáveis pelos atingidos pelas barragens.
O que ficou claro para nós é que o presidente assumiu um compromisso de, através de uma medida provisória ou projeto de lei, que seja definido o que se entende pelo conceito de atingidos. Há uma proposta inicial, que é do Conselho das Estatais do Setor Elétrico. A ideia é que esta proposta possa ser melhorada e que possa se criar um conceito que seja aprovado em lei ou por decreto da presidência da república, para que, no próximo governo, isso possa estar melhor encaminhado. Aí vamos saber qual será a empresa ou ministério que possa cuidar desse tema, especificamente.
IHU On-Line – Qual a sua análise sobre a decisão do governo de licenciar a obra de Belo Monte?
Moisés Ribeiro – Como é uma obra que está dentro do PAC, e eles têm dito que é a principal obra desse programa, fazemos a leitura de que o governo não iria voltar atrás, mesmo sabendo que há uma série de impactos e que há um monte de problemas que não foram devidamente dimensionados. O governo, para atender o interesse do grande capital, não irá abrir mão disso. Temos uma série de grandes empresas multinacionais, que atuam no setor elétrico brasileiro, que fazem uma pressão imensa sobre o governo e o Ministério de Minas e Energia. O governo vai tentar, de todas as formas, garantir a construção de Belo Monte. Mas, para nós, fica claro que eles usarão sempre a questão das condicionantes, um elemento novo que eles ‘”criaram”. Eles irão dizer que estão inaugurando outro processo, que agora existem quarenta condicionantes, que irão garantir isso e aquilo e que eles têm um bilhão garantido. Isso, para nós, não resolve absolutamente a questão dos atingidos, pois, a leitura que fazemos é de que as empresas, depois que assumem o papel de construtoras, passam por cima de tudo aquilo que se possa imaginar que seja direito dos atingidos.
Nós trabalhamos sempre com duas perguntas básicas: Energia para quê? Energia para quem? Fazemos a leitura que é o grande capital que precisa de energia para se expandir, na Amazônia principalmente. Entendemos que esse grande capital, que determina as coisas na sociedade atual, vai, de todas as formas, tentar garantir mais uma hidrelétrica, mesmo causando todos os impactos possíveis para a sociedade e o meio ambiente.
Belo Monte é um caso emblemático nesta conjuntura do setor energético. Há todo um conjunto de questionamentos e especialistas que se debruçaram sobre o assunto e que estão dizendo, constantemente, que é uma obra inviável. Sabemos, conhecendo um pouco a região, descendo e subindo o Rio Xingu, neste trecho onde eles querem represar, que é uma obra que não tem a menor possibilidade de dar certo. Principalmente, por se tratar de uma obra que não vai produzir 11 mil megawatts de energia. O máximo que a hidrelétrica irá produzir é quatro mil, ou seja, não vai produzir nem 40% de sua capacidade instalada. Belo Monte irá produzir, segundo especialistas da área, 39% de energia. Por mais que o governo declare que é uma única obra, temos certeza que esta hidrelétrica é a primeira de tantas outras que terão de sair para que a produção de energia naquela região dê certo. Queremos reafirmar que é um projeto inviável e que não tem sentido de existir, nem em Altamira, nem na Amazônia. Queremos, definitivamente dizer que somos contra Belo Monte, pois entendemos sua inviabilidade. Não precisamos de energia desse tipo, pois não se trata de energia para o povo, e sim para os grandes produtores e consumidores. Reafirmamos nosso posicionamento, tanto o MAB quanto os movimentos que lutam por outro projeto de desenvolvimento na região.
IHU On-Line – Belo Monte é uma batalha perdida?
Moisés Ribeiro – Para nós, Belo Monte não significa uma batalha perdida. Ainda está muito no início do processo. Está aí a licença prévia, mas ainda há um bom caminho a ser percorrido, e já há muitas ações sendo feitas. O próprio Ministério Público Federal já está questionando a liberação da licença prévia. Existia um documento anterior a essa licença, que era assinado por seis técnicos ambientais do IBAMA, onde eles diziam que havia muitas questões sem conclusão. Eles não tinham tido tempo hábil para chegarem a alguma conclusão, e aquelas questões, já concluídas por eles, direcionavam para a não realização da obra. Ou seja, eles concluíram que não havia viabilidade para construir a obra. As outras questões, que eles não tinham conseguido concluir definitivamente, iriam ser reenviadas para a Eletrobrás, exigindo novos estudos.
O que sabemos é que ainda haverão entraves e lutas, isso no âmbito da justiça. Nós, do Movimento dos Atingidos por Barragens, vamos continuar lutando, organizando as famílias e montando nossas brigadas para resistir ao projeto. Entendemos que não é um projeto viável, que não irá trazer nenhum tipo de benefício para a população que será atingida e muito menos trazer algum tipo de desenvolvimento para aquela região. Nenhum projeto de barragem no Brasil levou consigo, na região onde estão instalados, algum tipo de desenvolvimento. Não nos damos por vencidos de forma alguma. A luta continua e vai se intensificando.
IHU On-Line – Como o MAB irá se posicionar nas eleições presidenciais deste ano?
Moisés Ribeiro – Ainda não discutimos essa questão dentro do movimento. Isso, por enquanto, não foi objeto de uma análise mais aprofundada, mas, no cenário político, sabemos quem são nossos inimigos, com quem podemos contar, minimamente, e aqueles com quem não queremos ter nenhum tipo de relação.
IHU On-Line – As bases manifestam preferência por algum candidato?
Moisés Ribeiro – As bases, de uma forma ou de outra, acabam sendo influenciadas. Nossa tarefa é levar os elementos que julgamos necessários, para que eles façam uma boa escolha. Entendemos que ainda existem poucos candidatos com quem possamos construir algum tipo de relação. O que vamos ressaltar para nossa base é que possam fazer a escolha possível dentro desse cenário que está colocado. Faremos esta discussão com nossa base.
(Ecodebate, 17/02/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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