Sem escalas mesmo, artigo de Montserrat Martins
Up in the Air. Foto: Wikipedia
[EcoDebate] O episódio da vida de Mandela retratado em “Invictus” fala por si mesmo, comentar o filme seria uma tentativa de descrever algo que as imagens mostram melhor, de forma inspiradora. Sempre haverá quem não goste ou não concorde com a visão de mundo de vultos humanos dessa grandeza (como a de um Gandhi), o que lembra a frase dita por um deles, “entenda quem puder”. Mas um outro filme que também tem indicações para o Oscar 2010, “Amor sem Escalas”, provoca uma reação diferente, mantem a atenção e causa desconforto no espectador ao mesmo tempo, abordando questões humanas e sociais contemporâneas, do desemprego aos relacionamentos mal resolvidos.
Assistir à vitória de Mandela é um daqueles momentos em que a gente se gratifica e vê sentido na vida. Já a história interpretada por George Clooney nos provoca reações diversas, contraditórias como o próprio personagem que ele encarna. Começando pelo fato de que sua vitória profissional é declarar a derrota dos outros (sua especialidade é demitir funcionários) e que sua vida pessoal é mostrada de início como uma autopropaganda da liberdade individual- que depois se transforma em conflito interno, com a dificuldade em assumir compromissos.
A versão brasileira do título original (“Up in the Air“) se refere a escalas de vôo, mas a provocação que a história desperta no espectador nos remete a outra escala – a de valores. Como cada um de nós se sente, profissionalmente, diante do dilema de “subir” à custa da “descida” dos outros ? E na vida pessoal, ao encarar o conflito entre liberdade e compromisso afetivo ? Em que valores acreditamos realmente e como os praticamos, de fato ?
Outras pessoas que viram o filme me descreveram a mesma sensação de desconforto, inclusive pelo final “em aberto”, ficando ao espectador interpretar que direção o personagem dará à sua vida pessoal após o fim da narrativa, sem explicitar se o mesmo ainda pode mudar de rumo, ou não. Estamos acostumados a finais felizes, é isso, pagamos ingresso e queremos satisfação imediata. Eu também queria, confesso. Mas achei interessante o fato de que, quando não acontece o “happy end” desejado, tudo parece menos gratificante, mas mais realista. Nossas vidas estão longe de ser um roteiro hollywoodiano porque os problemas do dia-a-dia são bem mais complicados que os finais felizes dos filmes e novelas – que só assistimos porque costumam acabar como desejaríamos que a vida fosse, sempre.
Montserrat Martins, Psiquiatra, é colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 11/02/2010
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