Pressão das plantações de cana e soja pode empurrar criação de gado para áreas de floresta, adverte estudo
Infográfico AE
Expansão do biocombustível pode aumentar emissão de CO2 – Se não for feita com cuidado, a expansão da área plantada para elevar a produção nacional de biocombustível até 2020 pode forçar criadores de gado a avançar sobre o Cerrado e a Amazônia, gerando desflorestamento e uma consequente emissão de gases do efeito estufa que o País levaria mais de 200 anos para compensar, diz estudo [Indirect land-use changes can overcome carbon savings from biofuels in Brazil] publicado no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
O trabalho, realizado por pesquisadores de instituições da Alemanha e das Nações Unidas, foi encabeçado por um brasileiro, David Lapola, que já atuou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e atualmente está no Instituto Max Planck da Alemanha. Carlos Orsi, do estadao.com.br, e Afra Balazina, de O Estado de S. Paulo, com informações complementares do EcoDebate.
“O débito de carbono significa que o biocombustível, em vez de reduzir as emissões de carbono, se comparado a combustíveis fósseis na verdade aumenta as emissões por meio de mudanças de uso da terra”, explica Lapola.
O estudo simula cenários em que, para elevar a produção de biocombustíveis em 35 bilhões de litros até 2020, a área plantada com soja aumentaria de 191.000 km², em 2003, para até 285.000 km², em 2020. A de cana iria de 55.000 km² para 90.000 km². “A maior parte da expansão de cana-de-açúcar no Brasil, nos últimos 5 anos, ocorreu em terra previamente usada como pastagem nos Estados do Sudeste”, diz o artigo. “O mesmo é verdade para mais de 90% das plantações de soja na Amazônia após (…) 2006”.
Se esse padrão de substituição do gado por plantações que servem como fonte de biocombustível se mantiver, e a produção de carne continuar a aumentar para suprir a demanda da população crescente, os autores argumentam que serão necessários quase 3 milhões de km2 de pastagens no Brasil em 2020 – 44% a mais que em 2003 – e que parte dessa área possivelmente será subtraída do Cerrado e da Floresta Amazônica. A devastação resultante geraria emissões de CO2 que só seriam compensadas por séculos de uso de biocombustíveis.
“Uma possibilidade seria diminuir as exportações de carne, talvez”, diz o pesquisador. “Mas também acho isso improvável, pois as exportações vêm aumentando bastante nos últimos anos e é um setor bastante lucrativo.”
Ele explica ainda que “o tempo, em anos, para se pagar o débito de carbono varia dependendo do tipo de biocombustível”. “Por exemplo, o biodiesel de dendê geraria, até 2020, um débito de carbono bem menor que o biodiesel de soja, e o tempo de pagamento também seria bem menor para o dendê, por conta do maior conteúdo de biodiesel que pode ser produzido em cada hectare, comparado com a soja”, afirma.
As alternativas para evitar que as culturas de biocombustível acabem agravando o problema que deveriam evitar, de acordo com o artigo, seriam incentivar o uso de biodiesel de dendê em vez do de soja – “a produção no Brasil ainda é pequena e pode ser expandida para áreas sem florestas”, diz o texto – ou por um aumento na produtividade da pecuária, com cada hectare sustentando mais reses, o que reduziria a pressão pela abertura de novas fronteiras para a criação de gado.
Apesar das dificuldades à frente, Lapola se diz otimista. “Esse problema de mudanças de uso da terra e biocombustíveis pode ser resolvido com uma intensificação da criação de gado no Brasil”, afirma. “Já existe uma discussão, anterior ao artigo, no sentido de se otimizar a criação de gado no Brasil.”
PECUÁRIA
Segundo o professor da Universidade de São Paulo José Goldemberg, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, já tem ocorrido um aumento da produtividade na pecuária.
“No caso do Estado de São Paulo, onde 60% do total de etanol no Brasil é produzido, passou-se de 1,28 cabeça por hectare em 2001 para 1,56 em 2008. Apesar da falta de estatísticas em nível nacional, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2006, havia 1,29 cabeça por hectare”, diz.
Assim, de acordo com ele, os dados apresentados numa das tabelas do estudo, de 0,7 cabeça por hectare, está incorreto.
Ele faz outras críticas ao estudo. Uma delas é que não fica claro se os autores estão cientes de que “metade da área de cana é dedicada à produção de etanol e os outros 50% para a produção de açúcar”.
Goldemberg afirma que, atualmente, uma área de 4 milhões de hectares de cana é utilizada para produzir 25 bilhões de litros de etanol no Brasil. “Os autores afirmam que, até 2020, e uma área adicional de 5,7 milhões de hectares seria necessária para cumprir as metas de produção do governo. O aumento por ano é muito menor que as taxas de desmatamento na Floresta Amazônica, que são da ordem de 2 milhões de hectares por ano. A produção de soja e pecuária são indutores do desmatamento em si, não relacionados à expansão da cana.”
AVAL AMERICANO
Goldemberg considera que o estudo não irá atrapalhar a imagem do etanol brasileiro no exterior. Ele lembra que a EPA (agência ambiental americana) classificou na semana passada o álcool produzido a partir da cana-de-açúcar como “biocombustível avançado”. “O etanol reduz as emissões de gases de efeito estufa em 61% em comparação com a gasolina.”
Ele também ressalta que o governo federal e alguns governos estaduais criaram um zoneamento ambiental que determina as áreas onde as lavouras de cana podem ser cultivadas. Além disso, as novas áreas, em cada caso, devem ser licenciadas pelos órgãos ambientais.
Lapola lembra que se tem se falado muito em rastrear toda a cadeia produtiva do gado. “Assim, o consumidor teria o poder de recusar carne proveniente de desmatamento, e os desmatadores seriam, mais cedo ou mais tarde, excluídos da cadeia produtiva, como aconteceu com a moratória da soja na Amazônia a partir de 2006. Se foi possível para a soja, também é possível para o gado”, opina.
Desde o início do mês os frigoríficos, curtumes e exportadores do Pará só podem comprar gado de fornecedores que apresentarem a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Esse é o resultado de um acordo feito entre o Ministério Público Federal do Pará e as empresas por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em julho de 2009.
Até agora, porém, menos de 6 mil das cerca de 110 mil fazendas do Pará (cerca de 5%) se registraram. Segundo o Greenpeace, “o cadastro é o primeiro passo para regulamentar a propriedade do ponto de vista ambiental, e o número demonstra o descaso com que uma parte do setor ainda trata a questão”.
Nota: o artigo “Indirect land-use changes can overcome carbon savings from biofuels in Brazil” está disponível para acesso integral no formato PDF. Para acessar o artigo clique aqui.
Published online before print February 8, 2010, doi: 10.1073/pnas.0907318107
The planned expansion of biofuel plantations in Brazil could potentially cause both direct and indirect land-use changes (e.g., biofuel plantations replace rangelands, which replace forests). In this study, we use a spatially explicit model to project land-use changes caused by that expansion in 2020, assuming that ethanol (biodiesel) production increases by 35 (4) x 109 liter in the 2003-2020 period. Our simulations show that direct land-use changes will have a small impact on carbon emissions because most biofuel plantations would replace rangeland areas. However, indirect land-use changes, especially those pushing the rangeland frontier into the Amazonian forests, could offset the carbon savings from biofuels. Sugarcane ethanol and soybean biodiesel each contribute to nearly half of the projected indirect deforestation of 121,970 km2 by 2020, creating a carbon debt that would take about 250 years to be repaid using these biofuels instead of fossil fuels. We also tested different crops that could serve as feedstock to fulfill Brazil’s biodiesel demand and found that oil palm would cause the least land-use changes and associated carbon debt. The modeled livestock density increases by 0.09 head per hectare. But a higher increase of 0.13 head per hectare in the average livestock density throughout the country could avoid the indirect land-use changes caused by biofuels (even with soybean as the biodiesel feedstock), while still fulfilling all food and bioenergy demands. We suggest that a closer collaboration or strengthened institutional link between the biofuel and cattle-ranching sectors in the coming years is crucial for effective carbon savings from biofuels in Brazil.
EcoDebate, 10/02/2010
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