Na emergência haitiana, apoiar a agricultura de subsistência, artigo de Alain de Janvry
[Le Monde] Três crises recentes nos demonstraram a importância da agricultura como rede de segurança para as vítimas dos choques devastadores: a crise do aumento de preços dos alimentos em 2007-2008, a crise do desemprego derivada do colapso dos mercados financeiros em 2009-2010, e a crise da destruição da economia urbana no Haiti, em janeiro deste ano.
Quando a crise afeta um país de renda média ou elevada, a população cai na rede da seguridade social. Esse é o caso dos programas de emprego garantido na Índia, de transferências de funcionários na Argentina, de ajuda alimentar no Chile e de subsídios à escolaridade no México e no Brasil. Quando a crise afeta um país de renda baixa, que não tem nem os recursos financeiros nem a capacidade administrativa para estabelecer programas de seguridade social com a amplitude necessária, é o regresso à agricultura de subsistência o que constitui a única opção possível.
Foi esse o papel da agricultura de subsistência durante a crise alimentar, quando os preços ao consumidor dispararam. Durante a crise financeira na China, 20 milhões de desempregados urbanos voltaram às suas comunidades rurais de origem para sobreviver da agricultura. No Haiti, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) calcula que 1 milhão de residentes urbanos estão em vias de buscar refúgio nas regiões rurais para nelas sobreviverem da agricultura.
Mas será que a agricultura está preparada para desempenhar esse papel tão vital? Há muito tempo se sabe que a agricultura desempenha um papel muito importante para desencadear o crescimento industrial e reduzir a pobreza crônica. Agora sabe-se que também desempenha um papel importante como rede de seguridade social quando os preços agrícolas, o emprego e a sobrevivência nas cidades sofrem reveses. Entretanto, esta agricultura, como rede de seguridade social, é pouco produtiva e sua capacidade de cumprir seu papel é limitada, no Haiti mais do que em qualquer outra parte, onde os solos se encontram minados após séculos de pobreza.
No Haiti, assim como na África e na América Central em período de crise, é necessário que a capacidade de produção da agricultura de subsistência aumente de maneira proporcional à sua carga humana. Para isso deve-se estabelecer um programa de ajuda rápida à sua produtividade, que consiste em proporcionar sementes melhoradas, fertilizantes químicos e assistência técnica à agricultura de subsistência.
Entretanto, é um tipo de agricultura mal compreendida e negligenciada, pois é desprezada em tempos de crescimento. Para as agências de desenvolvimento, a agricultura de subsistência é um sintoma de subdesenvolvimento que deve ser erradicado. Dar atenção a ela seria um passo para trás. Subvencioná-la seria um caminho escorregadio de irreversibilidade política que deve ser evitado a todo custo.
Além disso, o Maláui demonstrou que as subvenções às sementes e aos fertilizantes permitem uma resposta rápida da agricultura de subsistência; efetivamente, a partir da colheita seguinte.
É isso que o Haiti deve fazer com urgência. Um esforço rápido que transcenda as reticências das agências de desenvolvimento e se interesse pela agricultura de subsistência, tratando-a como uma atividade produtiva com uma função social vital. Uma subvenção à agricultura de subsistência mobilizaria a capacidade de produção dos refugiados das cidades e seria menos custosa do que se encarregar da alimentação de todos eles, mesmo que isso fosse possível. Isso deveria ser uma prioridade da resposta à crise atual.
É possível e já foi feito em outros lugares. Também seria um instrumento eficaz para reduzir os sofrimentos de um milhão de refugiados das cidades durante o longo período de reconstrução da economia urbana.
*Alain de Janvry é professor da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Artigo [L’urgence haïtienne : soutenir une agriculture de subsistance] do Le Monde, no UOL Notícias.
EcoDebate, 10/02/2010
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