O cigarro e a luta dos ambientalistas, artigo de Maurício Gomide Martins
[EcoDebate] Todos conhecem as fotogravuras que são impressas nos maços de cigarro. São documentos impressionantes que escancaram ao destinatário as tragédias advindas do vício do fumo. Quando um fumante compra um maço de cigarros, não há como não ver tais desgraças. As cenas estampadas são fortes, impressionantes. É uma mensagem direta,
Isso requer uma análise racional profunda. Tal realidade provoca a visão, inicialmente incompreensível, de que uma pessoa – ante uma alternativa radical – escolhe morrer a deixar de fumar. Que força maior pode existir a ponto de vencer o próprio instinto de viver, presente em todos os seres vivos? Há nisso masoquismo ou desejo de suicídio? Quão irracional pode ser o humano na presença de um fato gritante que lhe tira a vida? Essa circunstância ilógica nos impele rumo a um exame acurado dessa contradição.
Na busca de compreensão, encontramos alguns aspectos esclarecedores mas tristes. Existe um embate de forças que provoca a irracionalidade e no qual o corpo sucumbe. É o domínio do uso da razão por algo muito forte que lhe tolhe ou impede o exercício da vontade. Tem relação com a paixão e fanatismo, mas é mais específico. De onde vem essa força dominante? Entendemos que, frente à imposição de um vício, impondo uma ação não voluntária, o indivíduo desdenha a razão e opta pelo prazer, conforto de satisfação, conformismo, preenchimento de uma falta. Sutilmente, é a troca de um bem espiritual, salutar e natural, pelo comodismo material – prazer do corpo. A resposta de um viciado de cigarro, num diálogo, é sempre a mesma: ”ah! deixa pra lá”, ou “azar!”, ou “agora, não tem jeito”, ou “no ano que vem eu paro”.
Fazendo um paralelo com os argumentos e alertas dos ambientalistas, as populações já estão cientes de que estamos rumando celeremente para o suicídio planetário. Nesse envenenamento do meio vivencial, serão vítimas todos os animais superiores (com salvação provável apenas dos insetos e microorganismos); todos, inclusive nós mesmos. No entanto, o causador da situação caótica continua em sua atividade civilizacional de auto-extermínio. A atitude oral do homem moderno, num diálogo sobre o iminente perigo ambiental, é sempre a mesma: “ah! deixa pra lá”, ou “azar!” ou “agora, não tem jeito”, ou “no ano que vem eu assumo”. A mesma condicionante mental do fumante viciado. Ambas as posturas têm a mesma origem: vícios da modernidade, ou vício cultural, ou condicionante civilizacional. Isso é verdadeiramente uma alienação da vida. É o desprezo pelo atributo mais valioso que os humanos têm, a capacidade de ser. Como? Por quê?
Sim, impera o vício geral. O de possuir bens materiais; o do conforto; o de consumir; o da preguiça mental; o da inércia máxima. A civilização atual é um conjunto de vícios que acompanha o indivíduo desde o nascimento. O homem, em geral, se opõe a mudanças do “status quo”, porque isso implica esforço, e a modernidade lhe oferece dia-a-dia, cada vez mais conforto, a faculdade de não precisar pensar, o não dispêndio de energia física e mental. Hoje, de forma visivel ou sutilmente, o vício amplo na sua expressão máxima – a civilização moderna –, domina os diversos aspectos do homem. O que se contrapõe ao vício é justamente a força vital, a ação espiritual, a vontade, o pensamento, a reflexão.
Peguemos, como exemplo, o vício do automóvel, composto de matéria básica saqueada do planeta. Vem do vício do conforto e rapidez. Rapidez é avançar sobre o futuro; tornar o futuro cada vez mais presente, fazer crescer exponencial e ilimitadamente o alcance temporal. Isso, em qualquer sistema, converte-se em desagregação.
A Natureza nos proporcionou duas pernas. Para quê? Para o movimento do indivíduo. E elas devem e precisam ser usadas. Aliás – contra-censo! –, elas são exercitadas nas academias e também por recomendação médica. Seu uso passou de uma atividade natural para a de um recurso médico, curativo. Irracionalidade! Pura aberração civilizatória!
Alguém dirá que o automóvel é necessário. Concordamos, em parte. Esse veículo é necessário para a locomoção para idas e vindas do trabalho. Só. Mas fazemos a ressalva de que essa parte advém do crescimento ilimitado da população e da estrutura sócio-econômica. É uma conseqüência antinatural, portanto. Uma distorção. Não negamos a busca do menor-esforço que, no caso, lançaria mão de instrumentos não poluidores, como canoas e animais de força. Mas levar esse benefício da inteligência ao ponto antinatural, prejudicial, contraproducente!?
Não há, sem considerarmos os vícios culturais, outras necessidades para o automóvel. Turismo é produto de excessos. Excesso de gente, de dinheiro, de tempo ocioso, de inutilidades, e está inserido também no conjunto vicioso do ambiente cultural. Tudo o mais, quanto ao seu uso, é supérfluo e danoso ao meio ambiente.
Devemos entender que o interesse de manutenção da Vida se sobrepõe aos interesses individuais. De que adianta preocupar-nos com a moda do sapato feminino, o último modelo de computador, a cura de doenças, etc. se tudo isso é dependente de existirmos? Preservar a vida: eis o objetivo maior. Satisfeita essa parte essencial, as vaidades humanas podem ser exercitadas, dentro do limite das possibilidades.
A modernidade e seus vícios inerentes sangram os recursos do planeta. Os tempos atuais estão indicando procedimentos de renúncia e não de esbanjamentos cometidos em holocausto aos vícios. Estamos às vésperas dos tempos das 7 vacas magras, sem que haja perspectiva de vacas gordas.
Esta civilização é autofágica, os ambientalistas estão alertando para isso. Mas os que têm poder de decisão estão cegos pelos vícios implantados pela atmosfera econômica dominante.
“Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.
Maurício Gomide Martins é colaborador e articulista do EcoDebate.
EcoDebate, 04/02/2010
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Excelente.
Do alto dos 82 anos bem vividos e de sua clara visão de mundo; esse alerta deveria chegar a muitos; mas…
Uma das desculpas mais frequentes é a do exercício do livre arbítrio. A semeadura individual é livre; mas, a colheita é obrigatória e, pior: é coletiva. Todos de alguma forma pagam pelos desatinos dos outros. Mas, aleluia, a natureza não dorme no ponto; nesta acelerada planetária, a colheita do hábito de fumar e do sedentarismo está vindo a jato – nada de dar trabalho e despesa para os outros durante muito tempo; a tão sonhada morte está chegando bem rápido – Daí, devemos cultivar a esperança no futuro da raça; quem não gosta da vida está de partida.
Abraço e parabéns.
Caro Américo,
Agradeço suas pertinentes e férteis considerações sobre o assunto. Oxalá, no final, ainda sobreviva alguma raça.