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Artigo

Mudanças Climáticas e a Dívida Externa dos Países Pobres, artigo de Valdir Lamim-Guedes

aquecimento global

[EcoDebate] Um dos pontos mais polêmicos nas negociações para um novo acordo climático refere-se ao financiamento prevenção e adaptação às mudanças climáticas. Muitas pessoas afirmam que o Brasil tem recursos para investir na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, sem depender de um fundo internacional. Esta afirmação é aceitável, principalmente, quando se analisa o orçamento da União. Pense no volume de recursos públicos que são gastos no pagamento da divida externa. No ano de 2008, foram 282 bilhões de reais gastos, isto corresponde a 32% do orçamento da uniãoi. Enquanto outros setores recebem apenas uma pequena fatia do orçamento, por exemplo, saúde com 4,81%, assistência Social 3,08%, educação 2,57% e gestão ambiental 0,16%. Isto significa que o valor gasto com saúde é cerca de seis vezes menor que o empregado no pagamento da dívida, educação é mais de 12 vezes menor. Esta situação é revoltante, não é? E se este dinheiro fosse investido na área climática?

Agora mude seu foco da situação brasileira, que tem a dívida externa sobre controle. Pense em países realmente pobres da África e Ásia, imagine a parcela do orçamento destes países destinada ao pagamento de juros da divida externa, principalmente, ao FMI. A situação é ainda pior quando se pensa nas condições exigidas pelo FMI para fazer empréstimos, como abertura ao capital estrangeiro de setores de serviços públicos e do setor industrial, facilidades para a produção e extração de commodities por grupos estrangeiros, como foi exigido inúmeras vezes de nosso país.

Este tipo de exigência leva os países a tomar atitudes que, por exemplo, incentivam práticas que colocam em risco a produção de alimentos e degradam enormemente o meio ambiente, como a prática conhecida como offshore farming, que consiste na venda ou arrendamento por longos períodos de terras agricultáveis. Isto tem acontecido porque países como China, Arábia Saudita e Bahreim possuem em seus territórios poucas terras agricultáveis e têm uma produção agrícola insuficiente para alimentar a sua população, por este motivo, há uma tendência de que eles busquem terras agricultáveis em outros países principalmente no continente africano. Por outro lado, os países pobres sedem suas terras e água por promessas de investimentos externos no País e oferta de trabalho.

Esta prática, geralmente, deixa grandes problemas ambientais causados pelo uso descontrolado de pesticidas, uso inadequado dos recursos hídricos e desmatamento. E ainda, não resolvem os problemas locais como fome, saúde e saneamento básico. O offshore farming é uma nova forma de explorar a África e outras regiões, sem fortalecer sua economia e agravando fortemente as condições de pobreza e miséria locais e ambientais.

Com este tipo de situação nos paises pobres, definitivamente, eles não tem condições de investir em mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O montante gasto no pagamento da divida externa destes países poderia ser investido na área climática, dependendo menos da ajuda externa. Contudo, é mais interessante para o mercado financeiro manter a falta de capital dentro destes países, para que seja mantida uma economia enfraquecida e dependente, estimulada pelo FMI.

Se fosse proposto o perdão da dívida externa dos países pobres na COP15 ou em outra rodada de negociações, afirmariam que isto iria ameaçar a economia de mercado, a segurança do mercado financeira e levaria a perda do dinheiro investido – de forma especulativa – nestes países. Estas criticas podem ser verdadeiras, quando analisadas pela ótica da economia de mercado – exploradora e excludente – que em ultima análise, está destruindo o nosso planeta. Mas a atual crise socioambiental nos coloca o desafio de mudar a forma de ver o mundo. O “prejuízo” advindo do perdão da divida externa dos países pobres deve ser visto como um investimento na manutenção de condições planetárias adequadas a sobrevivência do homem e, diga-se de passagem, um investimento bem maior do que o fundo internacional proposto em Copenhagen, em dezembro ultimo.

A preocupação maior com o mercado financeiro do que com a sustentabilidade planetária foi muito criticada durante a COP15, o Presidente Boliviano Evo Morales afirmou que “é uma vergonha que os EUA destinem trilhões de dólares com guerras e queiram destinar ao fundo climático só US$ 10 bilhões”. Uma frase que foi repetida durante as manifestações nas ruas da capital dinamarquesa foi: “se o clima fosse um banco, já teriam salvado-o”, sendo inclusive usada pelo Presidente Venezuelano Hugo Chavez em seu discurso na COP15.

O combate às mudanças climáticas vai além de discutir formas de financiamento ou metas de redução de gases causadores de efeito estufa. Este combate passa por uma reformulação do sistema financeiro e da relação entre os países, sobretudo porque as negociações climáticas tem apenas mantido as políticas imperialistas dos países ricos. Apenas mudanças profundas poderão trazer garantias para a manutenção da qualidade de vida no planeta Terra.

Valdir Lamim Guedes Junior, Mestrando em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto, é colaborador e articulista do EcoDebate.

EcoDebate, 03/02/2010

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