Atração fatal: o terremoto no Haiti e a prevenção de tragédias, artigo de Alberto Veloso
Epicentros de terremotos na Terra, 1963-1998. Imagem Nasa/Wikipedia
[EcoDebate] O catastrófico terremoto que atingiu o Haiti na última terça-feira misturou ingredientes da natureza e do homem: magnitude elevada, profundidade focal rasa e epicentro próximo de áreas densamente povoadas – com construções frágeis e inadequadas para suportar altas acelerações do terreno. O resultado não poderia ser diferente: destruição em massa, elevado número de mortos e feridos e uma multidão incalculável de desabrigados. Os próximos dias continuarão difíceis, pois novos terremotos – réplicas – podem acontecer e ampliar a tragédia.
Entretanto, com ajuda especializada, ainda se podem salvar vidas. Inicialmente o país receberá ajuda internacional para minorar seus problemas e para colocar um mínimo de ordem nas coisas. Depois virá a lenta e trabalhosa fase de reconstrução, que se espera seja feita sob a supervisão de organismos internacionais para garantir a adequada aplicação dos recursos financeiros em obras que tragam maior segurança aos haitianos. Este é o desenrolar do script para situações semelhantes que acontecem ao redor do mundo. Mas sempre fica a pergunta: com os conhecimentos e recursos de hoje não seria possível minimizar os efeitos deste e de outros grandes desastres?
A humanidade recebe do planeta que habita um sem número de dádivas; desde o ar que respira aos variados tipos de recursos naturais que explora. Para que isso exista, o Planeta Terra tem que trabalhar continuamente. Às vezes de forma longa e imperceptível, para criar um valioso campo petrolífero; ou de maneira brusca, extravasando material vulcânico na superfície do terreno que acaba se transformando em terras férteis, como as existentes em São Paulo, Paraná e Mato Grosso. A natureza tem seus caprichos. Hoje ela gera uma inundação aqui, um terremoto ali, uma erupção vulcânica, ou um tufão acolá. Assim foi e sempre será. Não deixar um fenômeno natural virar tragédia é competência do homem e nisso já se fala há muito tempo.
Em 1º de novembro de 1755, Lisboa quase desapareceu quando se viu atacada por um tríplice infortúnio. Um forte terremoto destruiu parte da cidade, gerou um tsunami assassino e, como se não bastasse, um incêndio consumiu muito do que ainda continuava de pé. Lisboa se reergueu, mas o desastre surpreendeu a Europa povoada de crenças de que se vivia no melhor dos mundos. Houve até embates filosóficos e deles tiramos um pensamento de Jean-Jacques Rousseau: não foi a natureza que concentrou a população e construiu Lisboa. Os terremotos acontecem e se não existissem casas e pessoas em sua área de influência, nada de ruim teria ocorrido.
Aplicar técnicas modernas de monitoramento de perigos naturais na identificação de zonas de riscos, estabelecer e cumprir normas na ocupação do solo, exigir construções mais seguras e treinamentos periódicos de moradores sujeitos ao perigo são ações que podem reduzir a vulnerabilidade dos grandes aglomerados populacionais. Agindo dessa forma, muitas comunidades sob perigo no Japão, Nova Zelândia e na Califórnia vivem sob risco aceitável. Planos dessa natureza exigem recursos tecnológicos e econômicos custosos, difíceis ou quase impossíveis de serem integralmente praticados por países com recursos escassos. Justamente neles, as cidades são mais expostas ao perigo e a atração para o desastre é permanente. Mesmo assim, um mínimo deveria ser feito, pois os mais humildes são sempre os menos assistidos.
Em futuro não distante, os sismólogos acreditam que será inevitável a ocorrência de terremotos fortes nas proximidades das áreas urbanas de São Francisco, Tóquio e Istambul. Seattle, na costa ocidental americana, é outro alvo. Devido à alta concentração populacional, particularmente nas três primeiras cidades, os desastres deverão ser severos, mas sua verdadeira grandeza dependerá enormemente de como essas cidades se preparam para receber o impacto das ondas sísmicas e de seus subseqüentes efeitos.
Nada indica que a freqüência dos terremotos vem aumentando, mas é inconteste o crescimento da população mundial e nos países menos desenvolvidos ela acontece com maior rapidez. O mundo está mais vulnerável. O aumento de perdas materiais, de vidas humanas e da dramaticidade dos desastres tende a crescer se não ocorrer mudanças radicais na maneira de enfrentar este e outros tipos de fenômenos naturais.
Alberto Veloso é geólogo e criador do Observatório Sismológico da UnB. Trabalhou na Organização das Nações Unidas, em Viena (Áustria), na montagem de uma rede mundial de detecção de explosões nucleares.
Artigo socializado pela UnB Agência e publicado pelo EcoDebate, 27/01/2010
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