Terremotos: O desafio mais difícil, interpretar os tremores antes do ‘Big One’ da Califórnia
Califórnia: zonas em vermelho indicam maior potencial de ocorrência de terremotos
Mesmo que seja de escasso conforto para as vítimas do terremoto do Haiti, a sismologia está dando alguns pequenos passos adiante na pesquisa daquilo que parece ser, de momento, irrealizável, ou seja, conseguir antecipar acontecimentos aterrorizantes como o de terça-feira passada. Novos estudos sobre os episódios de deslocamentos ultralentos que se verificam nas profundezas da Terra estão fornecendo alguns indícios promissores.
A reportagem é de Simon Winchester, publicada no jornal La Repubblica, 17-01-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os estudos mais interessantes são os que estão sendo realizados, lentamente e com custos altos, em Parkfield, na Califórnia. No subsolo, justamente em correspondência com a falha de Santo André que se estende por 1.287 quilômetros ao longo das margens da placa tectônica norte-americana e da placa pacífica, foi escavado um buraco muito profundo.
Os pesquisadores responsáveis pelo programa de perfuração se propõem a descobrir o que ocorre precisamente no ponto de contato entre as duas placas. Pareceria quase plausível que os pequenos tremores não vulcânicos de baixíssimo impacto, porém relevantes, que os pesquisadores registraram em profundos furos de sonda abaixo da falha de Santo André, estejam de algum modo associados aos devastadores terremotos que se verificam em profundidas menores e portanto sobre eles.
Particularmente, os cientistas gostariam de determinar se é possível identificar alguma característica dos tremores não vulcânicos que ocorrem nas profundezas da crosta terrestre com alguma antecipação com relação ao início de um forte terremoto, de forma a explorar utilmente a margem de pré-aviso.
Isso teria sido muito importante para o desastre ocorrido no Haiti, porque a falha chamada Enriquillo-Plantain Garden – a direta responsável pelo terremoto de terça-feira passada – apresenta muitos pontos em comum com a falha de Santo André: é uma falha que separa duas placas (a norte-americana e a caribenha), na maior parte da sua extensão é, ao mesmo tempo, estável e submetida a fortes tensões e pressões e, mais ou menos uma vez a cada século, é submetida a um considerável esforço de corte. (A última vez ocorreu em 1907, na Jamaica. Desde então, os cientistas haviam avisado que um dia – não bem especificado – uma catástrofe acabaria envolvendo Porto Príncipe).
É extremamente provável que os tremores não vulcânicos de baixo impacto encontrados na falha de Santo André tenham ocorrido também no Caribe: se se acertasse com segurança essa correlação entre os tremores e os terremotos, então a ciência estaria próxima de alcançar algo extremamente importante. Neste momento, porém, essa correlação ainda não foi descoberta. Mas os tremores em questão parecem ter algumas características insólitas, que fazem deles verdadeiros alarmes: por exemplo, neste momento evidenciou-se uma correlação entre a sua ocorrência e fenômenos externos como as marés e as fases lunares.
Um relatório com os movimentos dentro da crosta terrestre é, pelo menos, uma possibilidade posterior, algo que, há cinco anos, ainda não se podia supor. Por isso, o vago brilho de esperança de se poder fazer progressos.
Se um dia os geólogos estivessem convictos dessa suposta correlação e localizar com equipamentos levados até as profundezas da Terra um imprevisto enxame de tremores não vulcânicas, eles chamariam os prefeitos de San Francisco ou de Los Angeles para que tomem providências oportunas, alertando a população? Os prefeitos ordenariam verdadeiramente uma evacuação de massa? E se o fizessem, e depois o evento anunciado pelos cientistas não se verificasse?
Essas são todas perguntas que vale a pena se colocar, particularmente com relação a um país que, em muitos aspectos, progrediu menos que a Califórnia. Se uma quantidade semelhante de notícias fosse confirmada em correspondência à falha Enriquillo-Plantain Garden, os geólogos procurariam avisar os habitantes de uma cidade como Porto Príncipe? E se as suas previsões se revelassem corretas, o seu pré-aviso serviria verdadeiramente para salvar vidas humanas ou desencadearia um pânico tal que se transformaria em algo mais letal do que o próprio terremoto?
O ramo da sismologia que se ocupa de previsões está, sem dúvida, um pouco mais à frente de como estava há cinco ou seis anos, mas enquanto ele se aproxima de realizar o impossível surgem novas perguntas, e as respostas chegam com muita lentidão para serem de verdadeiro conforto para qualquer um.
A ilha apoiada entre duas falhas
Se a ciência ainda não é capaz de prever quando um terremoto irá ocorrer, ela é capaz de estabelecer com absoluta precisão o local. O fato de Porto Príncipe ser uma cidade de altíssimo risco sísmico é muito conhecido. A capital haitiana surge exatamente ao longo da falha de Enriquillo-Plaintain Garden, uma longa fratura que se desloca meridionalmente à ilha de La Española, ao longo da interseção entre a placa norte-americana e a caribenha. É exatamente aqui que, na terça-feira passada, verificou-se o terrível tremor de magnitude 7, o mais forte registrado nos últimos 100 anos e comparável apenas ao que, em 1995, devastou a cidade japonesa de Kobe.
O epicentro ocorreu a 10-15 quilômetros de Porto Príncipe, e a fratura chegou até a cidade. Um “golpe” violentíssimo que só graças à alta barreira montanhosa e à grande distância que as separa (entre as duas capitais há 250 quilômetros) não chegou a levar o seu carregamento de destruição até a República Dominicana.
Mas nem os dominicanos podem dormir tranquilos. Ao norte da ilha de La Española, com um percurso que toca principalmente o território dominicano, corre uma outra falha que, antes ou depois, fará a terra tremer violentamente, assim como já fez outras vezes no passado. O percurso segue o do valo de Cibao, passando pelos arredores de dois grandes centros habitados: Puerta Plata e San Francisco.
“A ilha de La Española está localizada entre duas placas tectônicas – explica Michael Blanpeid, coordenador do escritório de riscos sísmicos do Instituto Geológico Norte-Americano –, a placa da América do Norte e a Caribenha, que espremem a ilha”. “Essa – lembrava há alguns dias Jian Lin do Woods Hole Oceanographic Institution de Massachusetts – é uma das zonas sísmicas mais ativas do mundo. Os sismólogos não deveriam estar surpresos com esse terremoto”.
(Ecodebate, 19/01/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta utilizar o formulário abaixo. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
Participe do grupo Boletim diário EcoDebate |
Visitar este grupo |
Fechado para comentários.