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Escorregamento de encostas: Tragédia anunciada, artigo de Luiz F. Vaz

Angra dos Reis (RJ) - Vista do Morro da Carioca, no centro de Angra, onde 21 pessoas morreram por causa do deslizamento. Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
Angra dos Reis (RJ) – Vista do Morro da Carioca, no centro de Angra, onde 21 pessoas morreram por causa do deslizamento. Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr

[O Estado de S.Paulo] Os escorregamentos que afetaram a região de Angra dos Reis (RJ) chamaram a atenção pelo impacto emocional, porém trata-se de um problema recorrente. Há pouco tempo processos similares assolaram a região de Blumenau-Itajaí (SC). Dificilmente transcorre um período chuvoso sem que escorregamentos interrompam estradas, derrubem casas e provoquem mortes na Região Sudeste.

O que há de comum nessa região é o relevo acidentado e as chuvas intensas, em ambos os casos, decorrentes da formidável muralha da Serra do Mar e, entre São Paulo e Rio, da sua irmã, a Serra da Mantiqueira. Em muitos locais dessas serras as encostas têm forte inclinação e a vegetação original, constituída por densa floresta, foi removida e substituída por pastagem ou vegetação secundária, estradas foram construídas e os morros foram ocupados por barracos, casas, barracões e até mesmo prédios.

Esses fatores, encostas de forte declividade e ocupação humana, associados a chuvas contínuas e intensas, têm papel determinante na deflagração da maioria dos escorregamentos. Eles vêm sendo estudados desde o início da década de 1950, depois que foram construídas as primeiras usinas hidrelétricas de Cubatão (SP) e Nilo Peçanha (RJ), ambas atingidas por escorregamentos. Em 1928 um violento deslizamento afetou o Monte Serrat, em Santos, matando 60 pessoas e demolindo parte da Santa Casa, em consequência dos mesmos agentes.

O pior, porém, estava à frente. Em janeiro de 1967 uma área com cerca de 30 km de diâmetro, na região da Serra das Araras, com centro na Via Dutra, foi submetida a chuvas muito fortes depois de chuvas contínuas. Dezenas de escorregamentos ocorreram nas encostas provocando muita destruição e mais de 1.200 mortes, até hoje o evento natural de maior letalidade. Dois meses depois, em março, o processo repetiu-se nas proximidades de Caraguatatuba, matando 120 pessoas e destruindo 400 casas no seu caminho para o mar, ainda hoje enlameado.

O que chama a atenção nestes dois últimos casos, além da violência das chuvas, é a ocupação praticamente nula na área de Caraguatatuba atingida pelos escorregamentos. Das mudanças climáticas, culpadas pelos apressados de todos os males da Terra, nem se ouvia falar. Tampouco foi vingança divina por causa da devassidão, pois naquela época aos jovens era permitido, quando muito, dançar de rosto colado. Em síntese, mesmo sem ocupação humana, os escorregamentos acontecem, pois, na realidade, são processos naturais da evolução do relevo terrestre.

Então, estamos condenados a ficar afastados dos morros e das belas praias que eles escondem? A resposta é não, mas medidas devem ser tomadas, a mais importante delas, a avaliação da suscetibilidade ao escorregamento, também denominada risco geológico. Essa avaliação permitirá definir se a área é propensa a escorregamentos ou não. Além disso, serão identificados os cuidados necessários, além dos sistemas de monitoramento capazes de antecipar situações de alerta.

Se tais mecanismos existem e são conhecidos dos geólogos e engenheiros, por que, anualmente, os escorregamentos continuam a ceifar vidas, sonhos e benfeitorias? A resposta é simples: quase ninguém faz esse tipo de estudo. O aparato estatal não dispõe de serviços geológicos (ou, quando dispõe, as verbas são escassas) e tampouco de legislação adequada. Um bom exemplo da eficiência desses estudos foi o trabalho desenvolvido na região de Cubatão pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), contratado pelo governo estadual para analisar os escorregamentos na Serra do Mar. O IPT desenvolveu um amplo estudo, definindo as zonas de risco e a intensidade das chuvas capazes de deflagrar escorregamentos. Equipamentos para medir a precipitação foram instalados, fornecendo à Defesa Civil limites de atenção para tomar providências, como fechar estradas e evacuar as áreas críticas. Mas, por deficiência da legislação, o Estado não conseguiu impedir o crescimento dos bairros-cota que ocupam áreas de tálus, uma das principais zonas de risco da Serra do Mar.

Os geólogos, acostumados com a vastidão do tempo, lamentam-se quando chamados a diagnosticar as causas de um escorregamento e propor medidas de remediação. Há pouco a fazer, geralmente a evacuação de casas e o controle do escoamento das águas. Muito raramente há uma convocação para evitar os acidentes, identificar as áreas de risco e restringir a ocupação às áreas viáveis.

Por se tratar de um processo natural, os deslizamentos de solo e rocha são previsíveis e, consequentemente, deveriam, obrigatoriamente, ser objeto da atenção dos poderes públicos, a exemplo do que acontece com outros eventos naturais, como a gripe suína, por exemplo. Como não existem serviços geológicos, municipais ou estaduais, capazes de estudar e avaliar os riscos geológicos, não há políticas públicas de longo prazo nem órgãos responsáveis pela prevenção.

Os escorregamentos equivalem, para o Sudeste, aos terremotos dos países com atividade sísmica. Têm a vantagem de ser menos destrutivos e mais facilmente previstos, porém são letais da mesma forma. Os países sísmicos despendem milhões anualmente em sofisticados sistemas de monitoramento e, mais cedo ou mais tarde, vão conseguir se prevenir quanto aos terremotos. Aqui, temos disponível a tecnologia de prevenção dos escorregamentos, desenvolvida por nós mesmos, com um custo sensivelmente inferior, porém não a aplicamos por desconhecimento e inação dos governos.

E assim prosseguimos com essa tragédia anunciada, permitindo que pessoas saudáveis e felizes sejam soterradas enquanto dormem, ano após ano.

Luiz F. Vaz, geólogo, professor convidado do Instituto de Geociências da Unicamp, é presidente da Associação de ex-Alunos de Geologia da USP

Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 14/01/2010

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