Artigo destaca resíduos sólidos da construção civil (entulho) como possível foco de dengue
Entulho da contrução civil. Foto do Planeta Sustentável
O grande volume de chuvas e o aumento da temperatura são fatores que, por si só, potencializam a proliferação de focos geradores de endemias. Somado a isso, a expansão imobiliária aumenta cada vez mais a geração de entulho que, por muitas vezes, é depositado a céu aberto em terrenos, praças e caçambas por toda a cidade. Preocupada com a relação entre as epidemias de dengue e o acúmulo de entulho, a aluna de doutorado em saúde pública da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) Angela Sampaio, publicou o artigo “Dengue, related to rubble and building construction in Brazil“.
O artigo, que contou com a orientação da pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Ensp, Débora Cynamon Kligerman, e do pesquisador da Fundação João Pinheiro, Silvio Ferreira Júnior, como coautores, é o primeiro fruto do projeto de doutorado de Angela (Reciclagem de entulho da construção civil como medida de prevenção e controle da epidemia da febre de dengue), tendo sido publicado na revista científica especializada em geração de resíduos Waste Management.
Por que a geração e a destinação de resíduos sólidos são problemas urbanos e se tornaram uma questão de saúde pública?
Angela Sampaio: Em todas as metrópoles mundiais, o crescimento populacional e econômico tem acelerado a expansão imobiliária, e com isso aumentado a quantidade de resíduos sólidos continuamente gerados pelos diversos setores e atividades da sociedade. Hoje, no Rio de Janeiro, cerca de 60% do total dos resíduos sólidos são provenientes da construção civil. O aterro sanitário de Jardim Gramacho, localizado em Duque de Caxias, gerenciado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), recebe cerca de 7 mil toneladas de lixo por dia e está chegando ao ponto de saturação. Assim, medidas devem ser tomadas para a redução do entulho gerado na região e ser contemplada a reciclagem.
No entanto, nem todo o entulho gerado é recebido por intermédio da Comlurb ou de seus eco-pontos descentralizados pela cidade. Muitas vezes, o material é despejado em terrenos baldios e a céu aberto. O descarte clandestino desses resíduos vem provocando graves impactos ambientais, sociais e econômicos. Muitas vezes, os materiais produzidos pelas obras não são retirados dos locais de imediato, atraindo outros tipos de despejo, e os mais diversos objetos são descartados nessas áreas. Então, acontece um significativo acúmulo de material ao redor das áreas em construção. Com a incidência das chuvas, esses locais inevitavelmente se tornam focos de proliferação de Aedes aegypti, o vetor da dengue.
Não existem leis para normatizar as ações de geração e destinação dos resíduos sólidos?
Angela: Sim, elas existem. Primeiramente, gostaria de ressaltar que há materiais que não podem ser tratados como entulho da construção civil e nem todo o descarte de obras é considerado como resíduo da construção civil passível de reciclagem. O embasamento legal para a prática da reciclagem de entulho da construção civil é a resolução Conama Nº 307, de 5 de julho de 2002, acrescida das legislações estaduais e dos planos municipais de gerenciamento de resíduos sólidos da construção civil, que estabelecem as diretrizes, critérios e norteiam os procedimentos para a gestão do entulho da construção, que também são regulamentados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). No entanto, as ações relativas à reciclagem sistemática ainda não foram efetivamente implementadas neste estado.
Como surgiu a ideia desta investigação?
Angela: Desde 2007 trabalho com a questão do entulho, quando me tornei colaboradora do projeto Avaliação da reciclagem de entulhos da construção civil no Estado do Rio de Janeiro como proposta à gestão de resíduos sólidos mais sustentáveis, coordenado pela Débora Cynamon Kligerman e financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O foco nessa pesquisa primeiramente foi analisar a existência da reciclagem de entulho nos municípios do Estado do Rio de Janeiro, em atendimento à resolução Conama 307, e com base na constatação da pouca reciclagem de entulho, apesar da grande geração, e paralelamente a identificação de uma elevada taxa de incidência e da percepção pelas pesquisadoras de uma considerável relação entre a alta geração de entulho sem o tratamento adequado e a taxa de incidência de dengue.
Qual é o principal objetivo da pesquisa para a elaboração do artigo?
Angela: A ideia desse trabalho é ressaltar a importância da implantação de sistemas de gerenciamento e reciclagem do entulho da construção civil no município do Rio de Janeiro como uma medida eficaz de saneamento. Além disso, pensar nesse gerenciamento também como uma medida copromotora da redução dos agravos relacionados ao dengue e fomentadora de inclusão social e desenvolvimento econômico local.
Quais os principais fatores de inter-relação encontrados no estudo?
Angela: No Rio de Janeiro, temos problemas com a destinação e geração do entulho. Concomitante a isso, convivemos também com a situação endêmica da dengue. No Brasil, poucos estados não apresentaram incidência dessa doença. Segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil (Sesdec), no Rio de Janeiro, em 2008, mais de 200 mil casos foram notificados, e esses resultaram em cerca de 200 óbitos. Só o município do Rio concentrou uma média de 50% dos casos totais do estado.
As evidências encontradas sugerem que há relação significativa entre as taxas de incidência da doença e o acúmulo de resíduos provenientes da construção civil no município, bem como o coeficiente de correlação entre as taxas de incidência de dengue e a área construída por áreas de planejamento (AP). Nos anos de 2007 e 2008, a AP 4, que contempla os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, apresentou a maior área de concentração de área construída. Lá também foi verificado o segundo maior nível de incidência de dengue e o segundo maior em termos de taxa de incidência. A AP, que abrange a área do Centro, ficou em primeiro lugar, mas lá está concentrado um grande número de unidades hospitalares de referência para todo o estado, como o Hospital dos Servidores, Hospital Municipal Souza Aguiar e o Instituto Nacional do Câncer. Por isso, acredita-se que grande parte dos casos notificados nessa área, na verdade, sejam provenientes de outras localidades.
Nessa mesma epidemia, a área menos atingida foi a AP 2.1, que abrange os bairros da Glória, Catete, Laranjeiras, Flamengo, Botafogo, Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico e adjacências. Nessas localidades, a urbanização está mais bem consolidada. Por isso apresentou a menor área total construída, o que implica menor geração de entulho da construção civil. Com esses dados, podemos afirmar que a expressiva correlação verificada neste estudo sugere que as localidades que apresentam presença mais intensa da construção civil também apresentam maior incidência de dengue, e vice-versa.
Que medidas podem ser adotadas para solucionar a questão da gestão de resíduos?
Angela: É urgente e necessária a adoção de processos efetivos de reciclagem do entulho da construção civil. Isso não só contribuirá para atenuar o surgimento de situações epidêmicas como também proporcionará economia de recursos financeiros em virtude das quedas esperadas no número de casos notificados em endemias causadas por vetores.
Além do cumprimento das leis que estão em vigor, durante a epidemia de dengue de 2008, a Sesdec divulgou textos educativos voltados para a população. A promoção da educação ambiental e da mobilização da população também são ações fundamentais.
Outra questão relevante é acabarmos com o ainda existente preconceito que vemos por grande parte da sociedade sobre a questão do uso e da qualidade dos materiais ou produtos resultantes de objetos reaproveitados. Os sete R – reeducar, reduzir, reutilizar, reciclar, repensar, recusar, recuperar – estão aí para serem utilizados e podem ajudar nesse processo. Em países como França e Espanha, o concreto reciclado é normalmente comercializado e utilizado.
Entrevista realizada pela Agência Fiocruz de Notícias e publicada pelo EcoDebate, 13/01/2010
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