Estudo mostra a complexidade e a indeterminação da classificação por cor/raça
Segundo os autores, a cor/raça de um indivíduo resulta de um processo complexo e subjetivo de negociação da identidade, com dimensões históricas, socioculturais, educacionais, econômicas e de gênero
Muitos estudos, no Brasil e no mundo, se baseiam em entrevistas nas quais, entre os dados coletados, está a informação sobre a cor/raça dos entrevistados. Mas, diferentemente do que se imagina, essa informação não é neutra: a classificação de cor/raça depende do contexto social, cultural e histórico, perpassa aspectos subjetivos e é carregada de indeterminação. É o que defende um artigo publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. Num estudo quantitativo, os autores verificaram como as características de entrevistadores e entrevistados interferem na informação sobre cor/raça dos próprios entrevistados.
A pesquisa foi conduzida na cidade de Pelotas (RS) e contou com a participação de cerca de 3 mil moradores, que receberam visitas domiciliares de entrevistadoras. A cor/raça dos participantes foi avaliada de duas formas diferentes: por auto-classificação e a partir da observação das entrevistadoras (heteroclassificação), de acordo com as categorias branca, parda, preta, amarela e indígena do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Por autoclassificação, a amostra da pesquisa era composta por 75,3% de brancos, 7,1% de pardos e 13,6% de pretos. Já a partir da observação das entrevistadoras, havia 80,0% de brancos, 5,8% de pardos e 13,9% de pretos. Ainda de acordo com as entrevistadoras, havia apenas dois amarelos na amostra, e indígenas e outras categorias de cor/raça representavam apenas 0,2% e 0,1% dos participantes, respectivamente. No entanto, pela autoclassificação, a amostra era constituída por 25 (0,8%) de amarelos, 1,1% de indígenas e 1,9% de indivíduos em outras categorias de cor/raça, tais como “moreno”, “alemão” e “mestiço”.
O artigo – assinado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas e da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) – também avaliou as associações entre a cor/raça de entrevistadoras e entrevistados. Verificaram que entrevistados de ambos os sexos com 40 anos ou mais tinham uma chance 2,1 vezes maior de se autoclassificarem como pardos do que como brancos quando as entrevistadoras eram pretas, em comparação às brancas. Para entrevistados com 40 anos ou mais do sexo masculino, a diferença foi ainda mais acentuada: eles tinham uma chance 2,8 vezes maior de se autoclassificarem como pardos naquela mesma situação.
Além disso, entrevistados com 40 anos ou mais do sexo masculino tinham uma chance cinco vezes menor de se autoclassificarem como pretos do que como brancos quando as entrevistadoras eram pretas, em comparação às brancas. Por outro lado, entrevistadoras pretas, em relação às brancas, tiveram uma chance 2,5 vezes menor de classificarem homens de 40 anos ou mais como pretos do que como brancos.
“As diferenças na distribuição da população de acordo com a autoclassificação e a heteroclassificação de cor/raça, assim como as associações entre a cor/raça de entrevistadoras e entrevistados, enfatizam o caráter contingente desse tipo de classificação no Brasil”, dizem os autores no artigo. “Longe de uma essência imutável, a cor/raça de um indivíduo resulta de um processo complexo e subjetivo de negociação da identidade, envolvendo dimensões históricas, socioculturais, educacionais, econômicas e de gênero”.
Nesse sentido, os pesquisadores lembram que a autoclassificação de cor/raça pode levar em conta critérios como ancestralidade, história familiar e pertencimento étnico-cultural, diferentes dos usados pelos entrevistadores. Os autores destacam, ainda, que a classificação de cor/raça não é independente das características dos entrevistadores: tais características influenciam o processo classificatório e, consequentemente, interferem nos resultados dos estudos. “Isto é, não existe situação neutra”, ressaltam.
O artigo chama a atenção para algumas limitações da pesquisa, como não haver entrevistadores homens, os entrevistados não terem classificado a cor/raça dos entrevistadores e a cidade estudada apresentar elevada proporção de moradores auto-classificados como brancos. Apesar dessas limitações, o estudo atinge seu objetivo de mostrar a complexidade da caracterização por cor/raça. “É crucial que a validade e a confiabilidade da classificação por cor/raça não sejam assumidas de modo irrefletido e ingênuo”, concluem os pesquisadores.
Reportagem de Fernanda Marques, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 12/01/2010
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