‘Custo’ do desenvolvimentismo a qualquer preço: História da Rio-Santos é a crônica dos deslizamentos de terra
Angra dos Reis (RJ) – A Estrada do Contorno, o único acesso à localidade de Vila Velha, foi bloqueada por diversas quedas de barreira entre a noite do dia 31 e a madrugada do dia 1º, deixando os moradores isolados por cerca de quatro dias Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
A ligação rodoviária entre o Rio de Janeiro e Santos, concluída efetivamente em 1971 em seus mais de 500 quilômetros (km), é a crônica de erros repetidos com perseverança e muita teimosia, como se depreende dos registros históricos e da lembrança de antigos engenheiros que acompanharam a construção dessa estrada, vítima de deslizamentos de encosta a qualquer chuva mais forte.
É o caso de Geraldo Gayoso, de 81 anos, atual diretor técnico do Píer Mauá, consórcio que administra o Porto do Rio de Janeiro, testemunha da insistência de autoridades municipais e federais em construir a estrada em terreno francamente adverso e da maneira menos recomendada.
“A estrada atravessa áreas de taludes muito inclinados e com vegetação muito densa. Para fazer a obra, desmatou-se e cortou-se a serra, construindo-se platôs de concreto para o leito da estrada”, lembra o engenheiro.
O resultado foi o enfraquecimento do terreno pela retirada da vegetação natural e a sobrecarga do solo abaixo dos platôs, o que reflete nos deslizamentos e nos rompimentos do asfalto nas épocas de chuvas. Há meio século, as técnicas de engenharia não permitiam prever problemas que hoje parecem óbvios, mas a estrada foi aberta em ritmo lento, ao longo de décadas e décadas, até o ano de 1971, o que permitiria correções, observa Gayoso.
“O projeto original estava errado a partir da opção do desmatamento e dos platôs. A estrada deveria abrir túneis na rocha e viadutos onde fosse possível. Isto, com as obras de geotécnica para a contenção de encostas, seria a opção correta e até mais barata, considerando-se os prejuízos materiais e as perdas humanas dos deslizamentos e rachaduras na estrada”.
Não é uma coincidência o fato de a abertura da Rio-Santos ter inaugurado, também, o desenvolvimento urbanístico de Angra dos Reis e Paraty. Até então quase inacessíveis, as duas cidades experimentaram, a partir dos anos 70, um grande crescimento imobiliário.
Foi no governo Juscelino Kubitschek que alguns trechos da Rio-Santos começaram a rasgar a serra, serpenteando nas alturas, bem junto ao mar. A motivação principal dos prefeitos da região era integrar-se à onda desenvolvimentista nacional, vencendo as dificuldades topográficas com os instrumentos de que dispunham.
Nos primeiros anos do regime militar, a pressão municipal sobre o governo federal se fez mais forte, baseada na nova ordem e no seu caráter autoritário e centralizador. O então Ministério de Viação e Obras Públicas, hoje dos Transportes, era chefiado pelo general Juarez Távora, da inteira confiança do general-presidente, Castello Branco. Geraldo Gayoso, secretário particular do ministro, conduziu ao gabinete um grupo de oito prefeitos da região sul-fluminense, eles queriam verba para concluir a Rio-Santos.
“Juarez deu um soco na mesa e encerrou a reunião com dois argumentos: primeiro, os prefeitos já estavam servidos pela Via Dutra, pela ferrovia Rio-São Paulo e pelos portos de Santos e do Rio de Janeiro. E, segundo, não respeitavam a origem nordestina do ministro, do interior cearense, onde não havia estrada nem para a população buscar água”.
Alguns anos depois, a argumentação se revelou frágil diante da sede desenvolvimentista do regime militar, sobretudo do Programa Nuclear cujas usinas estavam previstas para Angra dos Reis. A ligação rodoviária Rio-Santos deixou de ser reclamação de uns poucos prefeitos e se tornou imposição estratégica.
Uma vez aberta, a estrada trouxe o turismo, a ocupação do solo e a explosão imobiliária, para Angra dos Reis, fundada em 1502 e que viveu épocas de apogeu no ciclo do ouro e depois no ciclo da cana-de-açúcar, até a libertação dos escravos. Cidade que a partir de 1888, voltou ao sossego natural, interrompido em definitivo na década de 1950.
Reportagem de Luiz Augusto Gollo, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 07/01/2010
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