Flagelados pelo clima: Em nove anos um terço da população mundial foi vítima do aquecimento do planeta
Foto: Moises Saman/The New York Times
Enquanto chefes de Estado debatem o texto final sobre as mudanças climáticas, os países atingidos por fenômenos naturais cobram uma solução concreta.
As perdas econômicas decorrentes dos desastres naturais relacionados às mudanças climáticas somaram US$ 863 bilhões entre 2000 e este ano, segundo o Centro de Pesquisas Epidemiológicas de Desastres (Cred), organização ligada à Universidade Católica de Louvain, em Bruxelas. De acordo com o Cred, no mesmo período, foram 3.770 ocorrências, que mataram 778,7 mil pessoas e afetaram 2,1 bilhões, um terço da população mundial.
Os números não apenas mostram a urgência de um acordo global até amanhã, em Copenhague, onde ocorre a 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre as Mudanças Climáticas (COP-15), bem como a necessidade real de se falar em financiamento para adaptação e mitigação a longo prazo, um dos graves entraves do encontro. A única proposta aventada até agora partiu da União Europeia, que disse que poderia dispor de algo em torno de US$ 20 bilhões por ano para ajudar os países mais pobres. O que, num prazo como o avaliado pelo Cred, significaria o retorno de 22% do que foi perdido com as catástrofes em nove anos. Reportagem de Cristiana Andrade, no Correio Braziliense.
Este ano, 58 milhões de pessoas foram prejudicadas, de alguma forma, por desastres ambientais. Foram 245 eventos, dos quais 224 relacionados à água. Onze milhões de pessoas foram atingidas por enchentes, houve 8.919 mortes, e os prejuízos chegaram a US$ 19 bilhões, segundo o Cred. Os dados foram compilados entre janeiro e novembro deste ano. No Quênia, 3,8 milhões de pessoas precisam de alimentos e assistência. A Ásia é outro continente especialmente vulnerável a tempestades e enchentes. Entre janeiro e novembro, 48 milhões de pessoas foram afetadas por eventos relacionados à água. No Brasil, as mudanças climáticas já são percebidas em várias regiões, como as últimas chuvas torrenciais no Sul, em Minas e no Rio da Janeiro. Por outro lado, a seca no Nordeste tende a se agravar nas próximas décadas.
Segundo a representante especial das Nações Unidas para Redução de Riscos em Desastres (UNISDR), Margareta Wahlström, as estatísticas de 2009 são um pouco melhores comparadas a anos anteriores — em 2007, 178 milhões de pessoas foram atingidas por enchentes, e, no ano passado, 45 milhões. Mas ela diz que os fenômenos climáticos extremos continuam ocupando o primeiro lugar da lista de preocupações da UNISDR. “Além disso, eles vão continuar afetando metade da população mundial que está altamente exposta e vive nas regiões costeiras”, disse.
Sofrimento
Ulric Trotz, que mora na Guiana e pertence ao Centro de Mudança Climática da Comunidade Caribenha, teme que a piora dos tufões, enchentes e outros eventos extremos dizimem comunidades inteiras. “Estamos muito preocupados, pois já temos perda e sofrimento. Não podemos deixar que a temperatura global aumente em 2ºC. No ano passado, tivemos de importar 50% de óleo combustível. Precisamos desenvolver tecnologias e nos adaptar.”
Para Raja Jarrah, assessor de Mudanças Climáticas da Care International, organização não governamental que atua em vários países do mundo, inclusive no Brasil, com ajuda humanitária, a questão dos refugiados ambientais tende a piorar se as medidas não forem tomadas em tempo. Ele diz que os projetos da Care tentam manter o homem no campo, fazendo com que se adapte localmente. Mas, quando o problema estoura, seja por um evento climático, seja por guerra pela água ou pela terra, são criados os campos de refugiados, onde a organização dá ajuda pontual.
“Temos priorizado as ações de maior magnitude, principalmente na zona semiárida da África (Sudão, Senegal, Mali, Burkina Fasso, Costa do Marfim, entre outras). Ali, ajudamos a comunidade a ter um elo melhor de venda com os compradores de carne ou de grãos; para que não passem fome, ensinamos como estocar a carne seca, orientamos a não deixar o gado solto, pastando sempre no mesmo lugar. Mas o grande desafio é que as consequências das mudanças climáticas também são de longo prazo, e nos próximos 20 e 30 anos tendem a piorar. Esse é o desafio: essas comunidades travam guerras diárias para comer, para sustentar sua família, para encontrar água. Então, tentamos conscientizar sobre essas alternativas para o dia-a-dia, com a questão ambiental, mas não é nada fácil”, reconhece.
Mergulho no caos
Quanto mais se aproxima o fim da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), maior a sinalização de que não sairá da Dinamarca nenhum acordo satisfatório. A tensão aumentou ontem, e os ministros tiveram de trabalhar num ambiente caótico, com protestos do Brasil, da Índia e do Tuvalu, que comparou o evento ao naufrágio do navio Titanic. Durante a manhã, 170 pessoas foram detidas pelo controle de segurança do Bella Center, incluindo o negociador-chefe da delegação brasileira, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Nas reuniões, foi decidido que o primeiro-ministro da Dinamarca, Lars Loekke Rasmussen, assumiria a presidência das negociações do clima, em substituição à ministra do Meio Ambiente Connie Hedegaard, que passará a coordenar as conversações informais. Rasmussen será o presidente da fase final das negociações, que serão concluídas na sexta-feira com um encontro de quase 120 chefes de Estado e de Governo, segundo Yvo de Boer, principal funcionário da ONU para a questão climática. Não se deve esperar, porém, grandes avanços. O primeiro-ministro australiano(1), Kevin Rudd, disse que “não há garantias de êxito”. Por sua vez, o premiê britânico, Gordon Brown, afirmou à BBC que será muito difícil fazer um acordo.
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, definiu a quarta-feira como “o dia da ‘colchetação’”, referindo-se aos espaços em branco no texto de negociações, que ainda precisam ser discutidos. Porém, apostou que tudo dará certo. “Esperamos que as coisas estejam bem. Sempre perto do final, em qualquer negociação, há uma intensificação. Não significa que não vai dar certo”, afirmou.
No plenário da conferência, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aproveitou para discursar e culpar o capitalismo pela atual situação climática. “Os ricos estão destruindo o planeta”, disse. Chávez, que foi um dos primeiros chefes de Estado a chegar à COP-15, aludiu à ausência de seu colega americano Barack Obama, que só chega na sexta-feira. “Pode-se dizer que um fantasma percorre as ruas de Copenhague e acho que ele anda entre nós, nesta sala, um fantasma espantoso que quase ninguém quer nomear é o capitalismo”, afirmou, enfatizando a responsabilidade dos países industrializados no aquecimento global.
“Mãe Terra”
Já o presidente boliviano, Evo Morales, anunciou que está promovendo com as Nações Unidas a aprovação de uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, assim como a criação de um tribunal de justiça climática. Assim, afirmou, “os países com industrialização irracional pagarão a dívida que têm para com o planeta”. “Venho, em nome dos povos indígenas que sempre viveram em harmonia com a natureza, defender os direitos da Mãe Terra”, disse.
Do lado de fora do Bella Center, a confusão foi entre manifestantes e policiais. Mais de 100 pessoas foram presas, quando tentavam avançar em direção à sede da conferência. “Nosso objetivo é entrar no Bella Center por outras vias e sem violência”, declarou Peter Nielsen, porta-voz dos ativistas. Porém, a polícia não permitiu. Entre 700 e 800 pessoas tentaram avançar até a entrada da conferência, mas enfrentaram um grande dispositivo policial. Os manifestantes se dispersaram para tentar desorganizar as forças, mas não conseguiram. Depois de uma rápida confusão e do uso de gás lacrimogêneo, eles foram detidos, algemados e colocados no chão.
1 – Ajuda para florestas
Austrália, França, Japão, Noruega, Inglaterra e Estados Unidos anunciaram uma ajuda imediata de US$ 3,5 bilhões em três anos para a luta contra o desflorestamento, responsável por 20% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Em comunicado comum, os seis explicam que esperam, dessa forma, “vencer e, se possível, derrubar o desmatamento nas nações em desenvolvimento”.
EcoDebate, 18/12/2009
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