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COP 15: Em Copenhague, na undécima hora, artigo de Washington Novaes

COP 15

[O Estado de S.Paulo] Embora o tom do noticiário tenha ficado mais otimista ? ou menos pessimista ? nas últimas duas semanas, chega-se às vésperas da abertura da reunião da Convenção do Clima, em Copenhague, marcada para a próxima segunda-feira, em meio a incertezas ainda muito acentuadas. Não há nenhum acordo geral sobre metas de redução de emissões de gases poluentes da atmosfera; não há definição para um indispensável tratado entre as mais de 190 nações signatárias da convenção, que torne obrigatório o compromisso de redução em cada uma; não há acordo entre países industrializados, países emergentes e o G-77 sobre esses compromissos; não há definição sobre quanto os países ricos destinarão aos outros, para que se adaptem às mudanças climáticas já em curso, nem sobre que tecnologias transferirão para isso aos países mais pobres. E não há definição sobre os rumos do Protocolo de Kyoto e do mercado mundial de carbono, que dele depende.

Ainda assim, nos últimos dias o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que “um acordo está ao alcance” (Reuters, 29/11). E Yvo de Boer, secretário-geral da convenção, afirmou que “virão resultados concretos”, porque, a seu ver, agora “é tudo ou nada”, ricos e pobres terão de reduzir as emissões. Mas com nuances entre uns e outros, já que a Índia, por exemplo, terá de aumentar suas emissões, para levar energia a 400 milhões de pessoas que dela não dispõem (Deutsche Welle, 30/11).

Nem sempre é simples entender o que acontece. Ora se noticia que EUA e China chegaram a um acordo para reduzir emissões, ora se noticia que os emergentes (China, Índia, Brasil, África do Sul), reunidos em Pequim, criaram frente para “pressionar” os países industrializados ? a quem atribuem a responsabilidade histórica e numérica de reduzir emissões ? a também financiar adaptações às mudanças e transferência de tecnologias. Mas sem aceitarem, eles, emergentes, compromissos obrigatórios de redução de suas emissões próprias.

No âmbito de alguns países, surgem contradições. O governo brasileiro mesmo afirma que superestimou os números sobre o desmatamento no Cerrado (que responde por parte importante de nossas emissões), que calculara em 21.260 km2 por ano e agora situa em 14.179 km2 (menos 33%). Ao longo do período 2000-2008 seriam 85.075 km2 desmatados, e não 127.564 km2, ou seja, 42.489 km2 menos ? uma área correspondente ao Estado do Rio de Janeiro ou dois Sergipes. E enquanto o governo federal assegura que o desmatamento na Amazônia continua caindo, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) diz que em outubro ele foi o dobro do que se verificou no mesmo mês de 2008.

A própria China agora deixa claro que sua meta de reduzir de 40% a 45% a intensidade de energia por unidade de produto (que resultaria em menos emissões) só valerá se cada projeto que possa levar a essa diminuição for financiado por um país industrializado. Já a Índia, até agora categórica na decisão de não reduzir as emissões, afirma, por seu primeiro-ministro, que “é preciso ser flexível” (Reuters, 27/11). A União Europeia mantém sua proposta de reduzir em 20% até 2020 ou mais, se outros industrializados a acompanharem. O Japão e a Rússia chegam a uma proposta de redução de 25% sobre as emissões de 1990.

Observadores brasileiros experientes acham, diante desse quadro, que não se chegará um tratado “vinculante” em Copenhague, que permita estabelecer metas obrigatórias e prazos definidos, pois isso exigiria que se negociasse antes um mandato e diretrizes para o acordo final ? e para tanto seria necessário, primeiro, um tempo de um a dois anos para negociações; ao final, o consenso entre todos os membros da convenção (como é praxe nas convenções da ONU). Em seguida, seria indispensável um tempo para as ratificações país por país, em número suficiente (como aconteceu com o Protocolo de Kyoto). Mesmo um novo protocolo, apenas, como o de Kyoto, exigiria, para entrar em vigor, sua ratificação pelas nações signatárias da convenção. E até para prorrogar Kyoto seria preciso que os países industrializados (Anexo 1) concordassem antes quanto aos novos números. Nessa hipótese, dizem esses observadores, parece provável que as negociações se estendam mesmo ao longo de 2010, como já chegou a admitir De Boer e se mencionou neste espaço em artigo anterior.

É um panorama inquietante quando se retorna ao diagnóstico da Agência Internacional de Energia (AIE), de que sem acordo de redução as emissões de dióxido de carbono crescerão 40% até 2030 e só a China responderá por metade disso. Parece lógico se se lembrar que a previsão do aumento da demanda de energia até 2030 é de 76%, com o carvão crescendo 2% (44% do total hoje), o petróleo tendo seu consumo aumentado em 1% ao ano, para chegar a mais de 100 milhões de barris diários (85 milhões hoje). E com a AIE calculando em US$ 10,5 trilhões os investimentos necessários para reduzir acentuadamente o consumo de combustíveis fósseis. Ou em US$ 26 trilhões os investimentos necessários em energia, de modo geral. Números que devem ser comparados aos 10 bilhões anuais que a Grã-Bretanha está propondo que os países industrializados destinem aos demais.

É diante desses enigmas que Copenhague chegará às manchetes nas próximas duas semanas. Mas também será preciso levar em conta que, mais do que nunca, nessa área, a sociedade está mobilizada em praticamente todo o mundo e fará sentir sua insatisfação. Quem recordar o quanto o próprio governo brasileiro recusou aceitar metas de redução de emissões e quanto vai mudando sua posição entenderá que o quadro ainda poderá mudar. Para melhor, certamente. Até porque os governantes estão se comprometendo a pelo menos aparecer em Copenhague.

Esperemos. Já sabemos, todos, que cada país só coloca seus termos finais no último momento.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 07/12/2009

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