Temas discutidos na VII Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), artigo de Carol Salsa
[EcoDebate] A Conferência foi realizada entre 30 de novembro e 2 de dezembro deste. O primeiro dia trouxe diversas manifestações de comprometimento com a conclusão no final de 2010 da longa Rodada Doha, declarações estas advindas de oficiais e ministros de comércio de uma grande variedade de países. Não há, entretanto, sinais de que as decisões que contaminaram as negociações durante grande parte de seus oito anos tenham sido superadas, o que se tornou evidente tão logo foram abertas as discussões em plenário, na 2ª feira à tarde.
“Fizemos com que nossos interesses fossem bem conhecidos, que é necessária a abertura significativa de mercados para completar a rodada”, afirmou Ron Kirk, o representante dos EUA para assuntos comerciais (USTR, sigla em inglês), um dos primeiros oradores no plenário. Seu discurso deixou implícito que grande parte da abertura de mercados deverá ser obtida nos “principais países emergentes”, em referência pouco velada a países como Brasil, China e Índia.
No segundo dia membros divergem em bens ambientais.
Não houve um tema central para as discussões no segundo dia da Conferência Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC) em Genebra. O principal evento programado foi uma sessão de trabalhos destinada a revisar as atividades da OMC, inclusive a Rodada de Doha. Durante o encontro, os ministros reforçaram posicionamento já conhecidos.
Um foco de tensão surgiu. Ministros de quatro nações produtoras de algodão da África Ocidental cogitaram a possibilidade de iniciar um contencioso contra os Estados Unidos da América, caso Washington mantenha os subsídios aos produtores locais do setor.
Em meio a essas negociações, ocorria a sessão plenária oficial com os ministros de comércio em salão praticamente vazio.
Ao inaugurar a sessão de trabalhos, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, solicitou que os delegados atentassem para quatro temas em especial: Rodada de Doha; os acordos de comércio regionais; financiamento e mecanismos de ajuda ao comércio (Aid for Trade) em meio à crise econômica; e acessões à OMC. Em particular, Lamy salientou a necessidade de coerência entre os acordo regionais e multilaterais, além de ter convidado os membros a refletir sobre maneiras de acelerar o processo de acessão. Atualmente, são necessários anos – em alguns casos, décadas – até que o ingresso à OMC seja concluído.
Divergências no acordo entre bens ambientais
Em seus comentários à sessão, o representante comercial dos EUA , Ron Kirk, sublinhou seu apoio à aceleração dos trabalhos da OMC rumo à liberalização das tecnologias verdes. Assim como outros países, os EUA têm estudado a possibilidade de fazer um acordo para liberalização dos bens e serviços verdes fora do âmbito da Rodada de Doha. Os membros da OMC alcançaram, no passado, apenas um acordo em matéria de bens de tecnologia de informação.
Muitos países – como Austrália, Japão, Nova Zelândia e Qatar – afirmaram que a remoção ou eliminação de tarifas para bens ambientais poderia ajudar os países a combater as mudanças climáticas por intermédio da redução de custos dessas tecnologias.
No entanto, Brasil e Índia expressaram insatisfação com a proposta de acordo de bens e serviços ambientais (BSA) promovida pelos EUA e pela União Européia (UE). O Brasil argumentou que a proposta favoreceria somente alguns países exportadores, e defendeu que um pacote verde deveria incluir o etanol, consideravelmente protegido e subsidiado nos EUA e na UE. O Brasil produz etanol a partir da cana-de-açúcar, é considerado o país com a base industrial de biocombustíveis mais eficiente e sustentável do mundo. A maior parte do etanol estadunidense – o segundo maior produtor em escala – deriva do milho, matriz que requer operações mais intensivas para a extração do biocombustível.
Em reunião na semana passada com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o ministro das relações exteriores do Brasil, Celso Amorim, estabeleceu os requerimentos do país: qualquer acordo em BSA deve englobar bens de interesse para o Brasil, em especial o etanol.
A Indonésia, por sua vez decidiu reduzir suas tarifas sobre produtos derivados de tecnologias limpas. Durante o simpósio International Centre for trade and Sustainable Development (ICTSD), a ministra do comércio da Indonésia, Mari Pangetsu, salientou que os cortes tarifários deveriam ser acompanhados de reduções a barreiras não-tarifárias e de eliminação de regras hiperbólicas de importação, assim como de maior abertura ao investimento estrangeiro.
No mesmo evento, as medidas de ajuste de carbono na fronteira também foram recorrentemente mencionadas. Jake Colvin, do Conselho de Comércio Exterior dos EUA (NFTC, sigla em inglês), afirmou que essas medidas – sejam estas tarifas ou mesmo uma obrigação de compra de créditos de carbono por parte dos importadores – são cruciais para que haja apoio do Congresso à legislação ambiental em avaliação no Senado.
O ministro indiano do comércio, Anand Sharma, alertou, entretanto, para os perigos da adoção dessas medidas ainda na sessão de abertura na segunda feira, dia 30 de novembro. “O protecionismo é um mal global e, mesmo assim, há quem trabalhe em propostas de protecionismo verde”, frisou o ministro, que acredita na possibilidade de tensões futuras no comércio internacional.
O grupo africano “ Cotton Four” manifesta-se
Desde 2003, os subsídios ao algodão têm predominado nas negociações da Rodada. A ajuda concebida pelo governo estadunidense aos produtores locais do setor resultou em queda abrupta das exportações e, assim, na receita. A princípio, os membros da OMC, concordaram em cortar subsídios especiais e tarifas como parte do acordo sobre agricultura na rodada Doha. No entanto, o acordo de Dha permanece uma realidade distante; e os EUA não empreenderam uma reforma de suas práticas agrícolas.
Manadou Sanou, ministro do comércio de Burkina Faso, sugeriu levar o caso ao Órgão de Solução de Controvérsias da OMC caso Washington não modifique suas políticas. Sanou afirmou que não esperará indefinidamente, sobretudo em vista do risco de desaparecimento do setor algodoeiro em seu país. Não é a primeira vez que o grupo constituído pelos principais produtores africanos de algodão, Benin, Burkina Faso, Chade e Mali – conhecido por “Cotton Four” – ameaça adotar medidas legais. O Brasil obteve êxito em uma disputa contra os EUA sobre o mesmo tema.
Ahmadou Abdoulaye Diallo, o ministro da indústria e comércio de Mali, sublinhou que preferiria evitar uma disputa. Em suas palavras, o contencioso seria o “botão de uma bomba nuclear”: disponível, porém evitável.
Esses são os desdobramentos dos temas tratados em Genebra cuja tradução e adaptação de texto originalmente publicado são atribuídas à Bridges Daily Update, número 3 – 02 de. 2009.
Carol Salsa, colaboradora e articulista do EcoDebate é engenheira civil, pós-graduada em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ, Gestão Ambiental e Ecologia pela UFMG, Educação Ambiental pela FUBRA, Analista Ambiental concursada da FEAM.
EcoDebate, 05/12/2009
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