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Aumento do nível do mar transformará Bangladesh em um país de refugiados climáticos

Crianças refugiadas aguarda, ajuda após passagem do ciclone Sidr, em Nishanbari, 2007
Crianças refugiadas aguarda, ajuda após passagem do ciclone Sidr, em Nishanbari, 2007. Foto no El País

Em Bangladesh, com sua elevada densidade populacional e pouca altitude, o aumento do nível do mar obrigará 20 milhões de pessoas a emigrar.

“O mar já engoliu duas vezes minha casa”, conta Jalal Ahmed, enquanto mostra sua terceira moradia, uma humilde choça de vime e bambu, sem água corrente nem eletricidade, a cuja borda as ondas já chegam. Esse homem de longa barba branca é testemunha de como a bela ilha onde ele viveu toda a sua vida, Kutubdia, no sudeste de Bangladesh, foi perdendo terreno para o oceano.

A ilha perdeu no último século 65% do que um dia foi seu território de 250 quilômetros quadrados. O problema é a rápida erosão causada pelo ciclones, as tempestades e inundações que se aceleraram recentemente, com grande probabilidade devido à mudança climática, como concordam os especialistas. Reportagem de Ana Gabriela Rojas, em Kutubdia, Bangladesh, no El País.

Jalal aponta com tristeza para o mar. Lá, a algumas centenas de metros da costa, ficava sua casa anterior, que foi arrebatada pela água há cerca de cinco anos. Mais além, a anterior, perdida há cerca de 15 anos, e muito, muito mais além estava a casa de seus avós, onde tinham terra para plantar.

Hoje essa terra é um bem extremamente escasso e cobiçado. Há tão pouca e com tanta gente que, como Jalal, os que antes eram agricultores se tornaram pescadores ou empregados das salinas. “Eu gostaria de poder ir embora, como vão os que podem: os que têm dinheiro”, lamenta Jalal. Ele lembra que depois de um ciclone devastador em 1991 mais de 400 famílias deixaram Kutubdia de uma vez. Assim, mais de 60% de seus habitantes emigraram para cidades em terra firme.

Foram construídos diversos diques para tentar lutar contra o mar, mas foram inúteis. O atual dique, com partes de tijolo e outras de sacos de areia, está destruído em muitos trechos. Esta ilha é o exemplo mais palpável de que neste pobre país do sul da Ásia é onde as pessoas mais sofrerão os efeitos da mudança climática. As condições do país, um delta com mais de 200 canais e com pouca elevação, faz com que a qualquer aumento do nível do mar as pessoas percam suas propriedades ou seu meio de vida. A terra agrícola se saliniza, sobretudo no litoral superpovoado. A situação se agrava por serem mais de 160 milhões de habitantes e com uma das maiores densidades do mundo, cerca de 1.110 pessoas por quilômetro quadrado.

Assim, em Bangladesh 20 milhões de pessoas poderão ser desalojadas até 2050 pelos efeitos do aquecimento global, que deixaria 17% da superfície do país embaixo d’água, adverte o Banco Mundial. Outros especialistas afirmam que se as piores previsões se cumprirem até 35 milhões de bengaleses perderiam suas casas e suas formas de sustento. São chamados de “refugiados climáticos”.

No entanto, Jalal e seus vizinhos sabem muito pouco, ou nada, sobre o aquecimento global. Não sabem por que o mar está subindo e ameaçando sua vida. Só conseguem dizer que “tudo está nas mãos de Alá”. Mas nem todo mundo acredita nisso em Bangladesh. Os especialistas e o governo dizem claramente que o aquecimento foi criado pelos países ricos. Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo, só contribui com 0,1% das emissões de dióxido de carbono globais. Cada bengalês produz 0,3 tonelada por ano, diferentemente das 7,6 de um espanhol ou 20,6 de um americano.

“As pessoas que estão perdendo seus lares têm direito a ir para os países ricos.” É o que afirma Atiq Rahman, diretor do Centro de Estudos Avançados de Bangladesh (BCAS na sigla em inglês). “Vou com vários milhões de desalojados para países como Holanda e EUA e lá exigiremos que lhes deem casa e trabalho: não por caridade, mas por merecida indenização”, ele diz com absoluta seriedade.

Rahman é provavelmente a pessoa com maior peso na questão da mudança climática no país: assessor do governo, o representará na cúpula de Copenhague e também é membro do IPCC. Em 2008 ele ganhou o prêmio ambiental Campeões da Terra da ONU. Na cúpula, Bangladesh pedirá que os países ricos reduzam suas emissões e que forneçam fundos para compensar os efeitos que já está sofrendo, como um dos países mais vulneráveis.

Além dos refugiados, a mudança climática está trazendo outros problemas para Bangladesh. Os ciclones são mais frequentes e mais devastadores, indica Rezaul Karim Chowdhury, diretor da ONG para o meio ambiente COAST. Um relatório do Programa da ONU para o Desenvolvimento indicou que 60% das 250 mil mortes por ciclones no mundo entre 1980 e 2000 foram em Bangladesh. E para os afetados é difícil recuperar-se: ainda hoje continuam 35 mil desalojados pelo Aila, que atingiu as costas do país em maio.

As doenças aumentaram: mais diarréia, mais malária e chegou a dengue, que não existia há 15 anos. Também devido às chuvas mais instáveis e à salinização do terreno, os alimentos serão cada vez mais escassos e caros, indica Chouwdhury. “Os mais afetados são os mais pobres dos pobres: os que têm as casas mais precárias, os que não têm economias para sobreviver e têm poucas formas de evitar um desastre”, diz o encarregado de política da Oxfam Bangladesh, Ziaul Hoque Mukta.

Assim, as grandes cidades estão recebendo milhares de refugiados. Por exemplo, na capital do país, Dhaka, a metade da população vive em favelas. Muitos deles são famílias de desalojados com poucos recursos para levar seus filhos à escola e com trabalhos precários, como conduzir bicicletas-táxis. Jalal diz que em breve, quando sua terceira choupana voltar a ser submersa, construirá outra com bambu e plásticos em um terreno mais elevado no interior da ilha. E assim cada vez que a água o alcançar. Mas em Kutubdia não resta muito espaço. O que fará quando não puder se mudar? “Finalmente terei de ir para a terra firme e deixar esta ilha onde nasci”, lamenta.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Reportagem [El mar se tragó dos veces mi casa] do El País, no UOL Notícias.

EcoDebate, 05/12/2009

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