Análises da Unicamp mostram que sulfeto vira ‘filtro’ de metais poluentes em rios
Trabalho pioneiro avalia a qualidade das águas do Jundiaí a partir de sedimentos
A presença de sulfetos em águas fluviais inibe o potencial impacto de metais como mercúrio total (HgT), um dos principais contaminantes de mananciais. Gás oriundo de despejo e da decomposição de matéria orgânica, conhecido pelo seu forte odor, o sulfeto mostrou-se eficiente na imobilização de metais em amostras de sedimentos da bacia do rio Jundiaí, coletadas para estudo realizado pelo químico Enelton Fagnani, do Laboratório de Saneamento da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Tendo como finalidade avaliar alguns impactos ambientais no rio Jundiaí e no ribeirão Piraí, a pesquisa oferece informações novas sobre a qualidade das águas do Jundiaí. Além de ser o primeiro a avaliar a qualidade a partir da análise de sedimentos, o trabalho reúne dados de coleta e tratamento de esgoto de cidades banhadas pelo rio.
O estudo, segundo Fagnani, permitiu constatar que o comportamento do mercúrio na água depende das características do rio na região. Correlações feitas por ele entre mercúrio total (HgT) e carbono orgânico dissolvido (COD) mostraram que em áreas menos impactadas, como o Ribeirão Piraí, há uma relação positiva entre a presença de COD e de HgT, sendo que maiores valores de COD implicam a ocorrência de maiores valores de HgT; em áreas mais impactadas do rio Jundiaí, essa relação é antagônica, sugerindo que a matéria orgânica apresenta diferenças químicas nesses dois corpos aquáticos.
Os cinco pontos eleitos para coleta (três no Jundiaí, um no Piraí e um no rio Tietê) foram determinantes para chegar ao nível de contaminação e à importância dos sedimentos na dispersão de metais, segundo Fagnani. Em trechos do Jundiaí sequer é possível ver o reflexo da água, segundo o pesquisador. “Como o sedimento fica submerso, propicia a formação de sulfetos. Então, mesmo que tenha uma razoável quantidade de metais, o sulfeto impede a dispersão, se existente, em igual ou maior concentração comparativamente aos metais. O mesmo não acontece em outros pontos além do Piraí”, afirma.
Durante a pesquisa, desenvolvida para sua tese de doutorado, intitulada “Mercúrio e sulfetos volatilizáveis por ácidos na Bacia do Rio Jundiaí”, Fagnani percebeu que o Jundiaí é impactado principalmente por receber efluentes domésticos e industriais em diversos trechos; já o ribeirão Piraí, principal afluente do mesmo, é um importante fornecedor de águas para tratamento e potabilização objetivando o consumo humano, segundo o pesquisador. Apesar de ser classificado como classe 2, segundo a Resolução Conama nº 357 de 17/3/2005 (que varia de 1 a 4), nas proximidades de Campo Limpo Paulista, o nível de contaminação chega a 4 em determinadas épocas do ano. Na cidade de Salto (foz do rio Jundiaí) o nível é sempre 4, já que não existe classificação maior. Ele explica que, na verdade, os níveis são estipulados pela legislação, como referência à meta, e não pelos resultados dos avaliadores. “Eles definem a meta que o rio deve atingir para que a população e as indústrias tomem medidas para não poluir. Diante disso, o nível real da água é 4, ao contrário do que sugere a classificação”, esclarece.
Em uma das imagens registradas pelo pesquisador, é possível ver a forma como a urbanização ocupa a reserva ambiental. A instalação de indústrias é um facilitador para a queda da qualidade da água, principalmente pela falta de tratamento de efluentes. “Mas como falar em tratamento de efluentes se os municípios sequer captam o próprio efluente?”
Diante de informações novas e impactantes, Fagnani reforça a importância de sua pesquisa para subsidiar futuras tomadas de decisão na região, além da geração de conhecimento acerca da dinâmica e do comportamento de espécies metálicas em ambientes tropicais fortemente impactados. Segundo o autor, a pesquisa constituiu-se numa base de dados importante para esse início de século, valendo-se da determinação de parâmetros químicos em amostras de água e sedimento no período 2007-2008. “Existem vários estudos anteriores em que se avaliou a existência de mercúrio em água e em peixes, mas em sedimentos não existia. Ainda não havia sido avaliada a relação entre mercúrio na água e matéria orgânica”, explica. O estudo, garante Fagnani, ajuda a preencher algumas lacunas do conhecimento que ainda existem no monitoramento das águas e dos sedimentos da Bacia do rio Jundiaí.
Com base em dados do próprio Comitê das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) de 2009, o pesquisador mostra que o tratamento de esgotos é relegado por grande parte das cidades. Surpreendentemente, Jundiaí coleta e trata 97% de suas águas, mas os índices são desanimadores quando os relatórios do comitê revelam que Campo Limpo Paulista coleta 50 % e não trata nada; Várzea Paulista coleta 68 % e também não faz tratamento; Indaiatuba coleta 94 %, mas trata apenas 9 %. Itupeva também não trata nada dos 69 % que coleta, e Salto, que apresenta alto índice de contaminação na foz do Jundiaí, quando este deságua no Tietê, também não se preocupa com tratamento. “É complicado discutir ambiente se as prefeituras não realizam a tarefa mínima que é a coleta das águas residuárias. Não dão o exemplo, nem condições. O descarte é feito diretamente no rio. Em algumas situações em fossas, mas não é suficiente. E não se pode cobrar de uma estação de tratamento que possui apenas equipamentos básicos de controle, por exemplo, realizar o monitoramento do mercúrio”.
Legislação
De acordo com Fagnani, é necessária uma revisão também da legislação. “Os níveis de detecção de mercúrio que fizemos estão abaixo do que é cobrado pela legislação. A Resolução Conama no 357, preconiza que a água mais nobre para tratamento e posterior consumo humano pode ter até 200 nanogramas de mercúrio, mas nosso limite de detecção em água é de 2, 3 nanogramas. Isso basta para contaminar. Encontramos algumas concentrações de mercúrio que, mesmo abaixo da legislação, poderiam apresentar algum efeito tóxico. A legislação está defasada, porque os equipamentos modernos necessários para detecção são muito caros”, explica.
Números do estudo podem subsidiar políticas públicas
Campo Limpo Paulista, até há pouco tempo considerada uma cidade dormitório pela sua proximidade com a cidade de São Paulo, apresenta urbanização em franco crescimento. Próximas ao rio Jundiaí, casas ocupam aos poucos o morro, invadindo o que resta de área verde. Tratamento de esgoto: zero. Coleta: apenas 54 %. Na foz, em Salto, as águas são negras e não se pode enxergar nada além da superfície. “De tão escura que está a água”, declara Fagnani.
Se esses números causam impactos negativos para a área de turismo, de saúde e para o ambiente, os dados da tese, se levados em consideração, devem abastecer o poder público para decisões efetivas em relação a esses impactos, de acordo com Fagnani. O pesquisador, ao lado dos orientadores Pedro Sérgio Fadini e José Roberto Guimarães, mostra que no Jundiaí existe presença importante de cobre e zinco, por causa de lançamentos de efluentes industriais e domésticos. “Mas na maioria dos casos, a quantidade de sulfetos é suficiente para que isto não seja um complicador ambiental. É preciso atentar para isso. A população precisa cobrar o afastamento e o tratamento dos esgotos; as indústrias têm de tratar seus efluentes. Aqui, Campinas chegou a 80 % de tratamento, enquanto na bacia do rio Jundiaí, a grande maioria das cidades sequer atinge 80 % de esgoto coletado. Trata-se de uma região que está em processo de expansão. Não se pode deixar que haja crescimento sem antes resolver os problemas básicos. Pessoas e indústrias continuam chegando na região. Se a demanda de água continuar em crescimento, certamente haverá problemas de abastecimento”, declara.
O pesquisador incentiva a coleta, o tratamento e a proposta de reúso para que se melhorem as questões relacionadas à água. “Estudar a viabilidade da utilização de efluente tratado na irrigação e indústrias, e do lodo de tratamento de esgoto na agricultura. Com a contaminação, a falta de tratamento e o contínuo aumento da população, o caos se instalará. Cresce a demanda por água, mas o gerenciamento e o planejamento da região são precários neste ponto”, reflete.
A expectativa, segundo Fagnani, é que, a partir de agora, seja possível mostrar um dos aspectos do rio Jundiaí e o ribeirão Piraí e dar subsídios para pesquisas de outros alunos. “Não se pode aumentar a demanda por água, enquanto os problemas relacionados à mesma não forem solucionados. O estudo realizado serve como um alerta para que o ribeirão Piraí não seja degradado, assemelhando-se ao rio Jundiaí. Espera-se que, em um futuro próximo, o rio Jundiaí possa ser recuperado.”
Reportagem de Maria Alice Cruz, no Jornal da Unicamp, Nº 449, publicada pelo EcoDebate, 05/12/2009
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