Código florestal: Vamos subir o nível do debate? artigo de André Lima
Alimento é bem ambiental, pois não tem soja, nem gado, sem água, sem ar, sem solo. Portanto, sem recursos ambientais necessários para a toda vida no Planeta e não apenas para os seres humanos. Quando consumimos carne ou derivados de soja, consumimos bens ambientais, água, nutrientes do solo e por ai vai. Em outras palavras, produtor rural não é produtor de alimentos, é produtor de bens ambientais. Os que além disso conservam água, solo, biodiversidade, carbono são também fornecedores de serviços ambientais. Então produtor rural é provedor de bens e serviços ambientais.
No entanto, o debate do código florestal que se desenrola há mais de 13 anos (desde a 1ª edição da MP 1511 de junho de 1996), vem sendo cada vez mais nivelado por baixo, cada vez mais longe desse conceito.
É a lei da ação e reação. A cada proposta ruralista provoca uma reação dos ambientalistas, que é seguida de uma nova proposta ruralista mais ou menos pior e assim caminha o debate. Todo mundo tem a sua razão e a sua solução. Quando todos têm solução, e as soluções são desencontradas é porque ninguém tem a solução.
E porque ninguém tem “a” solução? Porque partimos de pressupostos desencontrados (no tempo e no espaço). Vamos adotar como pressuposto e objetivo comum elevarmos os produtores rurais à condição socioeconômica de produtores de bens e serviços ambientais? Isso é possível trabalhando com três categorias de produtores rurais (independentemente do tamanho da propriedade).
A primeira categoria é a dos que se dispõem a cumprir esse objetivo de fornecedores de serviços e bens ambientais e que já estão enquadrados em algumas condições básicas, exemplo: têm vegetação em área de preservação permanente e em reserva legal, inclusive com excedentes florestais, manejam sua propriedade de forma ambientalmente eficiente, estão cadastrados perante os órgãos fundiários e ambientais, com mecanismos de monitoramento remoto (georeferenciamento dos imóveis).
A eles propomos incentivos, certificações, compensações, cotas de reservas florestais, acesso a créditos expressivos e facilitados, renegociação facilitada de dívidas agrícolas, prioridade nos projetos de pagamento por serviços ambientais, desonerações tributárias, acessos a recursos do Fundo Amazônia e do Fundo de Mitigação das Mudanças Climáticas, dentre outros benefícios possíveis.
A 2ª categoria é a dos que se dispõem, mas que ainda não estão em condições de se enquadrar na 1ª categoria. A esses vamos abrir as portas e oferecer-lhes um período de transição. Vamos conceder prazos e apoio para alcançarem metas mensuráveis de gestão ambiental, mediante o ingresso em cadastramento rural georeferenciado, sem as sanções rigorosas, mas também sem anistias, uma vez que estarão se dispondo a repor seus passivos de forma gradativa e voluntária. As regras de reposição dos passivos dessa categoria de produtores rurais podem ser flexibilizadas permitindo compensações mais amplas, menos rigorosas, mediante apoio técnico e até mesmo financeiro, sem contudo perdermos a noção do bom senso. Ou seja, não dá para anistiar e criar tratamento anti-isonômico entre produtores em mesma situação com, por exemplo, anistias até 2006 ou 2001, que premiam os que não cumpriram a lei, o que além de indesejado e politicamente injusto, é obviamente inconstitucional em face dos que a cumpriram.
E a 3ª categoria que é a dos que não aceitam essa tese de produtores de bens e serviços ambientais, acham que isso é balela, não querem cumprir a lei, querem se beneficiar ao máximo de anistias, querem usar tudo o que já foi aberto independentemente das condições objetivas (técnico-científicas) de potencialidade e vulnerabilidade ambiental e que querem se resolver no problema em lugar de resolver o problema. A esses os rigores da Lei.
Aposto que 80% dos produtores rurais se enquadrarão nas duas primeiras categorias e deslegitimarão definitivamente aqueles que defendem a produção autofágica, míope, econômica e ecologicamente estéril.
Por fim chamemos os produtores rurais da 1a e da 2a categoria aqui referidos para debatermos e formularmos em condições de civilidade uma lei florestal forte, responsável e digna do futuro que queremos para o Brasil, um País potencia mundial em fornecimento de bens e serviços ambientais.
Com certeza o resultado será muito melhor do que tudo o que já se colocou na mesa até agora a pretexto de remendar o velho Código florestal.
André Lima é advogado, Mestre em Gestão e Política Ambiental e pesquisador do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). André foi Diretor de Articulação de Ações para a Amazônia e de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente de 2007 a 2008.
Artigo do IPAM, publicado pelo EcoDebate, 01/12/2009
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