Ambientalistas, Código Florestal e Pré-Sal, artigo de Osvaldo Ferreira Valente
[EcoDebate] O jornal Estado de Minas publicou, em junho de 2005, um artigo de minha autoria sob o título: “O Ambientalismo na UTI”. A intenção era repercutir, nas condições brasileiras e com exemplos nossos, as opiniões de dois cientistas norte-americanos que discutiam as incongruências do ambientalismo no país deles, concluindo que tais a atitudes estavam levando o movimento à morte. Tentei mostrar, no referido artigo, alguns de nossos paradoxos referentes à conservação ambiental.
Passados quatro anos, sinto que os movimentos ambientalistas continuam um pouco perdidos e sem objetivos claros quanto ao conjunto das ações conservacionistas. Ficam muito concentrados em modismos, nas pressões internacionais e se esquecem de que o meio ambiente é complexo e não se resume à biodiversidade amazônica, às matas ciliares, aos topos de morros e às reservas legais. Parecem obcecados pelo meio rural, debitando a ele todos os males ambientais. Vou levantar a seguir, em forma de itens, algumas fragilidades manifestadas pelas por organizações sociais que militam na área:
1) Vi, no portal do EcoDebate um manifesto de 15 organizações contra possíveis mudanças no Código Florestal. Ele já está ultrapassado e precisa ser reformado em benefício do próprio meio ambiente. Por que não colaborar com proposições adequadas para um novo Código Ambiental Brasileiro? Por que a birra em manter um instrumento cheio de defeitos e de justificativas duvidosas? Tais posições radicais não são construtivas e sim inúteis, pois o Código vai acabar sendo modificado sem a colaboração das organizações sociais. Não há possibilidades socioeconômicas de, em alguns ecossistemas, proceder ao confisco de 50 a 70% de pequenas propriedades com a aplicação do atual Código. Nenhum governo ou facção política terá coragem de assim proceder. Por outro lado, proteger topo de morro e mata ciliar, em alguns ecossistemas, como o dos mares de morros na Zona da Mata mineira, por exemplo, não evitará os danos que poderão ser causados no restante da propriedade, pois estaremos confinando a exploração nas encostas e estas são, na grande maioria dos casos, as grandes vilãs das erosões e das quedas de produção de água. Os pequenos produtores rurais precisam ser qualificados para atuar positivamente em relação aos recursos naturais de suas propriedades e serem assistidos tecnicamente. Quando falo em pequeno produtor eu estou me referindo principalmente àquele que não se enquadra na definição de agricultura familiar, mas explora empresarialmente propriedades com até quatro módulos rurais. Há uma tentativa, atualmente, e até por interesses políticos, de colocar as duas categorias em um só grupo;
2) A expressão “adequação ambiental” é usada como sinônimo de cumprimento da legislação, simplesmente. Como especialista em um segmento da conservação, o manejo de pequenas bacias hidrográficas para produção de água, tenho plena convicção de que os procedimentos constantes na legislação não são suficientes para fazer com que uma propriedade possa estar pronta a conservar suas nascentes. O Código Florestal tem colaborado para a criação de mitos, como o insistente e irritante conselho, dado frequentemente, e que “vende” o cercamento de uma área de 50 metros de raio em torno de uma nascente como “técnica” suficiente para conservar sua vazão ao longo do tempo. Os próprios Comitês de Bacias, cuja criação eu elogio, têm sido iludidos com ideias salvadoras da pátria. Muitos ambientalistas estão tomando conta de tais comitês e reduzindo as discussões a ranhetices e a preconceitos ideológicos. As organizações sociais precisam entrar nos comitês despidas de preconceitos, aprenderem hidrologia e manejo aplicados e lutarem para que a bacia seja ambientalmente adequada às necessidades de produção de água em quantidade e qualidade;
3) Não vi, até agora, nenhuma manifestação de entidades conservacionistas com relação ao Pré_Sal. Quais serão as implicações para o nosso meio ambiente da retirada de imensos volumes de petróleo de profundezas marítimas? Quanto de dióxido de carbono estará sendo disponibilizado para a atmosfera terrestre? Quantos gases poluentes e particulados não estarão sendo lançados nas cidades, aumentando o número de mortes que já acontecem hoje? A manutenção da Amazônia será suficiente para contrabalançar os danos provocados pelo petróleo? Será que a Petrobrás, que vende combustível sujo em nosso país e limpo em outros, consegue ser blindada de críticas ao disponibilizar alguns patrocínios, em forma de financiamento de projetos ambientais para algumas organizações sociais e que não são sequer avaliados? Onde está aquela organização internacional que anda vigiando bois na Amazônia e não vigia a aprovação das leis referentes ao Pré-Sal? Quanto de recurso está previsto para mitigar os impactos ambientais que serão provocados? E os licenciamentos, como serão feitos?
4) Estamos presenciando anúncios de planos para a construção de novas usinas siderúrgicas, mas a carvão mineral, um dos combustíveis mais poluentes. Há informações recentes de que o Ministério de Meio Ambiente pretende sugerir a ampliação de siderúrgicas a carvão vegetal, mas incentivando as empresas a fazerem reflorestamentos próprios. Corre-se o risco, assim, da criação de novas e imensas áreas de monocultura de eucalipto. Escrevi, recentemente, um artigo sob o título “Carvão vegetal: a salvação da lavoura”, pregando um sistema de pequenas siderúrgicas a serem abastecidas por reflorestamentos disseminados em pequenas propriedades de agricultura diversificada. Por que os movimentos ambientalistas não partem para analisar a viabilidade de alternativas como esta? Produzir estudos sérios, com viabilidades socioeconômicas e ambientais, e fazer pressões para que sejam adotados, acredito que seria a melhor contribuição possível às causas ambientais? Por que não partem para disponibilizar estudos, planos e projetos para o uso das energias solar e eólica? Falo na disponibilização de projetos e na pressão para que os poderes públicos criem políticas adequadas de adoção. Não adianta nada ficar só falando da importância das energias renováveis. A educação ambiental precisa de seqüência de ação para não cair no vazio ou no descrédito. É evidente que criticar é mais fácil, ser contra também, mas é claro que só a crítica não leva a lugar nenhum. Ainda mais no Brasil atual, onde qualquer crítica é recebida como agressão e não como contribuição ao aperfeiçoamento de procedimentos;
5) Com relação às cidades, os problema se concentram principalmente no trânsito e no consumismo, todos sabemos. Mas o que tem sido feito pelas organizações sociais para criar alternativas viáveis de transportes públicos, por exemplo? Será que só existe a dos metrôs? A população precisa ser induzida a usar menos os carros, mas não é apenas com pregações que tal comportamento será conseguido. Há de se criar movimentos que se infiltrem na sociedade e que passem a tratar do assunto cotidianamente. Só assim poderão ser criados novos hábitos. Quanto ao consumismo, as necessidades são semelhantes e os procedimentos idem. Mas, infelizmente, há muitos membros e contribuintes de tais organizações que enquanto pregam a intocabilidade da Amazônia para prevenir o aquecimento global, continuam desfilando por aí com seus carrões consumidores de gasolina, um para cada membro da família, despachando em amplas salas refrigeradas e iluminadas artificialmente em plena luz do dia;
As ONGs, OSCIPs, Fundações ou quaisquer outras associações que tenham interesse na conservação ambiental, precisam investir em ações propositivas e realistas, em procedimentos conciliatórios, em grupos de cientistas e técnicos independentes que possam apontar tecnologias apropriadas e coisas semelhantes. E para que não pensem que sou mais um simples crítico do sistema, quero informar que tenho atuado em uma ONG de base tecnológica, desenvolvendo, já há dez anos, alternativas para revitalizar nascentes das cabeceiras do rio Doce, na região de Viçosa, em Minas gerais. Criamos uma “bacia escola”, juntamente com a concessionária local de abastecimento de água, que é monitorada com medições de chuvas e vazões, para comprovação de resultados.
Nada de julgamentos subjetivos do tipo “eu acho”, “eu acredito”, “eu suponho”. E temos trabalhado com metas claras e objetivas, como recuperar vazões que aconteciam na década de 1960, por exemplo. Com apoio financeiro de um fundo estadual, estaremos, a partir de 2010, difundindo as tecnologias aprovadas para produtores rurais, técnicos de instituições que militam na bacia do rio Doce e agentes públicos de prefeituras. A difusão de tecnologia se dará por cursos, dias de campo, livros, cartilhas, vídeos, workshops e quaisquer outras metodologias que se tornarem necessárias e que sejam efetivas. Queremos transformar a “bacia escola” no Centro Tecnológico de Conservação de Nascentes (CTCnascentes), para ser a casa do “produtor rural/produtor de água”, onde ele possa acompanhar o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias apropriadas, receber informações técnicas, discutir alternativas de conservação, dar sugestões e compartilhar das preocupações com a possível escassez de água. Isso porque a grande maioria das nascentes dos rios brasileiros está em propriedades rurais e, mesmo que a lei diga que as nascentes são de domínio público, elas acabam ficando, na prática, sob a guarda dos produtores rurais e dependentes da maneira com que os mesmos tratam ambientalmente todas as áreas de suas glebas. Não será um ambiente só para dizer que o produtor rural é obrigado, por lei, a fazer isso ou aquilo, mas para mostrar que a sua própria sobrevivência, como produtor de outros bens, depende do seu engajamento nos procedimentos necessários à adequação ambiental de sua propriedade, visando o uso racional de toda a área e não apenas das APPs. Destas tem sido esperado muito mais do que efetivamente elas podem dar.
Para finalizar, gostaria de dizer que ficaria imensamente feliz em ver os movimentos ambientalistas fora das UTIs, curados e dispostos a formularem propostas realistas e adequadas às especificidades do nosso território e a lutarem junto às sociedades para que as propostas sejam executadas por elas mesmas ou pelos governos federal, estaduais e municipais, mas sem discriminações e preferências no tempo e no espaço
Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); colaborador e articulista do EcoDebate ovalente{at}tdnet.com.br
EcoDebate, 25/11/2009
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Prezado Osvaldo Ferreira Valente,
Gostaria de lhe fazer a seguinte pergunta: Na sua opinião, qual deve ser o papel dos grupos de pesquisa das Universidades para contribuir com esse “desejo” do governo em incentivar o aço verde?
Muito obrigado.
Ao Vinicius: Você tem uma dúvida que faz parte de minhas preocupações. Já há grupos em universidades que têm feito trabalhos mostrando a viabilidade do fornecimento de matéria prima florestal por pequenos produtores, através de vários sistemas de fomentos. De outro lado, temos as grandes empresas que optam por produções próprias e formam os grande povoamentos contínuos.O que os grupos de pesquisa precisma fazer é continuar aperfeiçoando os sistemas de fomento, mas, ao mesmo tempo, aliarem-se aos movimentos organizados da sociedade (ONgs, OSCIPs etc) para “venderem” suas fórmulas aos governantes e, com essas alianças, chegarem com força aos investidores.Os pesquisadores, precisam, infelizmente, sairem dos laboratórios, dos financiamentos dos grandes grupos e partirem para mostrar novos caminhos à sociedade. O mundo acadêmico fica, ás vezes, girando informações científicas em seus próprios meios e se esquecem de atuar na exteriorização dos conhecimentos gerados. Poderão dizer que suas funções básicas são as de produzir e publicar trabalhos científicos. Posso até concordar filosoficamente com isso, mas acredito no outro lado, ou seja, na devolução à sociedade dos resultados dos invetimentos que ela faz nos centros de pesquisa. Pesquisadors e movimentos sociais, juntos, poderão mudar muita coisa, tenho certeza. Os pesquisadores dando o suporte para que as brigas dos movimentos se processem com base em princípios científicos e tecnológicos e não em meras fantasias, que ainda acontecem, e que acabam desmoralizando o sistema, irritando setores produtivos e gerando contrvérsias inúteis e prejuciais ao desenvolvimento sustentável
Prezado Osvaldo.
O equacionamento entre o interesse dos investidores e os possíveis modelos de negócio dentro da atual modelagem político-legal, com base nesses estudos desenvolvidos por grupos de pesquisa citados por você, é na verdade um trabalho árduo e de resultados com baixo impacto.
Não sei se você vê dessa forma, mas atualmente estamos em um contexto altamente apropriado para inovanar nessa modelagem dos negócios, instigando a participação do Estado para incentivar um movimento de inclusão de pequenos produtores e áreas montanhosas pelas empresas, cuja importância também foi citada por você.
Na sua opinião, como o Estado pode participar desse processo? Quais incentivos possíveis de serem criados e que poderiam proporcionar um impacto significativa para incentivar esse movimento inclusor?