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COP 15 rumo ao fracasso: Avanços por aqui, recuos lá fora, artigo de Washington Novaes

gráfico do aumento de CO2 na atmosfera

[O Estado de S.Paulo] É lamentável e muito preocupante o que anunciaram em Cingapura países europeus, norte-americanos e asiáticos: que não se chegará a um “tratado vinculante” sobre redução de emissões de gases de efeito estufa na reunião da Convenção do Clima em Copenhague, a partir do próximo dia 7. Vai-se tentar apenas um “acordo vinculante”, que adiará para 2010, na melhor das hipóteses, a fixação de novas regras obrigatórias. Como 2009 era o prazo final estabelecido para definir essas regras para o período após 2012, quando expiram as fixadas pelo Protocolo de Kyoto – e que os países industrializados nem sequer cumpriram até agora -, corre-se o risco de ficar sem regra alguma, pelo menos por um tempo. E a urgência de decisões é muito forte, diante da frequência e da intensidade progressivas dos desastres climáticos.

As boas notícias dos últimos dias ficaram por conta do Brasil: a redução do desmatamento na Amazônia no período 2008-2009, a apresentação de metas nacionais “voluntárias” para a Convenção do Clima e a decisão do governo de São Paulo de estabelecer meta de redução de 20% nas emissões no Estado até 2020 (com caminhos a serem ainda definidos).

O desmatamento, que caiu para 7.008 km2, teve três razões principais: a crise econômica afetando a demanda por produtos amazônicos; as pressões internacionais e nacionais levando a um boicote de carne, soja e madeira produzidas em áreas desmatadas ilegalmente; e alguma intensificação da fiscalização na área. Anunciou-se até que a redução chegará a 80% do que era no período 1996-2005, para se situar em menos de 4 mil km2 por ano. Como a demanda por produtos amazônicos poderá subir de novo, resta saber como ficará a fiscalização, também nas novas áreas onde as posses estão sendo legalizadas.

A meta “voluntária” brasileira (que não se traduz em compromisso) é de reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões nacionais até 2020, ou cerca de 1 bilhão de toneladas, pois sem a redução – afirmou-se – as emissões chegariam a 2,7 bilhões de toneladas naquele ano. Isso dependerá de menos emissões na Amazônia e no Cerrado (neste, a serem baixadas em 40%), na agricultura (com plantio direto e outras providências), na pecuária (com a recuperação de pastagens degradadas), no transporte (com biocombustíveis) e na energia (com bioeletricidade e eólica) – anunciou-se.

Como o Brasil continua driblando o compromisso de divulgar um novo inventário de emissões – agora, mencionou-se que a redução significará “diminuição de cerca de 300 milhões de toneladas de gases do efeito estufa em relação ao que o País emitiu em 2005 (sem dizer quanto) -, algumas ilações levam a situar em torno de 2 bilhões de toneladas as emissões atuais, ou seja, o dobro do que eram em 1994, cabendo média superior a 10 toneladas por habitante. Algo parecido com o cálculo para o Brasil que sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial e consultor do governo inglês para o clima, mencionou em sua passagem por aqui no início do ano.

É muito preocupante, pois esses números nos situam entre os cinco maiores emissores. E é também lamentável que o Brasil continue a não aceitar compromissos obrigatórios para reduzir suas emissões. Segue atribuindo prioridade a seus objetivos de política externa e a posições conjuntas no âmbito do G-77 – e este continua a dizer que a obrigação de reduzir emissões é dos países industrializados (que emitem mais e há mais tempo, o que foi verdade total até há pouco tempo; agora, os países “em desenvolvimento” já emitem mais que os países “ricos”, a China emite mais que os Estados Unidos, embora com uma emissão per capita muitas vezes inferior, contrabalançada por uma população quatro vezes maior).

Os países “em desenvolvimento”, o Brasil entre eles, entendem também que compromissos obrigatórios podem prejudicar o crescimento econômico, agora previsto aqui para 5% a 6% ao ano, no comunicado sobre as “metas voluntárias”. Mas, como já se comentou neste espaço, o prejuízo depende do tipo de desenvolvimento que se pratique.

De qualquer forma, com a decisão de não aceitar compromissos obrigatórios de redução o Brasil perde uma extraordinária oportunidade de assumir, em Copenhague, uma liderança muito forte, que aponte para novos formatos. Temos tudo para isso, é preciso repetir sempre: território continental, sol o ano todo, de 12% a 13% do fluxo hídrico no mundo, de 15% a 20% da biodiversidade global, a possibilidade de matriz energética “limpa” e renovável, com hidreletricidade, energias das biomassas, solar, eólica, das marés. Mas para estes próximos tempos, caminhando na contramão, estamos direcionando a maior parte do crescimento da nova oferta de energia em leilões a termoelétricas, altamente poluidoras (sem falar nas nucleares).

No plano global, também é muito preocupante a decisão dos líderes mundiais de adiar para 2010 a negociação de um tratado para reduzir as emissões – porque é preciso um tratado formal, acordos apenas não bastam. De toda parte – do Ártico, da Groenlândia, da Ásia, da África, da América Central, da América do Sul (seca em 90% do território argentino) – chegam, todos os dias, notícias (que não é preciso repetir) de desastres climáticos cada vez mais graves. O balanço de 2008 já apontou mais de 200 milhões de vítimas no mundo, mais de 200 mil mortes, prejuízos imensos. Neste momento mesmo, estamos de novo às voltas com inundações no Sul do País, no Rio de Janeiro, em Minas, Espírito Santo, Bahia, São Paulo.

O pretexto para o adiamento, agora, é dar tempo para que o Congresso norte-americano aprove a política do clima do presidente Barack Obama. Houve outros, antes. Já não estamos “caminhando sobre ovos rumo a Copenhague”, como se escreveu neste espaço há poucas semanas (23/10). Estamos literalmente esmagando ovos.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

* Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 23/11/2009

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