Crack: dependência e tratamento, artigo de Eloisa Dutra Caldas
Dedos queimados e calos são cicatrizes comuns deixadas pelo crack nas mãos de quem fuma Foto: Marcello Casal JR/ABr
O homem faz uso de substâncias que alteram o estado de consciência desde os primórdios da sua história, principalmente associado a rituais sagrados. O uso abusivo e recreacional dessas substâncias é recente, com conseqüências dramáticas para toda a sociedade. Nas últimas semanas, o Brasil acompanhou pela mídia o drama de famílias que tiveram seus filhos roubados pelo consumo do crack. Pai entregou o filho à polícia depois que ele estrangulou uma amiga. Mães encarceraram seus filhos para salvá-los do vício e dos traficantes. O perfil do consumidor de crack mudou drasticamente no Brasil nos últimos anos. Forma mais barata da cocaína, o crack antes era usado principalmente por moradores de rua, mas atualmente cerca de 40% dos usuários são de classe média.
O que é esta droga tão poderosa? O crack é a forma básica da cocaína, que se volatiliza quando aquecida, propriedade que determina sua forma de uso. Quando “fumada”, a cocaína chega ao sistema nervoso em segundos. O efeito desejado pelo usuário chega rápido, mas também se esvai rapidamente – daí a fissura para se conseguir uma nova pedra. A ação principal da cocaína é o aumento dos níveis de dopamina na fenda sináptica, espaço milimétrico que separa duas células nervosas. A estimulação continuada dos receptores dopaminérgicos leva, entre outros efeitos, à euforia, sensação de poder, irritabilidade e paranóia.
Quando os níveis de dopamina caem, o dependente experimenta sintomas como ansiedade, depressão, agitação, dores musculares, vômito e insônia. Ele, então, é capaz de tudo para conseguir a droga, eliminar esses sintomas e chegar novamente ao estado de euforia. É um ciclo vicioso que não acaba nunca, a não ser que o dependente, um doente, se trate.
O principal entrave para o tratamento adequado desses pacientes na rede pública de saúde é a dificuldade de se conseguir internação hospitalar, indispensável no caso de usuários em crise, quando eles perdem a consciência de seus atos. Apesar de a legislação brasileira prever a internação involuntária, ela é extremamente difícil no país. O que fazer quando um pai leva o filho doente a hospital público, em crise aguda da dependência química, e não consegue atendimento? Tranca o filho em casa? Desiste e o abandona?
Vários são os fatores que levam um indivíduo a se tornar um dependente químico, incluindo causas genéticas, psicológicas e sociais. Em alguns depoimentos, pais de dependentes relembram o filho que tinham, tranquilo, estudioso, atencioso. O que aconteceu com aquele, outrora um bom menino? Podemos nós, pais, amigos e familiares, detectar algum sinal da perda desse ente querido? Esses sinais são sutis no início.
Podem começar com ausências freqüentes de casa, alterações repentinas de humor, desinteresse pelas atividades escolares, afastamento de antigos amigos e dificuldades de relacionamento dentro de casa. No início, o uso da droga para o adolescente parece uma brincadeira, a descoberta de novas sensações. Quando a brincadeira se torna dependência, é difícil para ele aceitar que está doente. A consciência de toda a sociedade de que o dependente químico é um doente e não um marginal e o aumento de investimentos públicos para atender adequadamente este doente são dois pilares importantes para enfrentar este novo desafio da sociedade moderna.
Eloisa Dutra Caldas é química e professora do Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB.
Artigo divulgado pela UnB Agência e publicado pelo EcoDebate, 17/11/2009.
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