Cientistas estimam as emissões de gases do efeito estufa do Brasil
Reduzir a emissão de gases do efeito estufa (GEE) para a atmosfera e realizar inventários periódicos sobre o assunto, foi o que definiu a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Nesse contexto, o Brasil efetuou os cálculos de emissão de GEE e os publicou, em 2004, como a primeira Comunicação Nacional do País. No entanto, os únicos dados oficiais existentes na época, referiam-se ao período 1990-1994. Neste documento foi relatado que o país é um dos maiores emissores de GEE do mundo e isto ocorre, em grande parte, por causa do desmatamento, principalmente do bioma Amazônia, para dar lugar à agricultura e pecuária.
Preocupados com essa questão e por acreditarem que esse único inventário está desatualizado, cientistas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) e Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), liderados por Carlos Clemente Cerri, acabaram de publicar no volume 66, número 6, da revista científica da USP, Scientia Agrícola, a revisão intitulada “Emissões de gases do efeito estufa do Brasil: Importância da agricultura e pastagem“. Os dados apresentados no artigo tem despertado grande interesse em setores acadêmicos, produtivos e governamentais.
Para elaborar essa revisão, os pesquisadores Stoecio Malta Ferreira Maia, Marcelo Valadares Galdos, Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, Brigitte Josefine Feigl e Martial Bernoux, tiveram como objetivos atualizar a estimativa da emissão de GEE para o território brasileiro; estimar a possível fixação de C que permita calcular a emissão líquida de GEE para o período de 1990-2005; calcular a contribuição efetiva e compartilhada das atividades agrícolas e pecuárias; e discutir sob a luz dos novos conhecimentos as melhores opções de mitigação para o Brasil. “Os dados do primeiro inventário são relativos a 1994, e é o que prevalece até hoje. Já são passados 15 anos. Como participei de parte do primeiro relatório, montei minha equipe e atualizamos esses dados até 2005, utilizando a mesma metodologia do inventário anterior. Assim, calculamos as emissões a cada 5 anos, ou seja, 1990, 1995, 2000 e 2005”, comenta Cerri.
Embora considerado por aqueles que já tiveram acesso ao trabalho como um novo inventário, os autores salientam que este artigo não deve ser considerado um documento oficial da Comunicação Nacional. Na ausência de um inventário oficial, ele poderá auxiliar na tomada de decisões políticas, principalmente na próxima reunião da Conferência das Partes (COP 15), a ser realizada em dezembro, em Copenhage, Dinamarca.
A revisão apresenta cálculos feitos com base em cinco fontes de emissão – energia, processos industriais, agricultura, mudança de uso da terra e resíduos – bem como de suas sub-fontes, com muito detalhamento, além de oferecer um quadro inédito de emissões do Brasil. Segundo o documento, a pecuária é o setor que merece maior atenção, pois ela tem um papel muito importante nas emissões do território brasileiro. “A taxa de desmatamento no Brasil está diminuindo e vai decrescer naturalmente porque sua maior causa é a pecuária, criação de pastagens e as conseqüentes emissões provocadas pelo gado. O gado consome o capim, o qual vai para o rúmen onde é fermentado e nesse processo há emissão de metano pela eructação e pelas feses e, também, de óxido nitroso pela decomposição da urina no solo. Tudo isso parece folclórico, mas é importante, porque o metano e o óxido nitroso são gases que têm alto potencial para aquecer a atmosfera terrestre vinte e trezentas vezes maiores do que o gás carbônico. Assim, nosso estudo aponta maneiras de se trabalhar com uma pecuária mais tecnificada para melhor aproveitamento das áreas atuais sob pastagens e, em conseqüência, reduzir as emissões pelo setor”.
Na verdade, continua Cerri, “quando os três gases do efeito estufa são convertidos em uma única unidade denominada de ‘equivalente em CO2′, percebe-se que a taxa de emissão de gases do desmatamento aumentou 8,1% entre 1994 e 2005, porém essa taxa foi menor do que aquela produzida pela fermentação entérica dos ruminantes, que teve aumento de 13%”. Ele comenta ainda que as entidades governamentais e a sociedade estão fiscalizando as áreas e que essas iniciativas estão fazendo com que o desmatamento seja reduzido.
O pesquisador afirma que no Brasil, a área atual ocupada com pastagens é bastante extensa, porém muitas delas apresentam algum estágio de degradação ou de baixa produtividade. “Hoje, a ocupação média no Brasil é de 0,9 cabeças por hectare. O Brasil precisa, nos próximos dez anos, de 20 milhões de hectares para acomodar as expectativas de expansão na produção de alimentos, fibras e biocombustíveis para suprir as necessidades internas e exportar. “Precisamos produzir mais soja, mais milho, mais arroz, mais trigo, mais algodão, mais cana-de-açúcar e oleaginosas para biocombustível, mais reflorestamento com silvicultura com eucalipto, pinus e outras essencias e isso dá, mais ou menos 20 milhões de hectares e nós não podemos desmatar. O grande desafio é proceder essa expansão sem novos desmatamentos e isso é perfeitamente possível adotando um planejamento estratégico adequado nas áreas já ocupadas pela agricultura e pecuária”.
Para chegar a essa ocupação racional e sustentável das áreas agrícolas disponíveis, o Brasil já dispõe de tecnologias inovadoras, algumas delas apontadas no documento que acaba de ser publicado. De acordo com os cientistas, é possível trabalhar na recuperação da pastagem degradada, no melhoramento genético animal, no confinamento, na adoção da integração lavoura-pecuária e tudo isso pode ser feito numa área menor, com maior produtividade, liberando espaço para expansão agrícola necessária, porém sem nenhum desmatamento. “Isso faz com que o tempo de vida do animal seja reduzido. Ao invés de permanecer três anos e meio no campo, é possível reduzir o tempo para o abate com mesmo peso, porém com menor emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global.
O artigo está disponível em www.esalq.usp.br/scientia/docs/gas_emissions.pdf .
Resumo da revisão
A emissão total de GEE em equivalente em CO2 aumentou em 17% durante o período de 1994-2005. O CO2 foi responsável por 72,3% do total, ou seja, houve uma pequena diminuição em relação aos outros GEE, uma vez que em 1994 sua participação foi de 74,1%. O aumento de todas as fontes dos GEE, excluída mudança do uso da terra e reflorestamento, foi de 41,3% durante o período de 1994-2005. Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) – World Resources Institute (WRI) estimaram um crescimento maior (48,9%), que classifica o Brasil na 69a posição no ranking mundial de emissores. Utilizando as estimativas deste estudo, o Brasil ocuparia a 78a posição. Em ambos os casos, porém, o Brasil claramente aumentou suas emissões num ritmo menor do que os que foram calculados para a China e Índia, dois dos maiores emissores, com aumentos de respectivamente 88,8 e 62,1%. O Brasil reduziu suas emissões em taxa maior do que alguns países do Anexo I, sujeitos a uma quota de redução. É o caso da Espanha e a Nova Zelândia que aumentaram em 55,6% e 45,8% suas emissões. O Brasil também está abaixo da média de aumento apresentado pelos países que não são do Anexo I, o qual foi estimado em 61,3%. No entanto, está acima da média global que foi de 28,1%. Além de trabalhar pela redução das emissões dos setores de energia e desmatamento, o Brasil deve agora ter como meta prioritária a implantação de um programa nacional de incentivo às mitigações nos setores agrícola e pecuário. Tais opções de mitigação não deverão se concentrar somente na redução das emissões, mas também favorecer a fixação de carbono. Tal programa seria de fácil implementação, pois diversas estratégias de mitigação já provaram ser eficientes, fáceis de adotar e economicamente viáveis.
Reportagem de Alicia Nascimento Aguiar, USP/ESALQ, publicado pelo EcoDebate, 17/11/2009
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