As implicações globais do Fome Zero, artigo de Andrew Macmillan
[Correio Braziliense] Em um mundo onde não falta comida, é escandaloso que mais de 1 bilhão de pessoas estejam subnutridas. O que é pior: sabemos como acabar com a fome, mas poucos governos estão fazendo o necessário. O Brasil é um deles, e o Fome Zero mostra que é possível avançar rapidamente em direção à erradicação da subnutrição.
Enquanto o mundo se comprometeu a reduzir a fome pela metade até 2015, o Brasil se impôs o desafio de erradicá-la o mais rápido possível. A meta de reduzir a fome condena milhões de pessoas a uma vida de miséria e exclusão; a de erradicá-la cria o sentido de urgência necessário e estimula a ação imediata.
Embora muitos dos impactos do Fome Zero só serão percebidos quando as crianças que participam de seus programas e ações crescerem, já há diversos sinais de que a estratégia vai na direção certa.
Em apenas seis anos, a mortalidade infantil caiu 73% e o número de pessoas vivendo situação de pobreza extrema, 48%. O reconhecimento vem de diversos lados. Recentemente, a ONG internacional Action Aid colocou o Brasil no topo da lista dos países em desenvolvimento que mais têm avançado no combate à fome.
O país não só está melhorando a alimentação da população carente, mas estimulando o crescimento econômico onde ele é mais necessário, nos rincões mais pobres. O sucesso brasileiro mostra o que pode ser feito combinando vontade política, meta clara, estratégia comum dos governos federal, estaduais e municipais, e o compromisso da sociedade civil.
O Fome Zero também comprova a necessidade de equilibrar medidas destinadas a aliviar o sofrimento de famílias hoje com ações estruturantes que enfrentem as causas subjacentes da fome. Soluções duradouras dependem do reconhecimento do direito humano à alimentação, e de uma gestão mais equitativa da economia, melhorando a distribuição de renda, ampliando as oportunidades de emprego, aumentando os salários e permitindo que mais pessoas tenham acesso a recursos naturais, como terra e água.
O Fome Zero entende ainda que, como em muitos países, a causa imediata da fome não é a falta de comida, mas a falta de dinheiro para comprá-la. Por isso, a importância de um programa de transferência de renda que permita que as famílias mais pobres — 12 milhões delas no caso do Brasil — possam comprar a comida que precisam para uma vida saudável. Ao vincular essa ajuda à exigência da frequência escolar e acompanhamento médico, se promove não só a melhor alimentação das crianças e dos jovens, mas também sua saúde e educação.
O Brasil está mostrando que o enfoque de dupla via recomendado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para reduzir a fome, que concilia ações imediatas para melhorar o acesso à comida e o aumento da produção de alimentos, principalmente dos pequenos produtores, pode ser implantado na prática.
A maior demanda por alimentos estimulada pelos programas de transferência de renda está aumentando o mercado para os agricultores familiares brasileiros, incluindo aquele milhão beneficiado pela reforma agrária e também vulnerável à insegurança alimentar. Esse apoio é reforçado por programas de crédito e pelas compras governamentais para uso em, por exemplo, distribuição emergencial de alimentos e merenda escolar.
O Fome Zero também mostra que a ação direta contra a fome pode aumentar a resistência dos mais pobres a choques econômicos. Isso ficou evidente na atual crise. O Bolsa Família garantiu uma renda mínima para a população mais pobre e ajudou a sustentar os níveis de consumo interno, o que foi essencial na superação da crise.
Porque sabemos como e temos as condições para erradicar a fome não podemos aceitar conviver com ela. A Cúpula Mundial sobre a Segurança Alimentar, que se realizará na FAO de 16 a 18 de novembro, dará aos governos de todos os países a oportunidade de seguir o exemplo do Brasil e tomar as decisões e implantar as ações necessárias para a erradicação da fome. Agora e sempre.
Nas últimas duas cúpulas mundiais da alimentação, em 1996 e 2002, chefes de Estado fizeram promessas audazes, mas a maioria falhou na hora de agir. Para evitar promessas vazias, o próximo encontro pode abrir um espaço para que cada país torne público como pretende acabar com a fome, indicando os recursos e prazos para que essa meta se torne realidade.
Esperamos que, desta vez, quando presidentes, primeiros-ministros, rainha e reis voltarem à casa, eles façam como Lula, lancem seu próprio Fome Zero e ajudem outros países a fazer o mesmo. Se isso acontecer, o mundo será um lugar melhor — e mais seguro — para todos.
Andrew Macmillan, Economista agrícola, foi diretor da Divisão de Operações de Campo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
* Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense.
EcoDebate, 12/11/2009
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