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Artigo

O lado sombrio da neurologia, artigo de Antonio Luiz M. C. Costa

cérebro

A investigação científica da atividade cerebral pode ser mais uma arma nas mãos do poder

As tecnologias de mapeamento e análise da atividade cerebral criaram possibilidades para o pensamento, a cultura e a sociedade cujas possibilidades e riscos mal começam a ser avaliados.

Há não muito tempo atrás, o behaviorismo radical propunha reduzir a psicologia ao estudo da correlação estímulo-resposta e rejeitava como não-científica, por não observável, a noção de estados mentais a influenciar o comportamento. Em certa medida e em certo sentido, a mente pode agora ser observada.

Isso concerne não só à psicologia, como à economia. Está a ser demonstrada a falta de fundamento neurológico de conceitos tradicionalmente axiomáticos para a economia neoclássica e já se propõe uma “neuroeconomia” que leve em conta os reais processos de decisão, nada parecidos à hipotética maximização de utilidade pelo “homem econômico racional”.

Além de supor que a decisão é racional e sem custo, os neoclássicos presumem que ela depende de interesses egoístas e de crenças e preferências consistentes, facilmente inferidas de seu comportamento no consumo e das escolhas relativas a risco e prazo de retorno dos investimentos.

A neurologia mostra que isso é ficção. Os agentes podem racionalizar a posteriori suas decisões, mas elas dependem de processos inconscientes e irracionais, só ocasionalmente checados e contestados pelas áreas racionais do cérebro.

As pessoas nem sempre se comportam de acordo com suas crenças e interesses objetivos. Por exemplo, podem ser levadas por associações não conscientes a contratar e promover pessoas altas, atraentes e da etnia dominante, por mais que tentem ser imparciais e que isso seja economicamente contraproducente.

Na vida real, muitos preferem nada receber a aceitar um acordo injusto. Pela teoria neoclássica, não faz sentido: algo é sempre melhor do que nada. A neurologia mostra que não é assim e por quê: em pessoas normais, zonas do cérebro ligadas à indignação reagem e forçam a área responsável pela decisão a escolher entre a ausência de ganho e a repugnância por ser vitima de uma iniqüidade. Só autistas se comportam como prevê o modelo neoclássico.

A propaganda, ao contrário do que presume a teoria econômica, não é inofensiva, mesmo quando não é exatamente enganosa: ao resistir ao anúncio de uma guloseima que o convida a violar sua dieta, o consumidor dispende energia real para resistir à tentação, o que tem efeitos mensuráveis, tais como a diminuição da capacidade de lidar com desafios intelectuais e afetivos. Proudhon poderia dizer que a publicidade, tanto quanto a propriedade, é um roubo (de energia).

Da neuroeconomia ao neuromarketing é só um passo. Em tese, mapear o cérebro permite contornar censuras, racionalizações e expectativas culturais para avaliar reações imediatas e inconscientes aos estímulos da publicidade, de forma a torná-la mais eficaz. Sabe-se há muito, por exemplo, que consumidores que se dividem igualmente entre dois refrigerantes semelhantes quando convidados a escolher às cegas, preferem o mais famoso quando são informados da marca.

O mapeamento cerebral ajuda a entender por quê: no primeiro teste, são estimulados só centros gustativos. No segundo, são envolvidos centros de controle de decisões e memória – mas só em relação ao produto cuja imagem de vivacidade foi cultivada pelos publicitários.

Pouco importa se os consumidores aprendem a usar o controle remoto: os anúncios que os programam cada vez mais se integram à própria trama de todo entretenimento que procurem. Como confessou Patrick Le Lay, presidente do canal privado francês TF1, “o que nós vendemos à Coca-Cola é tempo de cérebro humano disponível”. Muito mais que intervalos comerciais, entenda-se.

Exemplo mais avançado que o do merchandising dentro de filmes e programas de TV é o game CounterStrike, no qual o Exército Americano empregou sofisticadas técnicas de estímulo cerebral para criar um poderoso instrumento de propaganda, treinamento, recrutamento e seleção de soldados.

Antes mesmo dos consumidores, os marqueteiros, tão suscetíveis às modas de sua profissão, talvez se descubram vítimas do neuromarketing do neuromarketing. Mas a nova técnica não deixará de ser outra ferramenta nas mãos de quem tiver conhecimentos e recursos para manipulá-la, desequilibrando ainda mais, às custas do consumidor (e eleitor) despreparado e passivo, um jogo já muito enviesado em favor dos poderes econômicos e políticos.

A ficção científica joga, há muito, com essa perspectiva. No ano passado, Toxic Memes, um role-playing game da série Gurps, propôs um futuro no qual “memes” – termo cunhado pelo biólogo Richard Dawkins para se referir a idéias vistas como análogas a genes (ou a programas de computador) – são conscientemente planejados para serem irresistíveis para a neurologia humana e se reproduzirem espontaneamente, de forma a manipular os desejos e as crenças das massas.

O trabalho de um publicitário a serviço de uma empresa, de um político ou de um líder religioso, nesse cenário, se torna análogo ao de um hacker que concebe um vírus capaz de se espalhar e reproduzir pela rede de computadores, mas tendo como alvo os circuitos do cérebro humano e não um microprocessador. Ou a um especialista em guerra biológica que luta para contornar o sistema imunológico.

Não está interessado na verdade e coerência da mensagem, mas na sua capacidade de infectar o alvo, ao burlar suas defesas (ou melhor, as dos memes nele previamente “instalados”), multiplicar-se e induzir os comportamentos desejados. Nesse futuro, tais técnicas tornaram-se tão comuns e mecânicas que o assistente de um software chamado ParadigmMaker 2.1 sugere automaticamente ao usuário: “Você parece estar fundando uma religião. Deseja ajuda para isso?”.

Pode ser simplismo ou exagero levar tão longe as analogias entre idéias e genes, entre doenças biológicas e vírus de computador e entre computadores e cérebros humanos, mas essa especulação não se fez totalmente sobre o vazio. E, se tais analogias fazem sentido dentro de certos limites, também devem valer nesses casos os fatores que limitam a propagação de infecções em seres vivos e computadores.

Uma delas é que a diversidade dificulta a transmissão de infecções. Uma plantação diversificada resiste melhor a uma nova praga que uma monocultura baseada em vegetais clonados. Um vírus de computador se multiplica muito mais se conta com a onipresença de softwares padronizados.

Outra é que a eficácia do sistema imunológico (ou dos programas antivírus) depende de sua capacidade de distinguir o que é necessário ao organismo (ou os softwares úteis) dos corpos estranhos. Depende de um conceito de integridade e coerência nem demasiado rígido – sob pena de perigosas reações alérgicas e auto-imunes (ou travar o computador) – nem demasiado flexível, sob pena de abir o caminho a qualquer infecção. A tarefa se complica quando é freqüente a exposição a agentes contaminantes (ou e-mails).

Essas observações sugerem que diversidade cultural, um conceito adequado de integridade e coerência de pensamento e personalidade e a limitação da poluição informacional facilitariam o trabalho do análogo cultural do sistema imunológico ou do programa antivírus – a saber, o espírito crítico – mas só até certo ponto.

Além disso, as barreiras da diversidade estão a ser em grande parte demolidas pela globalização. E a cultura letrada, cuja maior virtude é estimular o hábito de crítica, reflexão e consistência, está em decadência, reduzindo as pessoas a acumuladores e repetidores vazios e incoerentes de idéias contagiosas transmitidos pelos canais e do jeito certo, por estúpidas que sejam.

Se o mundo vier a ser uma espécie de síntese de Orwell e Huxley, o caminho passa por Ray Bradbury e seu Fahrenheit 451. Melhor que seus rivais, previu o desenraizamento das massas, a ascensão da realidade virtual e a desintegração do pensamento crítico, substituído pela reação programada às posturas e tons de voz dos dirigentes cuja imagem foi devidamente trabalhada. Só não foi preciso proibir e incinerar literalmente os livros. Até agora, pelo menos.

* Colaboração de Edinilson Takara para o EcoDebate, 31/10/2009

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4 thoughts on “O lado sombrio da neurologia, artigo de Antonio Luiz M. C. Costa

  • “Há não muito tempo atrás, o behaviorismo radical propunha reduzir a psicologia ao estudo da correlação estímulo-resposta e rejeitava como não-científica, por não observável, a noção de estados mentais a influenciar o comportamento. Em certa medida e em certo sentido, a mente pode agora ser observada.”

    Ridículo. O autor desse texto é um desinformado sobre o assunto. Não vou sair explicando tudo, mas eu espero que esses dois artigos possam desmitificar as mentiras que o autor deste texto espalhou sobre o behaviorismo radical:

    http://www.infoescola.com/comportamento/behaviorismo-radical/

    http://en.wikipedia.org/wiki/Radical_behaviorism

Fechado para comentários.